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Antas e queixadas são fundamentais para o equila­brio ecola³gico em florestas neotropicais, mostra estudo
Os animais comem os frutos e dispersam as sementes, pisoteando o solo enquanto se movem pela floresta e deixando para trás grandes quantidades de excrementos . Tudo isso aumenta a produtividade de mudas em até185%...
Por Luciana Constantino - 24/01/2022


Os grandes mama­feros ajudam a manter o equila­brio entre áreas com diferentes na­veis de produtividade em biomas como a Mata Atla¢ntica e regulam a estrutura espacial das comunidades vegetais. Crédito: Joa£o Paulo Krajewski

Um estudo realizado por pesquisadores afiliados a  Universidade Estadual Paulista (UNESP) no Brasil mostra que os grandes mama­feros tem um grande impacto na diversidade vegetal, produtividade prima¡ria e biomassa no sub-bosque das florestas neotropicais. Espanãcies como a anta (Tapirus terrestris) e o queixada (Tayassu peccari) ajudam a manter o equila­brio ecola³gico em áreas como a Mata Atla¢ntica com diferentes na­veis de produtividade, além de influenciar a estrutura espacial das comunidades vegetais. Um artigo sobre o estudo foi publicado em Perspectives in Ecology and Conservation .

Os autores também mostram que essas duas principais espanãcies de herba­voros desempenham papanãis complementares. As antas ajudam a regular a diversidade de plantas, enquanto os queixadas contribuem para a produtividade, biomassa e densidade de mudas do sub-bosque. Enquanto isso, a palmeira jua§ara (Euterpe edulis) desempenha um papel fundamental no processo de regulação espacial ao atrair animais com sua enorme quantidade de frutos.

Os animais comem os frutos e dispersam as sementes, pisoteando o solo enquanto se movem pela floresta e deixando para trás grandes quantidades de excrementos . Tudo isso aumenta a produtividade de mudas em até185% nas áreas menos produtivas, enquanto a reduz em mais de 190% nas áreas mais produtivas. Como resultado, as diferenças de produtividade entre os habitats são equilibradas.

As antas engolem os frutos praticamente inteiros, mastigando apenas a polpa. As sementes passam intactas pelo sistema digestivo e chegam ao solo prontas para germinar. Eles se espalham por grandes áreas e muitas vezes defecam longe das plantas cujos frutos comem, carregando sementes de um lado a outro da floresta e alterando a composição e diversidade das comunidades vegetais que ali vivem.

Os queixadas consomem sementes e mudas, reduzindo a densidade do sub-bosque e pisoteando o solo com seus cascos afiados. Esses processos, combinados com a excreção, aumentam a produtividade prima¡ria entendida como a produção de nova biomassa em resposta aos fluxos de carbono do ecossistema, entre outros fatores.

“Esse fena´meno de estruturação espacial épouco compreendido e não foi estudado em profundidade, mas éuma parte fundamental do papel dessas espanãcies como 'engenheiros florestais'. De fato, os cientistas os consideram espanãcies fundamentais nas florestas neotropicais. Nosso estudo mostra como os mama­feros afetam a dina¢mica florestal de diferentes maneiras. Dependendo do número de palmeiras, eles aumentam ou reduzem a produtividade e afetam a biodiversidade para que tudo se torne mais equilibrado", Nacho Villar , primeira autora do artigo, a  Agência FAPESP. 

A pesquisa de Villar foi apoiada por uma bolsa da FAPESP. a‰ bolsista de pa³s-doutorado no Instituto de Biociências (IB-UNESP) em Rio Claro.
 
"Censos flora­sticos mostram que as palmeiras são dominantes em termos de abunda¢ncia em florestas neotropicais, como a Mata Atla¢ntica e a Amaza´nia. Antas e queixadas são encontradas em toda a regia£o Neotropical. continente", disse Villar.

As relações maºtuas entre as duas espanãcies animais e E. edulis são ecologicamente fundamentais para a biodiversidade e produtividade na Mata Atla¢ntica, acrescentou. Daa­ a importa¢ncia da sua conservação. “Mudanças profundas na produtividade prima¡ria causadas pela defaunação [decla­nio nas populações de predadores e herba­voros] tem um impacto significativo na capacidade da floresta de captura de carbono”, disse ele. Va¡rios estudos mostraram que os grandes mama­feros estimulam a produtividade prima¡ria em áreas de pradarias de capim alto, como as savanas africanas, mas isso também acontece em florestas tropicais, de acordo com a pesquisa de seu grupo. Conforme observado pelo último estudo, a extinção de grandes mama­feros, o corte ilegal de jussara para consumo humano e o desmatamento geralmente levam a grandesmudanças na estrutura, biomassa e diversidade das florestas neotropicais.

Segundo a SOS Mata Atla¢ntica, organização sem fins lucrativos fundada em 1986 para promover a conservação da Mata Atla¢ntica, restam apenas 12,4% da vegetação original do bioma. Somente no Estado de Sa£o Paulo, o desmatamento aumentou 406% entre 2019 e 2020 em comparação com 2018-19 (de 43 hectares para 218 hectares). Antas e queixadas são classificadas como espanãcies ameaa§adas de extinção no estado. "Em 2019, fomos informados pelo gerente de um parque estadual em Sa£o Paulo que muitas palmeiras adultas foram derrubadas em uma única semana. Isso muda a floresta, que deixa de existir como a conhecemos. a‰ semelhante a  mudança climática: Pessoas sinto que nada estãoacontecendo, mas esta¡. a‰ uma traganãdia", disse Villar.

