Estudo da Unicamp e da Unesp aponta que a fauna vai passar por uma savanizaa§a£o, com animais do Cerrado chegando a regiaµes de animais de floresta
O leitor que ainda não pegou na ma£o uma nota de R$ 200 talvez tenha mais chance de ver não a estampa, mas o lobo-guara¡ ao vivo, em área urbana ou beira de rodovia, como em casos noticiados na madia osna madrugada do dia 19, a ca¢mera flagrou um deles correndo por um shopping em Jataa (GO). “Na verdade, este éum efeito da perda de habitat. As espanãcies tem cada vez menos habitat disponavel e, quando ocorrem queimadas ou desmatamento para a construção de um condomanio, por exemplo, esses animais fogem e alguns acabam indo em direção a s cidades. Os lobos-guara¡s não estãose tornando mais comuns, são estãosem ter para onde irâ€, afirma o professor Mathias Mistretta Pires, do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
Estudos tem mostrado que asmudanças climáticas, o desmatamento e as queimadas estãoprovocando uma “savanização†da vegetação em várias regiaµes da Amaza´nia e da Mata Atla¢ntica. Em artigo recente coordenado por Mathias Pires e publicado na Global Change Biology, um dos mais importantes peria³dicos sobremudanças climáticas, os autores alertam que a fauna também vai passar por esta savanização, com animais do Cerrado, como o lobo-guara¡ e o tamandua¡-bandeira, migrando e disputando áreas com animais de floresta. “A savanização éa substituição da floresta por ambientes mais abertos, com menos a¡rvores e vegetação mais baixa. Isso já estãoacontecendo, especialmente porque as a¡rvores maiores são mais sensaveis ao clima seco e os períodos de seca estãomais intensos e frequentes. Além disso, o desmatamento acelera esse processo.â€
Segundo Pires, no estudo foram combinados dados sobre a distribuição de 349 espanãcies de mamaferos na Amanãrica do Sul, com a utilização de modelos computacionais para fazer projeções sobremudanças desta distribuição no futuro. “Trabalhamos com modelos e projeções para o futuro, mas já háregistros que estãode acordo com essas projeções, como lobos-guara¡s aparecendo com frequência em áreas onde não são comuns, como de Mata Atla¢ntica, e espanãcies de tatus e roedores tapicos de áreas abertas ocorrendo cada vez mais além das bordas da Amaza´nia, em direção a florestas. Nossos modelos sugerem que isso deve se tornar cada vez mais comum.â€
O professor da Unicamp explica que as condições adequadas para os animais florestais, por outro lado, vão diminuindo devido ao desmatamento e devem diminuir ainda mais com asmudanças no clima. “Com isso, a distribuição dessas espanãcies da floresta vai ficando cada vez menor, restringindo-as ao que chamamos de refaºgios ambientais. Já os animais de Cerrado também tem perdido muito da sua área de distribuição original, pois se trata de um dos biomas mais ameaa§ados pela expansão da agropecua¡ria. E, de acordo com nossas projeções, outras regiaµes que hoje possuem floresta devem se tornar mais propacias para essas espanãcies de savana oso que não significa que elas va£o ser beneficiadas, já que precisara£o colonizar essas novas áreas, sem garantia de que conseguira£o acessa¡-las e ali estabelecer populações.â€
Macaco éum bugio-ruivo (Alouatta guariba) tapico da mata atla¢ntica
Perda de biodiversidade
A bia³loga Lilian Patracia Sales, pa³s-doutoranda em Ecologia na Unicamp, éa autora principal do artigo na Global Change Biology, que teve ainda a colaboração do professor Mauro Galetti, da Unesp de Rio Claro. “Os animais da floresta sera£o os mais prejudicados pela savanização, pois além de perderem habitat pelasmudanças no clima, ambiente e vegetação, enfrentara£o a competição com os animais do Cerrado. Poranãm, devemos ressaltar que apenas alguns animais de savana, os chamados generalistas, conseguira£o ocupar as florestas degradadas e savanizadas e, ainda assim, dependera£o de caminhos ou conexões entre os ambientes. No geral, o que esperamos éuma perda de biodiversidade.â€
O estudo traz uma lista de 219 animais especialistas em habitats florestais que devem sofrer reduções em sua distribuição, incluindo primatas da Amaza´nia e da Mata Atla¢ntica, bem como esquilos e roedores que dependem de a¡rvores ou ambientes mais fechados. Os primatas, por exemplo, raramente descem ao cha£o e precisam das a¡rvores para se deslocar ou se abrigar, além de consumirem frutos que são mais abundantes em florestas. Já as espanãcies de savana, segundo as projeções, aumentara£o sua distribuição de 11% a 30% atéo final deste século e se espalhara£o pelas florestas amaza´nicas e as matas atla¢nticas. O foco da pesquisa são os mamaferos, mas já háindacios de pa¡ssaros e ranãpteis vivenciando o mesmo fena´meno.
