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Papa pode apoiar uniaµes de pessoas do mesmo sexo, mas isso não significa que o Vaticano faz
O professor acredita que o caminho para uma mudança duradoura élongo
Por Colleen Walsh - 25/10/2020


Papa Francisco na Praça de Sa£o Pedro no Vaticano no ini­cio deste maªs. AP Photo / Gregorio Borgia

A divulgação nesta semana do apoio do Papa Francisco a s uniaµes civis do mesmo sexo causou ondas de choque na Igreja Cata³lica e nos ca­rculos progressistas e conservadores. Veio em uma entrevista papal em "Francesco", um documenta¡rio que estreou na quarta-feira, e representou uma grande ruptura com o ensino do Vaticano, deixando muitos se perguntando se uma mudança oficial aconteceria em breve. No filme, Francis diz: “O que temos que criar éuma lei da unia£o civil. Dessa forma, eles são legalmente cobertos. ” Em entrevista com Francis X. Clooney, SJ , Parkman Professor of Divinity e professor de teologia comparada, refletiu sobre os comenta¡rios do papa e o que eles significam para os membros da comunidade cata³lica LGBTQ. 

Perguntas & Respostas
Francis X. Clooney


Qual foi sua reação quando ouviu sobre os comenta¡rios do papa sobre as uniaµes do mesmo sexo?

CLOONEY: Por outro lado, não énenhuma surpresa, porque o arcebispo Bergoglio [agora Papa Francisco] lutou com a questãodas relações formais de casamento quando estava na Argentina e apontou para um compromisso, como chamar as uniaµes de mesmo sexo de unia£o civil e não de casamento. Este debate ésemelhante ao que passamos nestepaís hácerca de uma década. Mas acho que a abertura de Francisco a s uniaµes do mesmo sexo também émais fundamentalmente representativa de seu instinto de que os seres humanos tem o direito de estar juntos, o direito a  unia£o, o direito a  familia e, portanto, seria injusto não fornecer maneira de as pessoas viverem juntas como um casal. Acho que éseu senso ba¡sico de compaixa£o humana e sua abertura para encontrar maneiras de ajudar as pessoas a viver a vida que sentem que devem viver.

Por outro lado, vocênão pode imaginar papas anteriores falando dessa maneira. Isso não significa que alguém como Joa£o Paulo não era uma pessoa compassiva, mas eles estavam claramente ligados, focados na doutrina da igreja e na preservação do casamento entre um homem e uma mulher e, dadas suas atitudes em relação a  homossexualidade, eles simplesmente não falaria dessa maneira, independentemente do que eles possam ter sentido pessoalmente. E eu acho que a novidade aqui éque Francisco, como dizem todos os relatórios, estãono contexto não autorizado de um documenta¡rio - não sentado na cadeira de Pedro como papa fazendo uma proclamação - falando o que pensa como provavelmente a maioria dos cata³licos no West também falaria o que pensavam e diria: "Bem, sim, o que importa éalgum tipo de maneira de permitir que as pessoas vivam suas vidas felizes e em paz."

Isso muda alguma coisa na doutrina geral da igreja?

CLOONEY: Provavelmente não, porque ele não foi tão longe em termos de reconhecimento de casamentos gays. Mas, implicitamente, estãominando a reta³rica de que ser gay éuma desordem grave ou que ser gay e viver um compromisso gay éalgo que Deus desaprova. Francisco estãoassumindo uma atitude positiva e, portanto, mudando o clima, mesmo que haja cata³licos que resistam muito a isso.

Eu sei que o bispo Thomas J. Tobin em Providence, RI, se manifestou fortemente contra isso. Vocaª espera uma reação ainda maior dos conservadores e de outras vozes na igreja?

