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Corra para salvar obras-primas de arte rupestre submarina da Idade da Pedra
A caverna e seus tesouros, alguns com mais de 30.000 anos, estãoem grave perigo. Asmudanças climáticas e a poluia§a£o da águae do pla¡stico estãoameaa§ando lavar a arte pré-hista³rica que homens e mulheres criaram ao longo de 15 milaªnios.
Por Pierre Rochiccioli - 30/05/2022


Trabalhadores em Marselha, na Frana§a, constroem uma recriação quase em tamanho real de pinturas rupestres submarinas da Idade da Pedra encontradas na costa próxima.

Para chegar ao aºnico lugar do mundo onde foram encontradas pinturas rupestres de vida marinha pré-hista³rica, os arqueólogos precisam mergulhar no fundo do Mediterra¢neo, no sul da Frana§a.

Em seguida, eles tem que atravessar um taºnel natural de 137 metros na rocha, passando pela boca da caverna atéemergir em uma enorme caverna, grande parte dela agora submersa.

Traªs homens morreram tentando descobrir esta "Lascaux subaqua¡tica" quando rumores se espalharam de uma caverna para combinar com a do sudoeste da Frana§a que mudou completamente a maneira como vemos nossos ancestrais da Idade da Pedra.

Lascaux osque Picasso visitou em 1940 osprovou que o desejo de fazer arte étão antigo quanto a própria humanidade.

A vida do arqueólogo Luc Vanrell mudou no segundo em que ele apareceu dentro da caverna Cosquer e viu suas imagens impressionantes. Mesmo agora, 30 anos depois, ele se lembra do "choque estanãtico".

Mas a caverna e seus tesouros, alguns com mais de 30.000 anos, estãoem grave perigo. Asmudanças climáticas e a poluição da águae do pla¡stico estãoameaa§ando lavar a arte pré-hista³rica que homens e mulheres criaram ao longo de 15 milaªnios.

Desde um aumento repentino de 12 centa­metros noníveldo mar em 2011, Vanrell e seus colegas estãocorrendo contra o tempo para registrar tudo o que podem.

Todos os anos, a marca d' águasobe mais alguns mila­metros, consumindo um pouco mais das pinturas e esculturas antigas.

maravilhas pré-hista³ricas

Vanrell e os mergulhadores-arqueólogos que ele lidera estãotendo que trabalhar cada vez mais rápido para explorar os últimos cantos da gruta de 2.500 metros quadrados para preservar um vesta­gio de suas maravilhas neola­ticas antes que se percam.

Uma recriação quase em tamanho real da caverna Cosquer seráinaugurada esta semana a alguns quila´metros de distância em Marselha.

A AFP juntou-se a  equipe de mergulho no ini­cio deste ano, enquanto eles corriam para terminar o mapeamento digital para uma reconstrução 3D da caverna.

Cerca de 600 sinais, imagens e entalhes osalguns de vida aqua¡tica nunca antes vistos em pinturas rupestres osforam encontrados nas paredes da imensa caverna, 37 metros abaixo das a¡guas azuis das deslumbrantes enseadas de Calanques, a leste de Marselha.

"Fantamos em trazer a caverna a superfÍcie", disse o mergulhador Bertrand Chazaly, responsável pela operação de digitalização da caverna.
 
"Quando estiver conclua­da, nossa caverna virtual Cosquer - com precisão de mila­metros - seráindispensa¡vel para pesquisadores e arqueólogos que não podera£o entrar fisicamente."

ma£os de criana§as

A caverna estava a cerca de "10 quila´metros da costa" quando estava em uso, disse o arqueólogo Michel Olive a  AFP. "Na anãpoca esta¡vamos no meio de uma era glacial e o mar estava 135 metros mais baixo" do que éhoje.

Do barco de mergulho, Olive, encarregado de estudar a gruta, desenha com o dedo uma vasta plana­cie onde agora estãoo Mediterra¢neo. "A entrada da caverna ficava em um pequeno promonta³rio voltado para o sul sobre pastagens protegidas por falanãsias. Era um lugar extremamente bom para o homem pré-histórico", disse ele.

As paredes da caverna mostram que a plana­cie costeira estava repleta de vida selvagem - cavalos, veados, bisaµes, cabras, vacas auroques pré-hista³ricas, anta­lopes saiga, mas também focas, pinguins, peixes, um gato e um urso.

As 229 figuras representadas nas paredes abrangem 13 espanãcies diferentes.

Mas homens e mulheres neola­ticos também deixaram uma marca de si nas paredes, com 69 impressaµes de ma£os vermelhas ou pretas, além de três deixadas por engano, inclusive por criana§as.

E isso sem contar as centenas de sinais geomanãtricos e as oito representações sexuais de partes do corpo masculino e feminino.

O que também se destaca na caverna éo período de tempo em que foi ocupada, disse Vanrell, "de 33.000 a 18.500 anos atrás".

A grande densidade de seus gra¡ficos coloca "Cosquer entre os quatro maiores locais de arte rupestre do mundo, ao lado de Lascaux, Altamira na Espanha e Chauvet", que também fica no sul da Frana§a.

"E como as paredes das cavernas que hoje estãosubmersas provavelmente também foram decoradas, nada mais na Europa se compara ao seu tamanho", acrescentou.

Explorar Cosquer também é"viciante", insistiu o homem de 62 anos, com um brilho nos olhos. "Algumas pessoas que estãotrabalhando no site ficam deprimidas se não estiverem la¡ por um tempo. Elas sentem falta de seu bisão favorito", ele sorriu.

Para Vanrell, mergulhar écomo uma "viagem para dentro de si mesmo". O espa­rito "do lugar se infiltra em vocaª".

