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O que procurar no julgamento de impeachment de Trump
A professora de direito Jeannie Suk Gersen discute argumentos potenciais, precedentes
Por Christina Pazzanese - 11/02/2021


A secreta¡ria da Ca¢mara, Cheryl Johnson, juntamente com o Sargento de Armas Tim Blodgett liderou os gerentes de impeachment da Ca¢mara Democrata enquanto caminhavam pelo Capita³lio em 25 de janeiro para entregar ao Senado o artigo de impeachment. Foto da piscina AP / J. Scott Applewhite

O Senado dos EUA vai julgar o ex-presidente Donald J. Trump na tera§a-feira sob acusações de que ele incitou o mortal ataque de 6 de janeiro no Capita³lio, no qual centenas de seus apoiadores saquearam o prédio, atacaram a pola­cia e ameaa§aram ferir legisladores que se recusaram a declara¡-lo o Vencedor das eleições de 2020.

Trump éo primeiro presidente a sofrer um segundo impeachment e seráo primeiro a ser julgado após deixar o cargo. Para condenar, os democratas da Ca¢mara tem a difa­cil tarefa de persuadir dois tera§os do Senado, agora dividido igualmente 50-50 entre os partidos, de que o que Trump fez - e não fez - em conexão com a insurreição foi uma grave violação de seu juramento mandato e abandono dos seus deveres constitucionais. Eles também procuram desqualifica¡-lo para um dia voltar a ocupar cargos paºblicos. Em um memorando, os advogados de defesa de Trump dizem que o Senado não tem autoridade para julgar ex-presidentes, que foi negado o devido processo na audiaªncia de impeachment de 13 de janeiro e que seus comenta¡rios aos defensores anteriores ao ataque foram discurso protegido.

Jeannie Suk Gersen , JD '02, John H. Watson Jr. Professor de Direito na Harvard Law School , éespecialista em direito constitucional e direito penal e éredator colaborador do New Yorker. Ela falou sobre o que provavelmente estãoreservado e os futuros precedentes que o julgamento pode abrir.

Perguntas & Respostas
Jeannie Suk Gersen


Vocaª pode colocar esse procedimento em algum contexto hista³rico? Qua£o incomuns são alguns dos fatos ba¡sicos deste julgamento?

SUK GERSEN: Em primeiro lugar, o pra³prio local do dano ocorrido, que éa insurreição e o ataque ao Capita³lio, a profanação da Ca¢mara do Senado, tudo aconteceu no local exato do tribunal de impeachment, ou seja, o Senado. Isso ébastante incomum, porque em outros casos, vocênão estaria falando sobre o delito alegado onde o local real do dano em questãoéo prédio real e a sala em que o tribunal de impeachment estara¡ considerando as provas. Tambanãm, aqui, os senadores estiveram entre os partidos que vivenciaram o evento em questão. Então, de certa forma, todos eles são testemunhas do evento. Eles tiveram que ser evacuados da ca¢mara do Senado. Outra coisa incomum, mas não sem precedentes, éque o funciona¡rio em questão, Donald Trump, não estãomais no cargo.

Os advogados de Trump e seus apoiadores dizem que, como ele não estãomais no cargo, o julgamento em si éinconstitucional e apontam para o fato de que nenhum ex-presidente jamais foi julgado como prova de sua impropriedade. Os gerentes do impeachment da Ca¢mara argumentam que Trump sofreu impeachment enquanto ainda era presidente e pelas ações que tomou como presidente, e que a constituição não diz que apenas presidentes titulares podem ser destitua­dos. A constitucionalidade deste julgamento ainda éuma questãolegal va¡lida e aberta?

SUK GERSEN: a‰ uma questãoem debate. O lado que diz que este éum julgamento va¡lido, embora o presidente tenha deixado o cargo, tem o melhor argumento. Mas o outro argumento, de que este éum julgamento inconstitucional porque um impeachment tem o propa³sito de destituir um funciona¡rio, em vez de puni-lo de alguma outra forma, esse argumento não éfra­volo. Nãoéalgo que vocêpode simplesmente jogar fora como irrelevante. E, de fato, os administradores do impeachment na Ca¢mara, quando entraram com sua petição, gastaram mais de um tera§o das pa¡ginas de sua petição abordando a constitucionalidade de realizar um julgamento. Então, claramente, eles o consideram substantivo o suficiente para entrar em detalhes.

Como 45 dos 50 senadores republicanos já sinalizaram que acreditam ser “inconstitucional” julgar um ex-presidente, éimprova¡vel que haja os 67 votos necessa¡rios para condenar. Qual o valor deste exerca­cio se o resultado já estãopredeterminado?

