Vivemos na era da aceleração. Esse foi o tema da 18ª Conferência Bianual da Sociedade Internacional de Psicologia Teórica, que aconteceu em Copenhague, Dinamarca, no ano de 2019.

Vivemos na era da aceleração. Esse foi o tema da 18ª Conferência Bianual da Sociedade Internacional de Psicologia Teórica, que aconteceu em Copenhague, Dinamarca, no ano de 2019. Já faz tempo, foi antes da pandemia. Para a velocidade das redes sociais, jornais diários e periódicos científicos, eventos e produções com mais de cinco anos já podem ser considerados antigos e datados. A vida e o conhecimento avançam com rapidez. Vivemos na era da aceleração.
Em parte, a percepção de aceleração no ritmo da vida diz respeito ao aumento no número de coisas e pessoas com as quais nos relacionamos diariamente. Como se diz, há dias que em São Paulo vivemos as quatro estações do ano em um só dia: que começa com o frio de inverno, esquenta ao meio-dia com o sol de primavera, chove de tarde uma tempestade de verão e, enfim, vem o frescor do outono para proporcionar uma tranquila noite de descanso.
Mas as luzes da cidade permanecem acesas à noite, o barulho dos carros não cessa nas avenidas, os bailes seguem dentro da madrugada e, para quem não estava com vontade de sair, há sempre um filme novo nas plataformas de streaming, há sempre uma nova postagem na rede social, uma nova pendência no e-mail demandando atenção.
Discutimos, em uma produção com estudantes que participaram da Rede Indígena da USP, uma noção de temporalidade que se constrói na reciprocidade das atividades. No processo de encontro com os outros no ambiente, no estabelecimento das sintonias, das trocas, vivenciamos trocas mais ou menos aceleradas. Configurando um ritmo que aponta para a alternância da atenção que podemos dar ao nosso mundo, aos outros, ao mundo dos outros e a nós mesmos. Desdobra-se, daí, uma questão: quanto tempo temos para nos dedicar a cada uma destas instâncias, à variedade de apelos e interesses que encontramos em cada um dos seres existentes e ambientes que nos chamam a atenção?
O encontro frequente com muitos seres existentes diversificados parece acelerar a experiência subjetiva do tempo. Um ritmo de experiências que pode ser vivo, dinâmico e animador imprime um pulso fugaz na tentativa de abrigar tudo aquilo que agrada aos sentidos. Há nisso um processo de captura, que atrai e, eventualmente, permite trilhar caminhos inovadores. Proporciona conversões, mudanças de rota e torções nas trajetórias de vida.
Porém, quando não há disponibilidade para experimentar e apreciar cada ponto de parada nas trajetórias pessoais, a experiência pode não deixar marcas significativas como memória viva. Corre-se o risco de ficar à deriva dos outros, só superficialmente aproximados. Há uma anestesia que acompanha o efeito estroboscópico das infinitas microdoses de outridade, nas ruas, nas telas, entre os diversos espaços de coexistência. Aquilo que pulsa em série tende a se tornar ruído maquinal. Mais do mesmo. Os apelos e interesses começam a demandar cada vez mais contrastes e polarizações explícitas para que as experiências continuem a movimentar a vida.
Há também o risco de predação, quando a captura pelas outridades infinitas é tão intensa que não permite retorno e não há reciprocidade na alternância da atenção entre aqueles que se relacionam.
A psicologia indígena busca compreender como cada pessoa se faz no abrigo de muitas outras, produzindo como que um efeito de fractalização: eu, uma totalidade, abrigo de outros, cada outro abrigando mais outros e assim por diante, como parte de si mesmo. Na rede de outridades que configura cada um, há movimento, potenciais para ação, bem como tensões e conflitos que precisam ser cuidados para que se possa viver bem, realizar objetivos e também descansar. É relevante reservar tempo para cuidar de si, das memórias e de como se quer ser afetado pelo mundo. Cabe, então, refletir de que modo o relaxamento que vem com o sono é chave da singularização e conhecimento pessoal. Para descansar é preciso suspender as demandas e os apelos dos outros, baixar a guarda, recolher-se numa posição segura e confortável, fechar os olhos e se abrir às luzes que vêm do escuro.
Danilo Silva Guimarães
Professor do Instituto de Psicologia da USP
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