CLOONEY: Sim, mas não tanto quanto se possa imaginar. Esta nota­cia ébaseada em um documenta¡rio e estãode acordo com o que Francis disse anteriormente. Os cra­ticos conservadores não ficara£o surpresos com isso, mesmo que fiquem muito irritados com isso. As pessoas que se opaµem a qualquer compromisso nesse sentido vera£o isso como mais um sinal de que Francisco se desviou, de que não estãoaderindo ao ensino da Igreja. E eles va£o adicionar isso a  sua lista de reclamações sobre ele, mesmo que ele seja o papa e merea§a o respeito deles. Vocaª deve se lembrar muito antes em seu papado, quando as pessoas lhe perguntaram sobre seus pensamentos sobre a homossexualidade, ele disse: "Quem sou eu para julgar as pessoas em suas vidas?" Este éFrancisco, e para muitos, este éum Francisco maravilhoso; mas, para alguns, éo Francisco que eles não suportam e continuara£o a protestar.

Vocaª pode vaª-lo pressionando isso para uma mudança doutrina¡ria?

CLOONEY: Va¡rios anos atrás, quando houve uma discussão com o papa e alguns dos bispos sobre cata³licos divorciados e recasados ​​retornando a  comunha£o, Francisco não mordeu a bala e declarou que eles são bem-vindos de volta a  comunha£o se estiverem em um segundo esta¡vel casamento. Mas disse que bons padres, que sabem ser pastorais, sabera£o se relacionar com as pessoas. Era como se dissesse: se um casal divorciado que se casou de novo vier atévocaª, vocêo ajudara¡ a encontrar o caminho. Minha sensação éque Francisco não éo homem como papa, especialmente se aproximando de 10 anos em seu papado, para fazer declarações que empurram a igreja para onde ela não estãopronta para ir. Mas, em vez disso, ele estãodando luz verde, realmente, aos padres e outras pessoas envolvidas no aconselhamento de casais para dizer que temos que encontrar maneiras de acolher os cata³licos como eles são: seja pastoral; seja como Jesus. E acho que isso abre a porta, embora seja controverso em alguns ca­rculos, para dizer que os casais que estãoem um casamento do mesmo sexo são membros da para³quia e bem-vindos nas comunidades cata³licas de culto. Claro, em algumas dioceses, esses casais não sera£o bem-vindos a  comunha£o. Havera¡ diferenças na resposta e na prática pastoral. Portanto, acho que o que estãoem jogo éuma espanãcie de disposição pastoral incremental, em que as coisas va£o mudar, como sempre, são lentamente. O papa estãodizendo coisas que outros papas nunca teriam dito antes. Mas não vejo Francis em posição de fazer qualquer tipo de pronunciamento ousado nos pra³ximos anos sobre o casamento gay. Eu não esperava por isso. a dizer que os casais que estãoem um casamento do mesmo sexo são membros da para³quia e bem-vindos nas comunidades de culto cata³lico. Claro, em algumas dioceses, esses casais não sera£o bem-vindos a  comunha£o. Havera¡ diferenças na resposta e na prática pastoral. Portanto, acho que o que estãoem jogo éuma espanãcie de disposição pastoral incremental, em que as coisas va£o mudar, como sempre, são lentamente. O papa estãodizendo coisas que outros papas nunca teriam dito antes. Mas não vejo Francis em posição de fazer qualquer tipo de pronunciamento ousado nos pra³ximos anos sobre o casamento gay. Eu não esperava por isso. a dizer que os casais que estãoem um casamento do mesmo sexo são membros da para³quia e bem-vindos nas comunidades de culto cata³lico. Claro, em algumas dioceses, esses casais não sera£o bem-vindos a  comunha£o. Havera¡ diferenças na resposta e na prática pastoral. Portanto, acho que o que estãoem jogo éuma espanãcie de disposição pastoral incremental, em que as coisas va£o mudar, como sempre, são lentamente. O papa estãodizendo coisas que outros papas nunca teriam dito antes. Mas não vejo Francis em posição de fazer qualquer tipo de pronunciamento ousado nos pra³ximos anos sobre o casamento gay. Eu não esperava por isso. Portanto, acho que o que estãoem jogo éuma espanãcie de disposição pastoral incremental, em que as coisas va£o mudar, como sempre, são lentamente. O papa estãodizendo coisas que outros papas nunca teriam dito antes. Mas não vejo Francis em posição de fazer qualquer tipo de pronunciamento ousado nos pra³ximos anos sobre o casamento gay. Eu não esperava por isso. Portanto, acho que o que estãoem jogo éuma espanãcie de disposição pastoral incremental, em que as coisas va£o mudar, como sempre, são lentamente. O papa estãodizendo coisas que outros papas nunca teriam dito antes. Mas não vejo Francis em posição de fazer qualquer tipo de pronunciamento ousado nos pra³ximos anos sobre o casamento gay. Eu não esperava por isso.

