Especialistas em doenças infecciosas vão alertando sobre o ritmo acelerado de surtos hádécadas. Dengue, Ebola, SARS, H1N1 e Zika são apenas a ponta do iceberg.
Com as infecções por COVID-19 agora evidentes em 176países , a pandemia éa ameaça mais significativa para a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Então, como agora, a confianção na cooperação internacional e nas instituições atingiu novos manimos.
Enquanto o inicio da Segunda Guerra Mundial pegou muitas pessoas de surpresa, o surto do coronavarus em dezembro de 2019 foi uma crise prevista. Especialistas em doenças infecciosas vão alertando sobre o ritmo acelerado de surtos hádécadas. Dengue, Ebola, SARS, H1N1 e Zika são apenas a ponta do iceberg. Desde 1980, mais de 12.000 surtos documentados infectaram e mataram dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, muitas delas as mais pobres. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) detectou surtos de seis de suas oito "doenças priorita¡rias" pela primeira vez.
Ninguanãm pode dizer que não fomos avisados .
Mesmo quando atendemos a s inaºmeras emergaªncias geradas pelo COVID-19, precisamos pensar profundamente sobre por que a comunidade internacional estava tão despreparada para um surto que era tão inevita¡vel. Esta não éa primeira vez que enfrentamos cata¡strofes globais.
A segunda guerra mundial refletiu o fracasso catastra³fico dos lideres em aprender as lições da guerra de 1914-1918. A criação das instituições das Nações Unidas e Bretton Woods no final da década de 1940 e no inicio da década de 1950 forneceu alguns motivos para otimismo, mas estes foram ofuscados pela Guerra Fria. Além disso, as revoluções de Reagan e Thatcher, na década de 1980, diminuaram a capacidade dos governos de enfrentar a desigualdade por meio de impostos e redistribuição e a capacidade dos governos de oferecer servia§os essenciais e de saúde.
A capacidade das instituições internacionais de regular a globalização foi minada precisamente no momento em que eram mais necessa¡rias. As décadas de 1980, 1990 e 2000 foram um período de rápido movimento transfronteiria§o de comanãrcio, finana§as e pessoas. O fluxo acelerado de bens, servia§os e habilidades éuma das principais razões para a redução mais rápida da pobreza global na história. Desde o final dos anos 90, mais de 2 bilhaµes de pessoas saaram da pobreza extrema. O acesso aprimorado ao emprego, nutrição, saneamento e saúde pública, incluindo a disponibilidade de vacinas, adicionou mais de uma década na expectativa de vida média a população mundial.
Mas as instituições internacionais falharam em gerenciar os riscos negativos gerados pela globalização.
Longe de capacitar as Nações Unidas, o mundo égovernado por nações divididas , que preferem ir sozinhas, morrendo de fome pelas instituições projetadas para salvaguardar nosso futuro dos recursos e autoridade necessa¡rios. Os acionistas da OMS, e não seu pessoal, falharam tristemente em garantir que ela possa exercer seu mandato vital para proteger a saúde global.
Defeito de borboleta
Amedida que o mundo se torna mais conectado, ele também se torna necessariamente mais interdependente. Esse éo ventre escuro, o defeito borboleta da globalização, que, se deixado sem controle, inevitavelmente significa que sofreremos riscos sistemicos crescentes e cada vez mais perigosos.
Um turista fora do monumento Colosseo, no centro de Roma. A Ita¡lia registrou
o maior número de mortos. Andreas Solaro / AFP-GettyImages
Uma das manifestações mais gra¡ficas foi a crise financeira de 2008. O colapso econa´mico refletiu uma negligaªncia perigosa por autoridades públicas e especialistas em gerenciar as crescentes complexidades do sistema financeiro global. Nãosurpreendentemente, o descuido da elite polatica e econa´mica do mundo lhes custou caro nas urnas. Em campanha com um ingresso explicitamente anti-globalização e anti-especialista, os populistas invadiram o poder.
Encorajados pelo ultraje paºblico, eles seguiram uma tradição antiga, culpando os estrangeiros e dando as costas ao mundo exterior. O presidente dos EUA, em particular , desprezou o pensamento cientafico, gerou notacias falsas e evitou aliados tradicionais e instituições internacionais.
