Mundo

Registro de alta fidelidade da história do clima da Terra coloca asmudanças atuais no contexto
O registro revela quatro estados clima¡ticos distintos, que os pesquisadores apelidaram de Hothouse, Warmhouse, Coolhouse e Icehouse.
Por Universidade da Califórnia - Santa Cruz - 11/09/2020


Tendaªncias passadas e futuras na temperatura média global nos últimos 67 milhões de anos. Os valores de isãotopos de oxigaªnio em foramina­feros benta´nicos do fundo do mar a partir de núcleos de sedimentos são uma medida da temperatura global e do volume de gelo. A temperatura érelativa a  média global de 1961-1990. Os dados de registros de gelo dos últimos 25.000 anos ilustram a transição do último período glacial para o atual período mais quente, o Holoceno. Os dados hista³ricos de 1850 atéhoje mostram o aumento distinto após 1950, marcando o ini­cio do Antropoceno. As projeções futuras para a temperatura global para três cenários de Vias de Concentração Representativa (RCP) em relação ao registro benta´nico do fundo do mar sugerem que em 2100 o estado do clima serácompara¡vel ao Clima Ideal do Mioceno (~ 16 milhões de anos atrás), bem além do limite para nucleação de mantos de gelo continentais. Se as emissaµes forem constantes após 2100 e não estabilizadas antes de 2250, o clima global em 2300 pode entrar no mundo da estufa do ini­cio do Eoceno (~ 50 milhões de anos atrás) com seus maºltiplos eventos de aquecimento global e nenhuma grande camada de gelo nos pa³los. Crédito: Westerhold et al., CENOGRID

Pela primeira vez, os cientistas do clima compilaram um registro conta­nuo de alta fidelidade das variações do clima da Terra, estendendo-se por 66 milhões de anos no passado. O registro revela quatro estados clima¡ticos distintos, que os pesquisadores apelidaram de Hothouse, Warmhouse, Coolhouse e Icehouse.

Esses principais estados clima¡ticos persistiram por milhões e, a s vezes, dezenas de milhões de anos, e dentro de cada um o clima mostra variações ra­tmicas correspondentes a smudanças na a³rbita da Terra ao redor do sol. Mas cada estado clima¡tico tem uma resposta distinta a s variações orbitais, que gerammudanças relativamente pequenas nas temperaturas globais em comparação com asmudanças drama¡ticas entre os diferentes estados clima¡ticos.

As novas descobertas, publicadas em 10 de setembro na Science , são o resultado de décadas de trabalho e uma grande colaboração internacional. O desafio era determinar as variações climáticas anteriores em uma escala de tempo fina o suficiente para ver a variabilidade atribua­vel a s variações orbitais (na excentricidade da a³rbita da Terra em torno do sol e na precessão e inclinação de seu eixo de rotação).

"Sabemos hámuito tempo que os ciclos glacial-interglaciais são ritmados pormudanças na a³rbita da Terra, que alteram a quantidade de energia solar que atinge asuperfÍcie da Terra, e os astrônomos tem computado essas variações orbitais no passado", explicou o co-autor James Zachos, distinto professor de Ciências da Terra e planeta¡rias e Ida Benson Lynn Professora de Saúde do Oceano na UC Santa Cruz.

"Conforme reconstrua­mos climas anteriores, poda­amos vermudanças grosseiras de longo prazo muito bem. Tambanãm saba­amos que deveria haver uma variabilidade ra­tmica em escala mais fina devido a s variações orbitais, mas por muito tempo foi considerado impossí­vel recuperar esse sinal", Zachos disse. "Agora que conseguimos capturar a variabilidade natural do clima, podemos ver que o aquecimento antropogaªnico projetado serámuito maior do que isso."

Nos últimos 3 milhões de anos, o clima da Terra esteve em um estado de Icehouse, caracterizado por períodos glaciais e interglaciais alternados. Os humanos modernos evolua­ram durante esse período, mas as emissaµes de gases de efeito estufa e outras atividades humanas estãoagora levando o planeta em direção aos estados clima¡ticos de Warmhouse e Hothouse não vistos desde a anãpoca do Eoceno, que terminou hácerca de 34 milhões de anos. Durante o ini­cio do Eoceno, não havia calotas polares e as temperaturas globais médias eram de 9 a 14 graus Celsius mais altas do que hoje.
 
"As projeções do IPCC para 2300 no cena¡rio de 'nega³cios como de costume' ira£o potencialmente trazer a temperatura global a umnívelque o planeta não viu em 50 milhões de anos", disse Zachos.

