Mundo

Essencial na fabricação de cerveja, laºpulo brasileiro étão bom quanto o importado, mostram estudos da USP
Laºpulo usado hoje nas cervejarias do Brasil équase 100% importado. Pesquisas da USP apontam as variedades da planta que melhor se adaptam ao clima tropical e com maior potencial para a qualidade da cerveja
Por Ferraz Junior, Rita Stella e Brenda Marchiori - 02/11/2021


Responsa¡vel pelo amargor e aroma caractera­sticos da bebida, o laºpulo utilizado atualmente pelas cervejarias brasileiras épraticamente 100% importado. Resultados das pesquisas realizadas no campus de Ribeira£o Preto da USP devem agradar produtores agra­colas e as indaºstrias que dependem da planta. Laºpulo produzido no Paa­s osFoto: gov.br

Apa³s dois anos estudando a produção nacional do laºpulo, insumo essencial para a fabricação da cerveja, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas de Ribeira£o Preto (FCFRP) da USP afirmam que a planta colhida no Brasil tem qualidade equipara¡vel a s cultivadas pelos Estados Unidos e República Tcheca, dois grandes produtores internacionais da planta.

Responsa¡vel pelo amargor e aroma caractera­sticos da bebida, o laºpulo utilizado hoje pelas cervejarias brasileiras épraticamente 100% importado. Com a demanda em alta, pelo aumento do consumo e da quantidade de cervejarias artesanais, os resultados das pesquisas devem agradar produtores agra­colas e as indaºstrias que dependem da planta. a‰ o que acredita o coordenador de um dos grupos de estudo do laºpulo nacional, o professor Fernando Batista da Costa.

Conta o professor Costa que, desde meados de 2019, eles cultivam e acompanham o desenvolvimento do laºpulo plantado em área do campus de Ribeira£o Preto da USP. Os pesquisadores observam, principalmente, a produção de cones (inflorescaªncia, parte da planta de onde se extrai a substância para preparar a cerveja), em busca da variedade que melhor se adapte a s condições de solo e clima, consideradas barreiras para a produção no Paa­s, já que a planta éta­pica de clima temperado.

Mas, se depender dos achados da equipe do professor Costa, o sucesso do laºpulo em terras tropicais écerto, pois, das quatro variedades em estudo, os pesquisadores aprovaram duas, a Chinook e a Cascade, que se desenvolveram e produziram cones em quantidade suficiente para a indaºstria. “Um laºpulo tão bom quanto o importado”, enfatiza Costa. Além da produção e desenvolvimento dos cones do laºpulo, a equipe estuda a parte fisiola³gica, verificando a fotossa­ntese, as trocas gasosas e o estresse oxidativo.

Outra equipe da FCFRP, coordenada pelo professor Leonardo Gobbo Neto, se dedica ao estudo metabola´mico do laºpulo, parte que analisa as principais substâncias que da£o aroma e sabor a  bebida, como os a³leos vola¡teis e os chamados a¡cidos amargos. Integrante desta equipe, o pesquisador Guilherme Silva Dias diz que estãoem busca da dosagem ideal do laºpulo nacional para a composição da cerveja, realizando diferentes testes a  procura dos “metaba³litos do laºpulo que contribuem para o perfil sensorial da bebida pronta”. O professor Gobbo Neto informa  que este estudo deve contribuir para que as cervejarias, nacionais e internacionais, consigam produzir o perfil desejado de uma cerveja.

A composição química do laºpulo, comenta Dias, éba¡sica para a fabricação da cerveja porque “éextremamente complexa, contribuindo com o amargor, que émuito importante para compensar o dula§or proveniente do malte e tornar a bebida agrada¡vel ao palato”. Além de contribuir para o aroma e a formação de espuma, éresponsável ainda pela conservação, atuando “como antioxidante e antimicrobiano, protegendo a cerveja de processos oxidativos e de possa­veis contaminações”.

Dias realiza seus estudos em uma variedade de laºpulo cultivada nos Estados Unidos. Segundo o pesquisador, o trabalho já estãoem fase final e as cervejas, produzidas com o laºpulo cultivado no campus de Ribeira£o Preto da USP, “estãoprontas para passar por um painel sensorial”. Ele explica que esta éuma etapa de degustação feita por diversas pessoas em eventos específicos, que ira¡ verificar a aceitação da bebida da USP em comparação a  bebida que utiliza o mesmo laºpulo importado dos EUA.

Produção nacional de laºpulo cresce 110%

O mercado de cervejas artesanais vem se expandindo no Brasil e a proliferação de microcervejarias fez muito cervejeiro repensar a compra de insumos para a produção da bebida. Sa³ em 2019, o Brasil importou 3.600 toneladas de laºpulo, de acordo com o Ministanãrio da Agricultura, Pecua¡ria e Abastecimento (Mapa). Mas, hácerca de quatro anos, a necessidade de alternativas a  importação levou alguns produtores nacionais a iniciar o cultivo do insumo. 