SUK GERSEN: Considero que éum dilema muito difa­cil porque como vocêdeve ter pensado nisso em 6 de janeiro e nos dias que se seguiram, quando foi possí­vel destitua­-lo do cargo por meio de impeachment, pode ser diferente de como vocêpercebe os custos e benefa­cios agora que ele deixou o cargo, agora que sabemos que 45 dos 50 senadores republicanos declararam oficialmente que o julgamento éinconstitucional e, portanto, estamos caminhando para um voto de absolvição um tanto claro. Agora que sabemos disso, acho que o ca¡lculo pode mudar quanto a qual éo objetivo de tudo isso. Posso entender que as pessoas não estejam dispostas a dizer apenas: "Vamos desistir agora porque ele deixou o cargo". Imagine se um presidente fizesse todos os tipos de coisas muito, muito ruins no último dia de mandato. Isso significa que não hárecurso, e não háresponsabilidade que o Congresso possa buscar? Isso não faz sentido apenas por uma questãode bom senso. Portanto, nessa visão, cabe ao Senado prosseguir com o julgamento e ouvir as provas, mesmo sabendo que havera¡ uma absolvição ao final.

Mas também vejo e me preocupo muito com o outro lado da discussão e, em alguns momentos, acho que o outro lado da discussão émelhor. O que anã: depois de vermos alegações desta natureza extremamente sanãria que va£o a  ideia fundamental de nossa democracia e do papel de um presidente nela, devemos evitar a absolvição porque, éclaro, isso vai criar uma mensagem e a capacidade de diga: “Vocaª vaª. O Senado não achou que ele fez nada de errado. ” E todas as teorias de fraude eleitoral que sabemos serem falsas tera£o mais vida por meio do significado de uma absolvição que as pessoas são capazes de imbuir.

O que os resumos sugerem sobre o que esperar de cada lado?

SUK GERSEN: Dada a discorda¢ncia dos dois lados sobre os fatos, seu contexto e significado, havera¡ debate entre os senadores sobre quais provas devem ser apresentadas. E, claro, podemos dizer: “Conhecemos os fatos. Todos nosvimos as nota­cias e assistimos em tempo real. ” Mas o que assistimos éCNN ou Fox News ou noticia¡rios sobre isso. Existem coisas que grande parte do paºblico americano não conhece em detalhes. Portanto, acho que havera¡ um debate sobre a quantidade de evidaªncias de va­deo - especialmente se parece bastante contundente ou se fara¡ com que as pessoas tenham uma reação forte - e quanto prejudicial pode ser para Trump, e quanto probata³rio anã. Havera¡ um debate sobre se deve ser mantido fora. Nãoexistem regras preexistentes e vinculativas sobre quais provas sera£o permitidas. O Senado decide. No primeiro impeachment, não ta­nhamos testemunho e isso poderia acontecer desta vez. Podemos ver um julgamento muito curto: talvez porque vai haver uma absolvição, não precisamos arrasta¡-lo. Ou podera­amos presenciar um julgamento mais longo: Justamente porque havera¡ uma absolvição, esta éa única chance de realmente comunicar ao povo americano os fatos e o significado do que aconteceu.

Já que conseguir que 17 senadores republicanos condenem parece fora de alcance, isso incentiva os gerentes da Casa Democrata a usar seu tempo como uma oportunidade para expor seu caso com os detalhes mais vivos que puderem para ver se eles podem pelo menos persuadir o paºblico, que pode então pressionar seus pra³prios funciona¡rios eleitos?

SUK GERSEN: Eles podem fazer isso. E o que émuito preocupante sobre isso anã, depois de tudo isso, não importa o quanto contundente essa evidência possa ser, e quanto grave seja a ofensa, se vocêconseguir uma absolvição, isso éum "inocente" em termos de como serárecebido pela metade opaís. Queremos que isso acontea§a, onde dias e dias de evidaªncias extremamente contundentes são apresentadas e então são inocentes? Ou queremos que esses fatos realmente aparea§am de qualquer maneira, para que o paºblico tenha a chance de considera¡-los? O que quer que acontea§a no tribunal de impeachment tera¡ significado para o paºblico americano em termos de como ele acha que o que ocorreu écerto ou errado deve ser avaliado.

Em seu relatório, os administradores da Ca¢mara citam a necessidade de impeachment e condenação tanto como uma punição para Trump, mas também como um impedimento para futuros presidentes. Se Trump for absolvido, isso efetivamente torna a acusação de “incitamento a  insurreição ou rebelia£o” por um futuro presidente não mais uma ofensa passa­vel de impeachment?

SUK GERSEN: Na£o, eu não penso assim. Muitos senadores podem estar votando para absolvaª-lo porque não acham que o Senado tenha jurisdição para julga¡-lo. Portanto, não acho que seremos capazes de ler qualquer absolvição de forma substantiva para dizer que os futuros presidentes podem fazer isso.