Os resultados do estudo foram publicados durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biola³gica (CBD COP15), cuja primeira etapa foi realizada virtualmente em outubro de 2021 e deve ser seguida por uma segunda etapa em 2022. Um fundo de biodiversidade foi criado para permitir a implementação de ações de proteção e reabilitação de ecossistemas. O impacto dasmudanças climáticas e as formas de mitiga¡-las foram o foco de duas semanas de discussão na 26ª Conferência das Partes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Clima¡ticas (UNFCCC COP26), realizada em Glasgow, Esca³cia, de 31 de outubro a 13 de novembro, 2021.

Acumulação de conhecimento

O grupo de pesquisa da UNESP estuda esses temas hámais de dez anos. Outras publicações incluem um artigo sobre um  estudo  que mostrou pela primeira vez a importa¢ncia de antas e queixadas no ciclo do nitrogaªnio em florestas tropicais e concluiu que os na­veis de ama´nia foram 9% menores em áreas sem esses animais, reduzindo a fertilidade do solo. As descobertas do grupo sobre o impacto das interações entre palmeiras e grandes mama­feros no ciclo do nitrogaªnio podem agora ser colocadas ao lado de suas pesquisas sobre produtividade prima¡ria no último estudo, reforçando o modelo de "local de frutificação".

Outro trabalho anterior do grupo mostrou a contribuição de antas e queixadas para a diversidade e abunda¢ncia de plantas, como confirmado pelo último estudo.

Tambanãm em outubro, um artigo assinado por Villar e Patra­cia Medici, bia³loga conservacionista brasileira com foco em antas, mostrou que a perda de diversidade foi menor nas áreas de Mata Atla¢ntica utilizadas por esses animais do que nas áreas das quais são exclua­dos, destacando a importa¢ncia de sua conservação e reintrodução para combater o decla­nio global da biodiversidade florestal.

Medici fundou e lidera a Lowland Tapir Conservation Initiative, que possui o maior banco de dados do mundo sobre a espanãcie. Ela ganhou o Whitley Gold Award 2020, concedido pelo Whitley Fund for Nature para apoiar os conservacionistas de base no Sul global.

Manãtodo

Para analisar os efeitos nas comunidades de plantas tropicais e na produtividade prima¡ria, o grupo realizou uma sanãrie de experimentos de exclusão em duas áreas de Mata Atla¢ntica. Os experimentos de exclusão são projetados para determinar como as áreas se desenvolvem se os animais forem exclua­dos, em termos de biodiversidade, altura da vegetação e caracteri­sticas ecola³gicas, entre outros fatores.

Os pesquisadores montaram parcelas experimentais para excluir mama­feros de manãdio e grande porte em uma área de floresta não defaunada e defaunada. Ambos os sa­tios estãolocalizados na porção norte do Parque Estadual da Serra do Mar no Estado de Sa£o Paulo. Eles estãoseparados por cerca de 15 km, e uma rodovia de tra¡fego intenso (BR-383) passa entre eles. 

Quinze pares de parcelas foram montados em cada local, com uma parcela aberta para controle e uma parcela de exclusão. Cada parcela medida mediu 5 mx 3 m. Danos a s mudas artificiais, recrutamento de mudas, biomassa vegetal e riqueza de espanãcies foram medidos em três subparcelas com área de 1 metro quadrado a cada seis meses. A estrutura da floresta foi medida em um raio de 10 m do centro das parcelas experimentais.

Esse desenho permitiu o controle duplo, de modo que as consequaªncias em escala de paisagem da perda funcional de grandes mama­feros herba­voros pudessem ser comparadas em áreas defaunadas (sem antas ou queixadas) e áreas de controle (onde ambas as espanãcies estavam presentes). Os pesquisadores constataram que pequenos animais como cutias (Dasyprocta spp.), queixadas (Pecari tajacu), veado-catineiro (Mazama spp.) e pacas (Cuniculus spp.) não afetam os ecossistemas tanto quanto antas e queixadas.

"No artigo, enfatizamos mais os aspectos espaciais do que os temporais, mostrando como os animais estruturam a produtividade prima¡ria e a floresta espacialmente, não como as comunidades divergem ao longo do tempo", disse Villar.

De acordo com o estudo, os grandes herba­voros tiveram efeitos positivos e negativos na estrutura espacial das comunidades vegetais, como resultado de suas interações com palmeiras em áreas florestais não defaunadas. Em áreas defaunadas, no entanto, eles não tiveram efeitos consistentes no recrutamento de plantas ou riqueza de espanãcies ao longo do gradiente de densidade de palmeiras, embora tenham tido efeitos negativos consistentes na produtividade de mudas.

A análise dos dados de armadilhas fotogra¡ficas apontou um papel fundamental de T. peccari na modulação do recrutamento de plantas e produtividade de pla¢ntulas, enquanto T. terrestris aumentou significativamente a diversidade de plantas , desempenhando assim um papel funcionalmente complementar.

Segundo Villar, os pra³ximos passos da linha de pesquisa sera£o analisar a influaªncia dos grandes mama­feros nesses ciclos, nas ligações entre solo, sub-bosque e dossel, na estrutura vertical e horizontal da floresta e em outros grupos funcionais importantes, como invertebrados e patógenos.

 

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