No Estado de São Paulo, estima-se que mais de 32 mil pacientes estejam em hemodiálise e aproximadamente 18 mil vivam com um rim transplantado funcionante. Apesar de essencial, a hemodiálise não substitui integralmente a função dos rins...

O número de brasileiros que dependem de hemodiálise para sobreviver não para de crescer. Segundo o Censo Brasileiro de Diálise 2024, conduzido pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, o País já ultrapassa a marca de 170 mil pessoas em tratamento dialítico. No Estado de São Paulo, estima-se que mais de 32 mil pacientes estejam em hemodiálise e aproximadamente 18 mil vivam com um rim transplantado funcionante. Apesar de essencial, a hemodiálise não substitui integralmente a função dos rins e cuidados rigorosos com a alimentação são necessários para se evitar complicações graves.
Nesse contexto, a dieta tem papel central no tratamento. Pacientes em hemodiálise precisam manter uma ingestão adequada de energia e proteínas para preservar o estado nutricional e reduzir o risco de complicações. O desafio é que, ao mesmo tempo, é necessário controlar nutrientes como sódio, fósforo e potássio, cujo excesso pode levar a alterações cardiovasculares, ósseas ou metabólicas. Quando a oferta de energia e proteínas não é suficiente, o risco de desnutrição aumenta, sendo essa uma das complicações mais comuns e graves da doença renal crônica.
A desnutrição é um dos maiores desafios da hemodiálise. Ela pode surgir tanto pela baixa ingestão de alimentos quanto por alterações hormonais e metabólicas que aceleram o desgaste do corpo, além da perda de nutrientes durante o tratamento. Na prática, significa que o organismo desses pacientes vai ficando cada vez mais fragilizado. Estudos mostram que a desnutrição aumenta progressivamente o risco de morte – em um acompanhamento recente feito no Japão, por exemplo, quase 80% dos pacientes em hemodiálise com essa condição não resistiram após quatro anos de seguimento.
Esse risco pode se agravar ainda mais em famílias que vivem em insegurança alimentar. Sem recursos para manter uma dieta adequada, o prato tende a ser repetitivo, com excesso de carboidratos e pouca oferta de proteínas, frutas, legumes e verduras. Para quem precisa de uma alimentação altamente controlada, como os pacientes renais, essa realidade cria um círculo vicioso: a dificuldade de acesso a alimentos adequados pode favorecer a desnutrição, que por sua vez amplia as chances de complicações cardiovasculares, infecções, hospitalizações e óbitos.
No Estado de São Paulo, a realidade da insegurança alimentar ainda atinge quase metade da população. De acordo com o 2º Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (II Vigisan), realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em 2022, 28,5% dos domicílios paulistas convivem com insegurança alimentar leve, 12,9% com a forma moderada e 14,6% enfrentam a forma grave, quando a falta de comida se traduz em fome. Os dados revelam que quase um em cada dois lares paulistas não consegue garantir uma alimentação regular e adequada, e quase um em cada sete já convive com cortes tão severos que a fome tornou-se parte da rotina. Resultados ainda mais recentes, do 1º Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo (2024), mostram que pouco mais da metade da população da capital — cerca de 5,8 milhões de pessoas — vivia algum grau de insegurança alimentar, sendo 12,5% em situação grave, 13,5% moderada e 24,5% leve.
Diante desse cenário, a segurança alimentar precisa ser entendida como parte integrante do tratamento da doença renal, e não como aspecto secundário. Garantir que esses pacientes tenham acesso regular a alimentos adequados é tão importante quanto o próprio procedimento de hemodiálise. Garantir a alimentação adequada é fundamental para reduzir complicações, prevenir internações e aumentar as chances de sobrevida.
A combinação entre insegurança alimentar e doença renal crônica escancara o quanto saúde e nutrição caminham juntas. Embora ainda sejam necessários mais estudos para compreender melhor essa interface, os dados já apontam para a importância de incluir o olhar nutricional no cuidado ao paciente renal. Ampliar estratégias de apoio alimentar e educação voltadas às restrições da dieta renal pode contribuir para reduzir vulnerabilidades e favorecer não apenas a sobrevida, mas também a qualidade de vida de milhares de brasileiros em hemodiálise.
Luana Jorge de Sousa
Doutoranda da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP
Alisson Diego Machado
Professor da FSP-USP, membros do INCT Combate à Fome
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