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A ciência estãode volta? Holdren de Harvard diz sim
Ex-assessor de Obama diz que, ao contra¡rio de Trump, Biden e Harris va£o abraçar a análise factual
Por Alvin Powell - 17/11/2020


John Holdren, professor de ciência e pola­tica ambiental, dirigiu o Escrita³rio de Pola­tica Cienta­fica e Tecnola³gica da Casa Branca no governo Obama. Stephanie Mitchell / foto de arquivo de Harvard

Com a criação de um conselho consultivo do coronava­rus entre seus primeiros atos, o novo governo Biden-Harris agiu rapidamente para reinstalar a ciência como base para a pola­tica governamental, depois de quatro anos de um presidente que desdenhava a sabedoria cienta­fica aceita em assuntos de incaªndios florestais a rastros de furaca£o, mudança climática para COVID-19. Conversamos com John Holdren , Teresa e John Heinz Professor de Pola­tica Ambiental na Harvard Kennedy School e professor de ciência e pola­tica ambiental no Departamento de Ciências da Terra e Planeta¡rias, sobre o que a reversão significa. Holdren, o principal conselheiro cienta­fico de Barack Obama como assistente do presidente para ciência e tecnologia e diretor do Escrita³rio de Pola­tica Cienta­fica e Tecnola³gica da Casa Branca, discutiu a necessidade de restaurar a confianção nos fatos cienta­ficos, suas limitações potenciais e sua interação necessa¡ria com outras disciplinas - incluindo pola­tica - na definição de políticas governamentais.

Perguantas & Respostas
John Holdren


Em uma anãpoca em que todos parecem ter seus pra³prios fatos, como restaurar a fédo paºblico de que a ciência realmente sabe do que estãofalando?

HOLDREN: Existem algumasDimensões para isso. Um éo papel da Casa Branca e o outro éo papel da comunidade cienta­fica, incluindo instituições como as Academias [Nacionais] de Ciência, Engenharia e Medicina, a Associação Americana para o Avana§o da Ciência e outras sociedades profissionais.

a‰ extremamente importante a atitude do presidente dos Estados Unidos e do vice-presidente em relação aos fatos, a  ciência e ao uso da ciência e dos fatos na formação de políticas públicas. Tivemos, com o presidente Obama e o vice-presidente [Joseph] Biden, uma liderana§a favora¡vel aos fatos e conhecedora da ciência Eles nomearam pessoas altamente capacitadas e não ideola³gicas para os principais cargos de ciência e tecnologia em toda a administração. E essa simpatia para com os fatos e a ciência propagou-se para baixo e interagiu construtivamente com as inclinações dos funciona¡rios paºblicos de carreira nos departamentos e agaªncias com responsabilidades em ciência e tecnologia. Essas tendaªncias sempre foram usar ciência e tecnologia para promover o interesse paºblico.

Isso éo que precisamos restaurar sob o presidente eleito Biden e o vice-presidente eleito [Kamala] Harris. Acho que serárestaurado assim que forem inaugurados. Mas, mesmo antes, eles já estãodizendo todas as coisas certas no decorrer dessa transição um tanto carregada. Vocaª vaª o presidente eleito Biden e o vice-presidente eleito Harris falando de maneira muito construtiva sobre como fara£o com que a ciência e a tecnologia avancem no interesse nacional. Por exemplo, um novo painel sobre COVID-19 que aconselhara¡ Biden e Harris na elaboração de uma resposta nacional abrangente, que não temos, já foi anunciado. O painel ébipartida¡rio; édiverso em termos de gaªnero, em termos de filiação pola­tica, em termos de geografia; e, acima de tudo, éuma coleção de pessoas absolutamente de primeira linha. Essa seráa marca registrada do que Biden e Harris fara£o no cargo: eles va£o nomear pessoas competentes. Eles va£o ouvi-los. Eles va£o interagir de perto com eles. Seus especialistas em ciência e tecnologia estara£o presentes e a  mesa para as muitas discussaµes políticas em que ciência e tecnologia são pertinentes.