Com a evidência de infecções aumentando rapidamente, a maioria dos polaticos nacionais agora reconhece os custos humanos e econa´micos trauma¡ticos do COVID-19. O pior cena¡rio do Center for Disease Control éque cerca de 160 a 210 milhões de americanos sera£o infectados atédezembro de 2020. Cerca de 21 milhões precisara£o de hospitalização e entre 200.000 e 1,7 milhões de pessoas podera£o morrer dentro de um ano. Os pesquisadores da Universidade de Harvard acreditam que 20% a 60% da população global podem estar infectados e estimam de forma conservadora que 14 a 42 milhões de pessoas possam perder a vida.
A extensão em que a mortalidade direta e excessiva éevitada depende da rapidez com que as sociedades podem reduzir novas infecções, isolar os doentes e mobilizar servia§os de saúde e quanto tempo as recaadas podem ser evitadas e contidas. Sem uma vacina, o COVID-19 seráuma força extremamente perturbadora por anos.
Onde o dano serápior
A pandemia seráespecialmente prejudicial para as comunidades mais pobres e vulnera¡veis ​​em muitospaíses, destacando os riscos associados ao aumento da desigualdade .
Nos EUA, mais de 60% da população adulta sofre de uma doença crônica. Cerca de um em cada oito americanos vive abaixo da linha da pobreza - mais de três quartos deles vivem de paycheque em paycheque e mais de 44 milhões de pessoas nos EUA não tem cobertura de saúde.
Os desafios são ainda mais drama¡ticos na Amanãrica Latina, áfrica e Sul da asia, onde os sistemas de saúde são consideravelmente mais fracos e os governos menos capazes de responder. Esses riscos latentes são agravados pelo fracasso de lideres como Jair Bolsonaro no Brasil ou Narendra Modi na andia em levar a questãoa sanãrio.
As consequaªncias econa´micas do COVID-19 sera£o drama¡ticas em todos os lugares. A severidade dos impactos depende de quanto tempo dura a pandemia e da resposta nacional e internacional dos governos. Mas mesmo na melhor das hipa³teses, excedera¡ em muito a crise econa´mica de 2008 em sua escala e impacto global, levando a perdas que podem exceder US $ 9 trilhaµes ou bem mais de 10% do PIB global.
Nas comunidades pobres, onde muitas pessoas dividem um quarto e dependem de ir trabalhar para colocar comida na mesa, o chamado ao isolamento social serámuito difacil, se não impossível, de se aderir. Em todo o mundo, a medida que os indivíduos perdem sua renda, devemos esperar um aumento rápido da falta de moradia e da fome.
A favela Mukuru Kwa Njenga em Nairobi. O COVID-19 deve ser ainda mais
devastador para ospaíses pobres. Simon Maina / GettyImages
Nos EUA, um recorde de 3,3 milhões de pessoas já solicitou o subsadio de desemprego e, na Europa, o desemprego também estãoatingindo naveis recordes. Poranãm, enquanto nospaíses mais ricos existe alguma rede de segurança, embora seja muito frequente em farrapos, ospaíses pobres simplesmente não tem capacidade para garantir que ninguanãm morra de fome.
Com as cadeias de suprimentos quebradas a medida que as fa¡bricas fecham e os trabalhadores ficam em quarentena, e os consumidores são impedidos de viajar, fazer compras, exceto alimentos ou se envolver em atividades sociais, não háespaço para estamulos fiscais. Enquanto isso, a polatica moneta¡ria foi frustrada, já que as taxas de juros já estãopróximas de zero. Portanto, os governos devem se concentrar em fornecer a todos os necessitados uma renda ba¡sica , para garantir que ninguanãm morra de fome como resultado da crise. Embora o conceito de garantia ba¡sica de renda parecesse uta³pico hápenas um maªs, agora ele precisa estar no centro da agenda de todos os governos.