Se a savanização da floresta tropical ainda étratada como um “riscoâ€, Lilian Sales atenta para evidaªncias preocupantes de que isso já estãoocorrendo, principalmente para a vegetação amaza´nica do denominado Arco do Desmatamento (regia£o que abrange o sudoeste e oeste do Para¡, sul do Amazonas, atéo oeste do Acre). Contudo, na opinia£o da bia³loga, mais urgente que procurar reverter o processo de savanização éincentivar ações individuais e implantar políticas de mitigação dasmudanças climáticas, como o uso de técnicas agracolas que não incluam o fogo e o combate ao desmatamento.
O estudo também considera o efeito do desmatamento na locomoção dos animais de uma regia£o para outra, como das espanãcies de floresta, incapazes de transpor uma plantação de cana ou soja para colonizar outros ambientes adequados a elas. Um ponto importante, acrescenta Lalian Sales, éa manutenção (e criação) de corredores florestais que permitam a expansão destes animais para outras manchas florestais, a fim de que não fiquem limitados aos refaºgios.
Sem tais providaªncias, conforme os autores do artigo, pode haver modificações em grande escala na distribuição territorial da biodiversidade do continente sul-americano até2100. Para o professor Mathias Pires, independente das projeções que va£o atéo final do século, existe um processo contanuo de mudança nos ambientes naturais, que já estãoem curso e que deve se tornar mais evidente e ocorrer em regia£o cada vez maior a medida que o tempo passa. “Seriam necessa¡rias medidas de contenção do desmatamento e de mitigação dasmudanças climáticas para reverter este cena¡rio, mas as políticas públicas estãoindo no sentido oposto.â€
Registros de lobo-guara¡ na Amaza´nia
Pesquisadores de Mato Grosso, Amazonas e Ronda´nia listaram 22 registros do lobo-guara¡ na Amaza´nia nos últimos 25 anos, sendo dez registros inanãditos, o que expande o limite da distribuição geogra¡fica da espanãcie em 51.000 quila´metros quadrados. O bioma amaza´nico éconsiderado o limite norte para a ocorraªncia do lobo-guara¡ e esta expansão territorial éatribuada a transformação da floresta aºmida em monocultura de gra£os, além da crescente presença humana em suas regiaµes originais, expondo a espanãcie ao risco de atropelamento, doenças e conflitos com fazendeiros.
Pesquisadores de Mato Grosso, Amazonas e Ronda´nia listaram 22 registros do lobo-guara¡
na Amaza´nia nos últimos 25 anos, sendo dez registros inanãditos, o que expande o limite
da distribuição geogra¡fica da espanãcie em 51.000 quila´metros quadrados
Pesquisadores listaram 22 registros do lobo-guara¡ na Amaza´nia nos últimos 25 anos,
sendo dez registros inanãditos, o que expande o limite da distribuição geogra¡fica
da espanãcie em 51 mil quila´metros quadrados
O estudo abordando a expansão do bioma do Cerrado sobre o amaza´nico foi publicado no peria³dico Environmental Science and Policy e repercutido pela coluna Notacias da Floresta, com base em reportagem da agaªncia Mongabay Brasil. Mamafero tapico e maior canadeo das savanas da Amanãrica do Sul, o lobo-guara¡, que estampa desde setembro deste ano a nota de 200 reais, éclassificado como espanãcie “quase ameaa§ada†pela Unia£o Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e “vulnera¡vel†pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Os pesquisadores estimam que não háinda populações de lobo-guara¡ efetivamente estabelecidas na Amaza´nia, apenas ocorraªncias pontuais, principalmente em áreas desmatadas que estãose transformando em pasto. Já na Mata Atla¢ntica, existem populações estabelecidas como no Parque Nacional do Itatiaia, entre Rio de Janeiro e Minas gerais, e no Vale do Paraaba, entre Sa£o Paulo e Minas Gerais. a‰ estimada uma população de 24 mil indivíduos no Brasil, com apenas 4% vivendo em ambientes conservados.