E o que dizer do papel da comunidade cienta­fica na restauração da féna ciaªncia?

HOLDREN: Eu tenho dito hámuito tempo que todo cientista e todo engenheiro nestepaís deveria dar o da­zimo 10 por cento de seu tempo para se envolver com políticas públicas e com a educação pública em questões de ciência e tecnologia. Nãopodemos mais nos dar ao luxo de ficar em nossos laboratórios, de sentar em nossas mesas trabalhando no avanço de nossas disciplinas de ciências e engenharia. Temos que interagir com a sociedade em geral de forma a comunicar o que estamos fazendo, por que estamos fazendo e por que éimportante. A comunidade cienta­fica precisa melhorar sua capacidade de contar histórias informativas sobre como a ciência funciona e sobre o que ela estãofazendo para apoiar as aspirações do povo americano.

Como vocêlida com a divisão cultural entre ciência e pola­tica e explica a incerteza cienta­fica normal sem minar o que conhecemos como fatos?

HOLDREN: Existem abordagens de curto prazo para esse dilema e abordagens de longo prazo. Comea§ando com um prazo mais longo, temos que fazer um trabalho melhor em nossas escolas, donívelK ao 12, com educação cienta­fica. Nossos professores de ciências do ensino fundamental e manãdio tem gasto muito tempo incutindo fatos sobre o que a ciência sabe e muito pouco tempo incutindo a compreensão de como a ciência funciona - quais são as fontes de progresso, as fontes de correção de erros, revisão por pares, as fontes de credibilidade e autoridade em ciência Nãopodemos esperar que toda a população dopaís seja suficientemente educada sobre assuntos cienta­ficos para resolver as controvanãrsias técnicas sobre os detalhes dasmudanças climáticas, os detalhes do COVID-19, os detalhes da interação da ciência com a pola­tica econa´mica. Mas o que podemos esperar édesenvolver no paºblico uma maior compreensão de como a ciência funciona e quais são as fontes de credibilidade e autoridade nas descobertas cienta­ficas. Precisamos superar a responsabilidade de que temos sofrido por muito tempo. Em muitas facetas da ma­dia, tem havido uma preocupação com o “equila­brio” que levou a um consenso cienta­fico avassalador de um lado sendo combatido por minaºsculas minorias de dissidentes que de alguma forma obtem igual tempo e igual peso. As pessoas precisam entender o que éa Academia Nacional de Ciências e como funciona; o que são as Academias Nacionais de Engenharia e Medicina e como funcionam; como as grandes sociedades profissionais - a American Geophysical Union, a American Association for the Advancement of Science, a American Physical Society,

“Se os cientistas se ausentam do processo pola­tico, a sociedade perde um conjunto muito importante de vozes em suas discussaµes políticas.”


E as respostas de curto prazo?

HOLDREN: A solução de curto prazo éo que já falamos: cientistas, engenheiros e inovadores ficando melhores em explicar não apenas o que sabem, mas como o sabem. O que descobri ser extremamente eficaz em minhas comunicações sobremudanças climáticas, por exemplo, não éapenas explicar o que sabemos, mas explicar como o sabemos em termos das linhas convergentes de evidaªncias de observações, análises e modelagem, e da paleoclimatologia - o estudo de como o clima mudou ao longo dos milaªnios sob influaªncias naturais, o que nos ajuda a entender que as influaªncias humanas agora superam as naturais.

A outra coisa que aprendi éque éimportante comea§ar ouvindo as pessoas com visaµes contra¡rias - perguntando-lhes o que pensam antes de comea§ar a dar um serma£o sobre o que vocêpensa. Quando estou discutindo mudança climática ou pola­tica energanãtica com pessoas que tem pontos de vista drasticamente diferentes dos meus, por exemplo, descobri que émais eficaz comea§ar ouvindo respeitosamente o que eles pensam e por que o pensam. Então, posso elaborar minha resposta a s preocupações especa­ficas que animaram seus pontos de vista. Se vocêouvir primeiro, tera¡ muito mais possibilidades de se comunicar com pessoas com pontos de vista diferentes dos seus.