Descoberta e morte

Henri Cosquer, um mergulhador profissional de alto mar que administra uma escola de mergulho, disse que encontrou a caverna por acaso em 1985, a apenas 15 metros das falanãsias calca¡rias nuas.

Pouco a pouco ele se atreveu a se aventurar cada vez mais na brecha de 137 metros de comprimento na falanãsia atéque um dia ele saiu por uma cavidade recortada pelo mar.

"Eu subi em uma caverna escura como breu. Vocaª estãoencharcado, vocêsai da lama e desliza... Levei algumas viagens para contorna¡-la", disse ele a  AFP.

“No ina­cio, não vi nada com minha la¢mpada e depois me deparei com uma impressão de ma£o”, disse o mergulhador.

Enquanto a lei determina que tais descobertas devem ser declaradas imediatamente a s autoridades para que possam ser preservadas, Cosquer manteve a nota­cia para si mesmo e alguns amigos pra³ximos.

"Ninguanãm era dono da caverna. Quando vocêencontra um bom lugar para os cogumelos, vocênão conta a todos sobre isso, não anã?" ele disse.

Mas rumores sobre este Lascaux aqua¡tico atraa­ram outros mergulhadores e três morreram no taºnel que levava a  caverna. Marcado pelas traganãdias, Cosquer confessou sua descoberta em 1991. A caverna que leva seu nome agora estãofechada por uma grade. Apenas equipes cienta­ficas são permitidas no interior.

Dezenas de missaµes de pesquisa arqueola³gica foram realizadas desde então para estudar e preservar o local e fazer um inventa¡rio das pinturas e esculturas. Mas os recursos começam a se esgotar quando Chauvet, que émuito mais fa¡cil de acessar, foi descoberto na regia£o de Ardeche em 1994.

Danos da mudança climática

Somente em 2011 as coisas começam a mudar quando Olive e Vanrell deram o alarme depois que a rápida elevação doníveldo mar levou a danos irrepara¡veis ​​em algumas imagens.

"Foi uma cata¡strofe e realmente nos abalou psicologicamente", lembrou Vanrell, particularmente o enorme dano aos desenhos dos cavalos.

"Todos os dados mostram que oníveldo mar estãosubindo cada vez mais rápido", disse a gea³loga Stephanie Touron, especialista em cavernas pré-hista³ricas pintadas no laboratório de pesquisa de monumentos hista³ricos da Frana§a.

“O mar sobe e desce na cavidade com as variações do clima, lavando as paredes e sugando solos e materiais ricos em informações”, disse.

A poluição por micropla¡sticos estãopiorando ainda mais os danos a s pinturas.

Diante de tal ameaça existencial, o governo francaªs lançou um grande esfora§o para registrar tudo sobre a caverna, com o arqueólogo Cyril Montoya encarregado de tentar entender melhor as comunidades pré-hista³ricas que a usaram.

Mistanãrios

Um dos mistanãrios que ele e sua equipe tentara£o desvendar seráo vesta­gio de tecido na parede da caverna, o que pode confirmar uma teoria de que caçadores-coletores faziam roupas no momento em que a caverna foi ocupada.

Imagens dos cavalos com crinas longas também levantam outra questãoimportante. Vanrell suspeita que isso possa indicar que eles já podem ter sido domesticados, pelo menos em parte, já que os cavalos selvagens tem crinas mais curtas, tosquiadas ao galopar entre arbustos e vegetação. Um desenho do que pode ser um arreio pode apoiar sua teoria.

As áreas preservadas sob uma camada de calcita translaºcida também mostram os "restos de carva£o", acredita Montoya, que poderiam ter sido usados ​​para pintura, aquecimento ou iluminação. Eles podem atéter queimado o carva£o em cima de estalagmites, transformando-as em "la¢mpadas para iluminar a caverna".

Mas a questãocentral do uso da caverna permanece um enigma, admitiu Olive.

Embora os arqueólogos concordem que as pessoas não moravam la¡, Olive disse que alguns acreditam que era um "santua¡rio, ou um local de encontro, ou algum lugar onde extraa­am o leite da lua, a substância branca nas paredes das cavernas (calca¡rio) que era usada para pintura corporal e para o fundo. para pinturas e esculturas."

Ranãplica

A ideia de fazer uma ranãplica do local foi debatida pela primeira vez logo após a descoberta da caverna. Mas foi são em 2016 que o governo regional decidiu que seria num edifa­cio moderno renovado em Marselha, junto ao Mucem, o museu das civilizações europeias e mediterra¢nicas na foz do Porto Velho da cidade.

Usando os dados 3D coletados pelas equipes arqueola³gicas, a ranãplica de 23 milhões de euros (US$ 24 milhões) éum pouco menor que a caverna original, mas inclui ca³pias de todas as pinturas e 90% das esculturas, disse Laurent Delbos, de Klebert Rossillon, a empresa que copiou a caverna de Chauvet em 2015.

O artista Gilles Tosello éum dos artesãos que copia as pinturas usando o mesmo carva£o e ferramentas que seus precursores da Idade da Pedra usavam.

"Os artistas pré-históricos escreveram a partitura hámuito tempo e agora estou tocando", disse ele sentado no escuro em seu estaºdio, um detalhe de um cavalo iluminado diante dele na parede da caverna recriada.

Claramente comovido, saudou a grande mestria e "espontaneidade" de seus predecessores pré-históricos, cujas pinceladas confiantes vinham claramente de "grande conhecimento e experiência. Essa liberdade de gesto e certeza nunca deixa de me surpreender", disse ele.

 

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