 Laºpulo produzido no Paa­s osFoto: gov.br

No ano passado, a área plantada aumentou 110% em relação a 2019, com o laºpulo ocupando 42 hectares e produzindo 24 toneladas, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Laºpulo (Aprolaºpulo). Esse éo caso de Thiago Cunha, produtor rural pioneiro no plantio de laºpulo em Ribeira£o Preto, interior de Sa£o Paulo. “Eu resolvi fazer um teste aqui em Ribeira£o Preto para ver se o clima era favora¡vel, se a planta se desenvolve bem”, conta o produtor. E o resultado surpreendeu: a boa adaptação ao clima e solo fez o produtor expandir a plantação, que passara¡ dos atuais 500 panãs para mil no pra³ximo ano. 

Cunha cultiva três espanãcies de laºpulo, a Comet, a Cascade e a Mantiqueira. Ele conta que as duas primeiras tem alto a­ndice de demanda pelos cervejeiros, ao contra¡rio da Mantiqueira, mas que optou por esta também, já que todas as três se deram “muito bem no clima de Ribeira£o Preto”. 

O estudo coordenado pelo professor Costa confirma o que o produtor rural observou na prática com a Cascade. As espanãcies Chinook e Cascade foram as que melhor se adaptaram a s condições climáticas da regia£o com “um desenvolvimento adequado”. Outras duas espanãcies analisadas também cresceram e produziram cones, “poranãm a quantidade não foi suficiente; não seria também suficiente para a indaºstria, de acordo com nosso estudo”, adianta. 

Laºpulo brasileiro na produção nacional de cerveja

Em 2020, existiam no Brasil 1.383 cervejarias registradas. Segundo o Anua¡rio da Cerveja do Mapa, a quantidade representa um aumento de 14,4% em relação a 2019. No mercado global de cerveja, o Brasil éo terceiro maior produtor, com média de 14 bilhaµes de litros produzidos por ano, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. a‰ conhecido também por grandes cervejarias com presença em diversos outrospaíses. 

A quantidade de cervejarias artesanais também chama a atenção na regia£o de Ribeira£o Preto, um dos principais polos cervejeiros do Estado de Sa£o Paulo. Sa³ na cidade existem 12 cervejarias artesanais. Para dar conta da demanda por insumos, esses produtores usam os nacionais, mas precisam apelar para a importação do laºpulo.

A depender da qualidade do laºpulo, a necessidade de importar o insumo pode diminuir. Renan Furlan, engenheiro agra´nomo e consultor no cultivo da planta, afirma que o Brasil já produz laºpulos com qualidade semelhante a  dospaíses de origem, “com resultados muito bons, bem similares ao importado”. Ele informa ainda que a planta leva de três a quatro anos para produzir e “atingir seu potencial ma¡ximo, tanto de produtividade quanto de qualidade”, o que corresponde ao ini­cio do plantio no Paa­s.

Cervejeiro e estudioso da história da bebida, Paulo Garcia de Almeida concorda que o plantio de laºpulo no Brasil tende a crescer e, “consequentemente, quando a produção for competitiva comercialmente, havera¡ uma diminuição do prea§o desse insumo para os fabricantes”. Entretanto, ele diz que a quantidade de laºpulo na formulação das cervejas não deve influenciar o prea§o final, por não ser expressiva. 

Investimentos no cultivo e no pa³s-colheita

“O laºpulo se adapta bem, desde solos arenosos atésolos bem argilosos”, explica o consultor cervejeiro Furlan, acrescentando que o solo precisa apenas ser bem drenado e apresentar uma boa aeração. Ele diz que o cultivo estãosendo testado em todos os tipos de climas brasileiros e, “na maioria deles, tendo sucesso”.

Na opinia£o do sommelier e mestre cervejeiro argentino Tio Limongi, a qualidade do laºpulo brasileiro émuito boa, mas falta “investimento no pa³s-produção”. Limongi produz cervejas artesanais na regia£o de Ribeira£o Preto háseis anos e afirma que o uso de “ingredientes naturais da regia£o éprimordial” para a qualidade, mas que não adianta “são plantar e colher”, épreciso “investir no pa³s-colheita”.

A mesma ideia édefendida pelo professor Costa, que acredita que solo e clima não sera£o problemas, mas que o Paa­s tera¡ que usar toda a expertise agra­cola tanto para o desenvolvimento do cultivo no campo, quanto no armazenamento da produção do laºpulo. “A gente tem que pensar na produção de cone e também no pa³s-colheita”, diz, informando que, após a colheita, o cone “tem que ser armazenado a va¡cuo e refrigerado”, o que envolve outros custos de produção. O manuseio dos cones também merece atenção, pois, após longo período de armazenamento ou quando retirado da refrigeração para seguir a  cervejaria, “pode perder propriedades aroma¡ticas interessantes”, alerta o professor.

 

.
.

Leia mais a seguir