Qual éum exemplo de pola­tica governamental cla¡ssica e bem-sucedida, apoiada pela boa ciaªncia? Estou pensando no Protocolo de Montreal para a redução da camada de oza´nio, ou Apollo. Esses tinham respaldo pola­tico, mas também eram sustentados por boa ciência Na sua opinia£o, qual éo exemplo cla¡ssico?

HOLDREN: Eu apontaria para o Acordo de Paris, que foi um imenso passo em frente no qual 195países em todo o mundo se comprometeram a tomar medidas construtivas para reduzir suas emissaµes que alteram o clima daqui para frente. Ospaíses industrializados do mundo também se comprometeram, no Acordo de Paris, a aumentar drasticamente sua assistaªncia aospaíses menos desenvolvidos em seus esforços não apenas na redução das emissaµes, mas também na adaptação, preparação e resiliencia contra asmudanças no clima que não podem mais ser evitado. Tudo isso foi baseado na ciência e os cientistas foram extremamente eficazes em ajudar a desenvolver o consenso internacional que o acordo incorpora. Muitos de nós, na comunidade cienta­fica dos Estados Unidos, estivemos envolvidos nas décadas anteriores ao Acordo de Paris com colegas cientistas e legisladores na China, andia, Raºssia, Brasil, Manãxico, Indonanãsia e muitos outrospaíses, estabelecendo a base para um consenso internacional sobre o que precisava ser feito. E funcionou.

Nãosoube que no dia seguinte a s eleições foi o dia em que realmente nos retiramos do Acordo de Paris?

HOLDREN: Isso éverdade. O acordo exige que umpaís daª um aviso prévio de três anos antes de realmente sair. Mas o triste éque o presidente Trump, ao anunciar em 2017 a intenção de se retirar de seu governo, encerrou imediatamente praticamente todos os esforços dos EUA para cumprir os compromissos que os Estados Unidos assumiram em Paris. Portanto, hava­amos efetivamente nos retirado muito antes da retirada formal, no dia seguinte a  eleição. Mas acho que nossa participação serárestaurada muito rapidamente por nosso novo presidente, e o resto do mundo dara¡ as boas-vindas ao retorno da participação e liderana§a dos Estados Unidos na mudança climática global. Existem, éclaro, muitos, muitos outros exemplos de políticas conduzidas com sucesso, em parte substancial, por entendimentos da ciência e tecnologia.

“Essa seráa marca registrada do que Biden e Harris fara£o no cargo:… Eles interagira£o intimamente com eles. Seus especialistas em ciência e tecnologia estara£o presentes e a  mesa para as muitas discussaµes políticas em que ciência e tecnologia são relevantes. ”


Quando falamos sobre a interseção da ciência e da pola­tica, os cientistas deveriam estar dizendo, essencialmente, “Faa§a isso. Na³s estudamos isso. Acreditamos que este éo melhor curso ”? Ou deveriam apresentar aos pola­ticos um menu de opções? Com a mudança climática, estou pensando no papel da energia nuclear. Do ponto de vista estritamente do carbono, parece que o nuclear seria uma parte importante da mistura. Mas éclaro que hámuitas vozes dizendo: “A nuclear também deve ir”.

HOLDREN: a‰ muito importante que, ao falar sobre esses assuntos, os cientistas separem o que sabem ou acreditam como cientistas do que preferem como cidada£os em termos de políticas públicas. a‰ muito importante distinguir entre questões de fato e questões de valores e preferaªncias. E épossí­vel, na minha opinia£o, que os cientistas fazm isso com sucesso. Algumas pessoas dizem que os cientistas deveriam simplesmente se ater a  sua ciaªncia, limitar-se a esclarecer o que eles entendem ser as realidades cienta­ficas, e não falar sobre pola­tica, que fazer isso épolitizar a ciência Eu rejeito essa visão. Se os cientistas se ausentam do processo pola­tico, a sociedade perde um conjunto muito importante de vozes em suas discussaµes políticas. Costumo dizer aos meus alunos que os fatos sobre ciência e tecnologia não são tudo nas políticas públicas, mas geralmente são alguma coisa. Eles importam. Obviamente, os formuladores de políticas nem sempre fara£o as escolhas que os cientistas preferem. Tudo bem, porque outras fontes de percepção e valor também são relevantes e éapropriado que os formuladores de políticas as levem em consideração.