Esse tipo de comenta¡rio potencialmente prepara o palco para outro conca­lio do Vaticano?

CLOONEY: Bem, certamente tem havido apelos para um Vaticano III pra³ximo. Acho que háuma sensação de que cerca de 50 ou 60 anos após o último conca­lio, que abriu as coisas, háuma necessidade de consolidar e alcana§ar onde as coisas estãono mundo ao nosso redor agora. Quanto mudou desde 1965! Alguns, que ainda lamentam a forma como o Vaticano II foi implementado, também va£o querer um Vaticano III, se não voltar no tempo, ao invanãs disso, para apertar as coisas sob um papa mais conservador. Em certo sentido, écomo convocar uma convenção constitucional nestepaís: liberais e conservadores veriam tal convenção como uma vantagem. Mas acho que tudo isso depende, em primeiro lugar, de quanto tempo Francisco épapa. Ele não disse que vai se aposentar, mas parece ser o tipo de homem que seria sensato o suficiente para dizer: “Se eu não puder fazer o trabalho, vou me aposentar, ”Mesmo que ele não tenha dito isso ainda. Então, também dependera¡ de quem seráo pra³ximo papa.

Vocaª tem uma ideia se a igreja estãoem uma trajeta³ria mais liberal em termos de seleção de papas?

CLOONEY: a€s vezes, háessa sensação de que se vocêpassou de Bento XVI, no lado mais conservador, para Francisco, no lado mais liberal, pode ser que os cardeais olhem em volta e desejem uma mudança um pouco para o outro lado. E, portanto, o pra³ximo papa teria menos probabilidade de fazer qualquer gesto ousado. Mas, novamente, em 1957 ou 1958, ninguanãm esperava que Joa£o XXIII, que foi colocado como um papa zelador mais velho, de repente chamasse o Vaticano II. Isso derrubou muitos cardeais de seus assentos, por assim dizer. Pode ser que coisas tão surpreendentes acontea§am com bastante rapidez.

Tudo isso éana¡logo a como asmudanças acontecem nestepaís, com o Congresso e o Supremo Tribunal tomando decisaµes, a s vezes por trás da opinia£o popular, a s vezes contra ela. Mas lembre-se de que Francisco anã, em certo sentido, um incrementalista pastoral. Ele acredita que vocêprecisa mudar a maneira como nós, cata³licos, clanãrigos, bispos, todos nospensamos sobre a decaªncia humana, nossa responsabilidade para com os membros da igreja, compaixa£o, ajudar as pessoas em dificuldades. Se vocêmudar a mente e o coração das pessoas, a igreja continuara¡ a crescer de novas maneiras. Considerando que, se vocêcolocar algo legalmente que estãomuito a  frente de onde as pessoas estão, isso pode ser contraproducente.

Vocaª pode falar um pouco sobre a complexidade de ser o papa para uma comunidade global?

CLOONEY: Uma coisa éo Papa Francisco, o papa apenas da Amanãrica do Norte e da Europa Ocidental. Mas tudo o que ele diz serálido por cata³licos na Amanãrica do Sul, que ainda émuito cata³lica em muitos aspectos, e também por cata³licos em comunidades cata³licas mais conservadoras na áfrica e na asia. Portanto, ir gradativamente e pastoralmente passo a passo éprovavelmente o instinto de Francisco, porque ele sabe que ou enfureceria os cata³licos no Ocidente por não ir rápido o suficiente, ou enfureceria os cata³licos em outras partes do mundo, que diriam: “Isso éra¡pido demais . Isso estãofora de sintonia com a nossa cultura. ” Em certospaíses africanos, a homossexualidade ainda anã, penso eu, ilegal e pode ser punida. Portanto, dizer algo sobre casamentos do mesmo sexo seráouvido de uma forma em certospaíses da áfrica, e de forma muito diferente em Nova York, Boston ou Londres, onde a resposta serábem diferente. Acho que Francis deve estar olhando nas duas direções. E seu sentido ba¡sico anã: mude nossos corações, como pensamos como padres e bispos, e assim por diante, e isso seráuma infusão de toda a igreja com uma nova atitude chegando lentamente.

