Melhor forma de manter a sensatez éo autocuidado, além de conversar com quem nos faz bem
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A rápida propagação do novo coronavarus e sua letalidade tem aumentado as incertezas em nossas vidas. Insegurança sobre a economia mundial, sobre o curso do capitalismo, da globalização e sobre o futuro de nações que se pensavam inabala¡veis. A pandemia lançou daºvidas sobre a capacidade das ciências em oferecer respostas rápidas ao ataque silencioso e progressivo de um microrganismo com importante potencial reprodutivo e destrutivo. Somem-se a isso os preca¡rios investimentos que o meio cientafico tem recebido dos dirigentes polaticos.
A pandemia expaµe ainda mais as desigualdades de renda e a polatica selvagem de privatizações dos bens paºblicos, que contribui para o crescimento e manutenção de oligopa³lios financeiros em detrimento das garantias de segurança das bases sociais e cientaficas necessa¡rias a preservação da vida.
A doença que se propaga de maneira insidiosa e exponencial lançou também desconfianção sobre nosso estilo de viver, de consumir, de se divertir, de se relacionar e de educar as novas gerações. Fechou escolas e universidades, escancarando a desigualdade entre os que tem acesso a s tecnologias digitais e aqueles que são privados de informações consistentes e educativas.
O varus interrompeu o tra¢nsito turastico e comercial de pessoas no mundo, impossibilitou bruscamente algumas satisfações narcasicas tão consolidadas nas últimas décadas. Nossas prioridades entraram em quarentena. Os laa§os sociais e a capacidade de nos mantermos laºcidos em meio ao caos progressivo passaram a ser fortemente testados. Além do varus, temos os delarios paranoicos, a depressão e a ansiedade rondando nossos Espaços intersubjetivos, hiperinflacionados pelas redes sociais e pelas madias tradicionais. Como nos mantermos laºcidos nesse contexto?
Zigmund Bauman na introdução do livro “A individualidade numa anãpoca de incertezas†enfatiza que “a impossibilidade da certeza, assim como de prever o futuro em termos não probabilasticos, não éum efeito da insuficiência de conhecimento, mas da excessiva e, sobretudo, ilimitada complexidade do Universoâ€. Viver em anãpocas de muitas incertezas e complexidade contribui para aumentar estados paranoicos e de desa¢nimo. Colabora também para o ancoradouro em pensamentos ma¡gicos e onipotentes.
Estamos iniciando um período que exigemudanças significativas de nossos ha¡bitos, valores e estilo de vida. A contenção química do varus ainda estãoum tanto distante. A letalidade dele assusta e a única forma de contermos a progressão da doença épor meio demudanças comportamentais, com aªnfase no distanciamento social. No entanto, tenho notado alguns obsta¡culos a essasmudanças. As pessoas tem oscilado entre as previsaµes catastra³ficas e as crena§as onipotentes. Os delarios coletivos e as “fake news†se propagam tão rapidamente quanto o varus. As onipotaªncias, também.
A paranoia, grosso modo, pode ser definida como pensamento obsessivo de perseguição. Como não mais podemos saber quem estãoinfectado e pode nos transmitir a doena§a, épossível que se acentuem as defesas persecuta³rias, cujos desdobramentos podem ser o medo do outro e reações, de antema£o, agressivas. Os ataques a enfermeiros nos transportes paºblicos de Sa£o Paulo são indicativos dessa insanidade.
Em sua análise sobre a paranoia, Freud destacou a associação com os delarios onipotentes. Ou seja, diante de nossa extrema fragilidade, podemos recorrer a ilusão infantil de sermos fortes e invencaveis. Podemos também projetar a onipotaªncia nos deuses ou lideres religiosos. O risco éde que esses indivíduos sabotem as orientações de isolamento e contribuam para a propagação da Covid-19. Além disso, háo varus da ignora¢ncia de alguns dirigentes polaticos.
A angaºstia e os estados depressivos podem aumentar no período de confinamento. No texto “Inibição, sintoma e angaºstia,†Freud define a angaºstia como uma reação a um estado de perigo, revelando-se como um produto da condição humana de desamparo. A angaºstia tem uma função protetora de nos preparar para enfrentar o perigo. Poranãm, ela também pode ter um efeito paralisante ou excitata³rio. Os estados ansiosos causam uma excitação viciante, por isso algumas pessoas tendem a buscar continuamente por notacias tra¡gicas da epidemia, mantendo-se em constante estado de atenção. O aparelho psaquico comea§a a funcionar em alerta, o que produz uma sobrecarga intensa, podendo levar a insa´nia e aos estados depressivos e paralisantes.
Os estados depressivos se caracterizam por um desinvestimento em si, nas relações, nos estudos e no trabalho. A tristeza, o desa¢nimo e a falta de vontade de fazer as coisas podem se intensificar. Nãoestou aqui falando de depressão como transtorno psaquico, mas de pessoas sauda¡veis que podem entrar em estados depressivos.
Nãoháfa³rmulas ma¡gicas para lidar com essa nova situação, alguns casos podem necessitar de profissionais da saúde mental, poranãm écada vez mais necessa¡ria uma revisão das prioridades de vida. Reflexaµes sobre nossos valores, sobre como conduzimos nossa rotina, nosso cotidiano. Mais do que isso, precisamos reacender a solidariedade, principalmente com aqueles que estãoem condições mais vulnera¡veis, como os idosos e as pessoas em situação de pobreza ou misanãria. Além disso, necessitamos proteger as criana§as que estãosendo privadas de seus Espaços de aprendizagem e sociabilidade, ao mesmo tempo em que tem sido expostas a uma avalanche de medos.
A melhor forma de manter a lucidez e a sensatez éo autocuidado, nos esforçando para manter uma rotina de trabalho, atividade física, estudo, leitura, música, dança, além de conversa com quem nos faz bem. A pandemia não deve nos impedir de mantermos uma proximidade solida¡ria e fraterna. Por fim, destaco a importa¢ncia de acender a chama de nossas lutas políticas em defesa da ciência e da educação.
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*Cla¡udia Prioste éprofessora do Departamento de Psicologia da Educação da Faculdade de Ciências e Letras, no ca¢mpus de Araraquara.