O novo registro clima¡tico global CENOGRID (painel inferior) éo primeiro a rastrear
conta­nua e precisamente como o clima da Terra mudou desde a grande extinção dos
dinossauros, há66 milhões de anos. O registro foi gerado usando o oxigaªnio (mostrado)
e isãotopos de carbono de minaºsculos microfa³sseis encontrados em sedimentos do fundo
do mar coletados pelo navio IODP R / V JOIDES Resolução (mostrado na foto) e mostra
a gama natural demudanças climáticas e variabilidade ao longo do últimos
66 milhões de anos. Crédito: Thomas Westerhold / Adam Kutz

Cra­tico para compilar o novo recorde clima¡tico foi obter núcleos de sedimentos de alta qualidade de bacias oceânicas: profundas por meio do Programa Internacional de Perfuração Ocea¢nica (ODP, posteriormente Programa Integrado de Perfuração Ocea¢nica, IODP, sucedido em 2013 pelo Programa Internacional de Descoberta do Oceano). As assinaturas de climas anteriores são registradas nas conchas do pla¢ncton microsca³pico (chamado foramina­feros) preservado nos sedimentos do fundo do mar. Depois de analisar os núcleos de sedimentos, os pesquisadores tiveram que desenvolver uma "astrocronologia" combinando as variações climáticas registradas nas camadas de sedimentos com as variações na a³rbita da Terra (conhecidas como ciclos de Milankovitch).

"A comunidade descobriu como estender essa estratanãgia a intervalos de tempo mais antigos em meados da década de 1990", disse Zachos, que liderou um estudo publicado em 2001 na revista Science que mostrou a resposta do clima a s variações orbitais por um período de 5 milhões de anos cobrindo a transição da anãpoca do Oligoceno para o Mioceno, cerca de 25 milhões de anos atrás.

"Isso mudou tudo, porque se pudanãssemos fazer isso, saba­amos que podera­amos voltar a talvez 66 milhões de anos atrás e colocar esses eventos transita³rios e grandes transições no clima da Terra no contexto de variações em escala orbital", disse ele .

Zachos colabora hános com o autor principal Thomas Westerhold no Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen (MARUM) na Alemanha, que abriga um vasto reposita³rio de núcleos de sedimentos. O laboratório de Bremen, junto com o grupo de Zachos na UCSC, gerou muitos dos novos dados para a parte mais antiga do registro.

Westerhold supervisionou uma etapa cra­tica, juntando segmentos sobrepostos do registro clima¡tico obtido de núcleos de sedimentos de diferentes partes do mundo. “a‰ um processo tedioso reunir este longo megasplice de registros clima¡ticos, e também quera­amos replicar os registros com núcleos de sedimentos separados para verificar os sinais, então este foi um grande esfora§o da comunidade internacional trabalhando em conjunto”, disse Zachos.

Agora que eles compilaram um registro clima¡tico conta­nuo e astronomicamente datado dos últimos 66 milhões de anos, os pesquisadores podem ver que a resposta do clima a s variações orbitais depende de fatores como os na­veis de gases do efeito estufa e a extensão das camadas de gelo polares.

“Em um mundo com efeito de estufa extremo e sem gelo, não havera¡ feedback envolvendo os mantos de gelo e isso muda a dina¢mica do clima”, explicou Zachos.

A maioria das principais transições climáticas nos últimos 66 milhões de anos foi associada amudanças nos na­veis de gases de efeito estufa. Zachos fez extensas pesquisas sobre o Ma¡ximo Tanãrmico Paleoceno-Eoceno (PETM), por exemplo, mostrando que esse episãodio de rápido aquecimento global, que levou o clima a um estado de estufa, estava associado a uma liberação macia§a de carbono na atmosfera. Da mesma forma, no final do Eoceno, a  medida que os na­veis de dia³xido de carbono atmosfanãrico estavam caindo, mantos de gelo começam a se formar na Anta¡rtica e o clima passou para o estado Coolhouse.

"O clima pode se tornar insta¡vel quando se aproxima de uma dessas transições, e vemos respostas menos previsa­veis ao forçamento orbital, então isso éalgo que gostara­amos de entender melhor", disse Zachos.

O novo registro do clima fornece uma estrutura valiosa para muitas áreas de pesquisa, acrescentou. Nãoéútil apenas para testar modelos clima¡ticos, mas também para geofa­sicos que estudam diferentes aspectos da dina¢mica da Terra e paleonta³logos que estudam como os ambientes em mudança conduzem a evolução das espanãcies.

"a‰ um avanço significativo nas ciências da Terra e um grande legado do Programa Internacional de Perfuração Ocea¢nica", disse Zachos.

 

.
.

Leia mais a seguir