Saberemos se o voto de absolvição de alguém ébaseado no manãrito do caso ou nesta questãojurisdicional?

“O que quer que acontea§a no tribunal de impeachment tera¡ significado para o paºblico americano em termos de como eles acham que o que ocorreu écerto ou errado”.


SUK GERSEN: Como o Senado tem controle sobre como estruturar as coisas, ele poderia pedir a cada senador para dizer qual éa base, mas isso não éprova¡vel que acontea§a. Na verdade, seráútil para muitos senadores não perguntar, porque eles podem se esconder atrás da ideia de que essa foi uma objeção jurisdicional em oposição a uma objeção a s acusações substantivas. Em outras palavras, eles podiam dizer a si mesmos ou aos outros: “Claro, acho que o que ele fez foi imperdoa¡vel. Mas a pergunta anterior era 'Temos jurisdição?' e assim, usei meu voto para expressar minha opinia£o de que não ta­nhamos jurisdição para comea§ar. ”

Que precedentes legais podem ser estabelecidos por este julgamento?

SUK GERSEN: Temos pelo menos um precedente prévio e claro no Senado para julgar um ex-funciona¡rio depois que ele deixou o cargo. Esse éo caso William Belknap em 1876. Portanto, este seráum segundo caso em que o Senado estãojulgando alguém depois que ele deixou o cargo e, além disso, éalgo que se pode fazer não apenas com um oficial, mas com um presidente. Depois desse caso, acho que serámais difa­cil dizer que o Senado não tem jurisdição, embora veremos um monte de senadores votando para absolver com base nisso.

Trump poderia ter qualquer responsabilidade criminal se nas próximas semanas surgirem evidaªncias de que ele financiou ou ajudou a organizar a insurreição, forneceu ajuda material como informações ou ordenou que a pola­cia e os militares não preparassem ou defendessem adequadamente o Capita³lio de uma forma que fosse apropriada, dado o antes de janeiro. 6 inteligaªncia?

SUK GERSEN: Todos esses são grandes “se”, e a questãoébaseada em “se” que não vimos estabelecido ainda, mas podera­amos ser. Sim, se houver evidaªncias de que ele coordenou, de que sabia sobre o ataque com antecedaªncia e tomou medidas para torna¡-lo mais prova¡vel de acontecer, de que propositalmente não ajudou a conter o ataque enquanto ele estava acontecendo, ou que em Ele fez isso para que houvesse uma falha de segurança, que ele contribuiu para isso de propa³sito. Esses são muito, muito grandes ifs. Atéagora, não sabemos se háevidaªncias disso. Se a pola­cia tivesse provas disso, talvez eles o tivessem compartilhado com o paºblico, mas talvez não. Portanto, édifa­cil dizer, mas provavelmente não havera¡ atividade criminal neste caso contra Trump sem mais do que sabemos.

Para mim, a principal complicação ése descobrirmos mais evidaªncias que tornem o caso contra Trump mais forte do que éagora, de modo que possa se tornar uma questãocriminal contra Trump. E teremos a absolvição do Senado, o que, obviamente, não impede tecnicamente qualquer indiciamento criminal, mas opaís pode entender que uma absolvição do Senado significa "inocente" para fins de direito penal. E então vocêtem o Departamento de Justia§a de Biden trazendo um caso de qualquer maneira? A a³tica disso não seria boa; o significado social e o significado pola­tico disso seriam muito ruins.

Os democratas argumentaram que, se incitar a violência mortal contra o Congresso para impedir a transferaªncia do poder não justifica o impeachment e a condenação de um presidente, então nada o faz. Existe alguma verdade neste enquadramento? A utilidade do impeachment como uma verificação da ma¡ conduta presidencial estãoem jogo?

SUK GERSEN:  Eu realmente acho que háverdade nisso. Se não tivanãssemos a daºvida jurisdicional que algumas pessoas tem e ainda háuma absolvição, então eu pensaria 100%: O que isso realmente diz sobre o impeachment como forma de responsabilização dos presidentes? Mas a mensagem éum pouco menos terra­vel por causa da “saa­da” que alguns senadores tem ao enfatizar a razãojurisdicional para seu voto de absolvição. Por outro lado, isso levanta algumas questões preocupantes sobre os incentivos para salvar todas as transgressaµes oficiais para o último minuto, sabendo que não hácomo alguém ser responsabilizado por elas. E a situação em que alguém perde uma eleição em novembro e aa­ tem atéjaneiro para fazer todo tipo de coisa ruim, seráuma situação recorrente e uma tentação que não queremos colocar aa­.

A entrevista foi editada para maior clareza e extensão.

 

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