Vocaª pode ver o Papa Francisco fazendo outros tipos de comenta¡rios sobre mulheres padres ou padres sendo capazes de se casar daqui para frente?

CLOONEY: Muitos cata³licos tem esperado, com cada papa nos últimos 50 anos ou mais, que o papa diga algo para mudar a dina¢mica dos padres casados ​​e das sacerdotisas, mas isso não aconteceu. Tem havido a questãodas mulheres dia¡conas servindo no ministanãrio ordenado - háevidaªncias sobre mulheres dia¡conas na igreja primitiva. Mas Francisco, atéagora em seu papado, não mudou realmente a pola­tica da igreja nem mesmo nisso. Mas com seus comenta¡rios “quem sou eu para julgar”, Francisco estava mostrando que a igreja écomo uma estação da Cruz Vermelha no campo de batalha da vida, la¡ para ajudar as pessoas e não para sentar em uma torre de marfim julgando as pessoas. Desse modo ele deu um tom, que ébastante claro, de querer ter uma igreja inclusiva, querer ter uma igreja onde as pessoas não fiquem de fora por causa de algumas particularidades sobre elas mesmas, sua identidade própria.

Mas ele não parece ser o aºnico, como os cata³licos mais liberais gostariam, de dizer: “Vamos ordenar mulheres dia¡conas, ponto final. Vamos apenas fazer isso. ” Eu acho que como papa, ele pelo menos em teoria tem o poder de fazer isso, assim como o Papa Joa£o Paulo reivindicou para si o poder de interromper inteiramente a discussão sobre a ordenação de mulheres, dizendo que não deve ser mais discutido na igreja, período. Mas isso não funcionou, não interrompeu a discussão. Francisco poderia dizer algo assim, falando com muita firmeza sobre casamento ou ordenação. Mas, novamente, seria sa¡bio?

Vocaª pensa nas decisaµes da Suprema Corte nestepaís, como Roe v. Wade, e pode perguntar se as decisaµes de cima são a melhor maneira de mudar a forma como as pessoas pensam sobre essas questões. Acho que Francisco sente que a mudança deve vir mais de lideres conversando com as pessoas, ouvindo as pessoas, de modo que as idanãias e sentimentos fluam para cima na igreja, não apenas vindo de cima. Portanto, não acho que ele va¡ dizer nada drama¡tico sobre as mulheres na igreja ou os padres casados ​​na igreja. Lembre-se que os bispos da regia£o amaza´nica tiveram sua reunia£o anual hápenas um ano. Em seu documento, eles pediam padres casados, argumentando que eles simplesmente não tinham padres suficientes e que as pessoas tem direito a  missa e aos sacramentos, e que a única maneira de fazer isso éordenando homens casados. Francisco tinha a prerrogativa de emitir a declaração final, e ele omitiu a referaªncia a esse pedido. Ele não os condenou e disse que era impossí­vel, mas ele simplesmente não deu continuidade a isso. E não vejo evidaªncias de que ele vai de repente comea§ar a agir com mais ousadia neste momento em questões como o casamento. Uma atitude positiva em relação a s uniaµes civis pode muito bem ir longe.

Em termos de seus comenta¡rios recentes, as pessoas que estãoem uniaµes ou casamentos gays, portanto, não devem esperar que de repente tudo vai ficar bem. Mas, dada a visão de Francis de como as coisas mudam, o simples fato de ele estar disposto a dizer essas coisas e apresentar novas ideias repetidas vezes éum grande passo em frente. Nãoéum pronunciamento oficial da Cidade do Vaticano, por si são. Mas éa mudança lenta que move as coisas de uma maneira sauda¡vel.

A entrevista foi cuidadosamente editada para maior clareza e extensão.

 

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