O que vocêaconselharia ao governo Biden como prioridade máxima assim que ele assumir o cargo?

HOLDREN: Acho que o presidente eleito Biden e o vice-presidente eleito Harris já deixaram claro que sua maior prioridade deve ser a recuperação da pandemia COVID-19. A economia não pode florescer; ciência e tecnologia não podem florescer; e a questãoda mudança climática não pode ser tratada com sucesso, a menos e atéque dominemos o desafio COVID-19. Biden e Harris estãocompletamente certos sobre isso.

Ao mesmo tempo, acho que eles dara£o alta prioridade a  restauração da vitalidade e inclusão da economia dos Estados Unidos. O presidente eleito Biden vem de uma classe trabalhadora. Ele entende a situação difa­cil da classe trabalhadora nestepaís e estãodeterminado a lidar com isso. Ele também sabe que a reforma da imigração estãorelacionada a  economia, assim como a liderana§a em ciência e tecnologia, assim como os padraµes americanos fundamentais de anãtica e humanidade. E a restauração de uma pola­tica de imigração humana e amiga¡vel com a ciência e a tecnologia também seráum benefa­cio para a economia e uma prioridade para o governo Biden.

No espaço clima¡tico, o governo Biden-Harris não apenas voltara¡ a aderir ao Acordo de Paris, mas sem daºvida restaurara¡ muitas das ordens executivas do governo Obama sobre redução de emissaµes e adaptação a smudanças climáticas, preparação e resiliencia que foram rescindidas quase imediatamente por Presidente Trump após sua posse. A propa³sito, ainda tenho esperana§a de que, quando as duas disputas restantes para o Senado na Gea³rgia forem resolvidas, os democratas finalmente controlara£o o Senado novamente e serápossí­vel, então, avana§ar nasmudanças climáticas com a ajuda do Congresso, ao invanãs do que sua oposição.

Outra prioridade muito alta serárestaurar as relações internacionais com os EUA. Acho que uma das muitas consequaªncias da irresponsabilidade e imprevisibilidade do presidente Trump éuma perda de confianção - uma perda de confianção - nos Estados Unidos como um parceiro confia¡vel em acordos internacionais. Acredito que Biden e Harris se esforçara£o para restaurar esses relacionamentos, para restaurar a confianção nos Estados Unidos como parceiros. Isso exigira¡ a reconstrução das instituições americanas que alimentam essas relações. Sob Trump, o Departamento de Estado foi esvaziado, a Agência de Proteção Ambiental foi esvaziada e um verdadeiro antigo bastia£o de competaªncia administrativa, a própria Casa Branca, foi esvaziada. Consertar tudo o que estãoquebrado seráuma grande agenda,

Atéque ponto um novo governo tera¡ dificuldades se o Senado tiver maioria republicana? Claramente, muito pode ser feito com ordens executivas, mas pode ser feito tudo o que precisa ser feito?

HOLDREN: Na£o, tudo não pode ser feito com ordens executivas. a‰ muito melhor fazer as coisas importantes com a ajuda do Congresso por meio de legislação, o que anã, obviamente, muito mais difa­cil de desfazer do que ordens executivas. Tenho esperana§a de que, mesmo que o Senado continue com a maioria republicana, o fato de o presidente eleito Biden ter uma relação duradoura e produtiva com o lider da maioria no Senado, Mitch McConnell, tornara¡ possí­vel ter uma maior colaboração e cooperação depois que Trump se for e a poeira baixa. Existem tantos projetos nacionais inerentemente bipartida¡rios esperando para acontecer; simplesmente devemos esperar que republicanos e democratas consigam trabalhar juntos para fazer tudo isso.

A entrevista foi ligeiramente editada e condensada.

 

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