Um plano Marshall global
A enorme escala e ferocidade da pandemia exigem propostas ousadas. Alguns governos europeus anunciaram pacotes de medidas para impedir que suas economias parassem. No Reino Unido, o governo concordou em cobrir 80% dos sala¡rios e renda por conta própria, até2.500 libras (2.915 da³lares) por maªs , e estãofornecendo uma ta¡bua de salvação para as empresas. Nos EUA, foi acordado um pacote de ajuda anteriormente impensa¡vel de US $ 2 trilhaµes, embora isso seja provavelmente o começo. Uma reunia£o de lideres do G20 também resultou em uma promessa de US $ 5 trilhaµes , embora os detalhes sejam escassos.
A pandemia do COVID-19 fornece um ponto de virada nos assuntos nacionais e globais. Isso demonstra nossa interdependaªncia e que, quando surgem riscos, recorremos aos governos, não ao setor privado, para nos salvar.
A resposta econa´mica e médica sem precedentes nospaíses ricos simplesmente não estãodisponavel para muitospaíses em desenvolvimento. Como resultado, a tra¡gica implicação éque as consequaªncias sera£o muito mais severas e duradouras nospaíses mais pobres. O progresso no desenvolvimento e na democracia em muitas sociedades africanas, latino-americanas e asia¡ticas serárevertido. Assim como o clima e outros riscos, essa pandemia global piorara¡ drasticamente a desigualdade dentro e entrepaíses.
Um plano Marshall global, com injeções massivas de financiamento, éurgentemente necessa¡rio para sustentar governos e sociedades.
A pandemia do COVID-19 não éo ponto final da globalização, como sugeriram alguns comentaristas. Enquanto viagens e comanãrcio são congelados durante a pandemia, havera¡ uma contração ou desglobalização. A longo prazo, o crescimento contanuo da renda na asia, que abriga dois tera§os da população mundial, provavelmente significara¡ que os fluxos de viagens, comanãrcio e financeiro retomara£o sua trajeta³ria ascendente.
Mas em termos de fluxos fasicos, 2019 provavelmente entrara¡ na história como o tempo de pico da fragmentação da cadeia de suprimentos. A pandemia acelerara¡ a recuperação da produção, reforçando a tendaªncia de aproximar a produção dos mercados que já estavam em andamento. O crescimento da roba³tica, inteligaªncia artificial e impressão 3D, juntamente com os clientes que esperam a entrega rápida de produtos cada vez mais personalizados, os polaticos ansiosos por trazer a produção para casa e as empresas que procuram minimizar o prea§o das ma¡quinas, eliminam as vantagens comparativas dospaíses de baixa renda.
Nãoéapenas a manufatura que estãosendo automatizada, mas também servia§os como call centers e processos administrativos que agora podem ser mais baratos por computadores no pora£o de uma sede do que por pessoas em locais distantes. Isso coloca questões profundas sobre o futuro do trabalho em todos os lugares. a‰ um desafio particular parapaíses de baixa renda com uma população jovem de candidatos a emprego. Somente a áfrica espera que 100 milhões de trabalhadores entrem no mercado de trabalho nos pra³ximos 10 anos. Suas perspectivas não eram claras antes da pandemia. Agora eles são ainda mais preca¡rios.
Implicações para a estabilidade polatica
Numa anãpoca em que a féna democracia estãono seu ponto mais baixo em décadas , as condições econa´micas deterioradas tera£o implicações de longo alcance para a estabilidade polatica e social. Já existe uma enorme lacuna de confianção entre lideres e cidada£os. Alguns lideres polaticos estãoenviando sinais confusos e os cidada£os estãorecebendo mensagens conflitantes. Isso reforça a falta de confianção nas autoridades públicas e nos "especialistas".
Essa falta de confianção pode dificultar muito mais a resposta a crise emnívelnacional, além de prejudicar a resposta global a pandemia.
Ao fazer apelos urgentes a cooperação multilateral , as Nações Unidas ainda estãoem falta, tendo sido deixadas de lado pelas grandes potaªncias nos últimos anos. Prometendo injetar bilhaµes - atétrilhaµes - na resposta , o Banco Mundial e o Fundo Moneta¡rio Internacional precisara£o acelerar suas atividades para ter um impacto significativo.
Devido a escassez de liderana§a internacional dos EUA, cidades, empresas e filantropos estãoaumentando. A China passou de vila£o a hera³i na resposta a pandemia, em parte estendendo seu poder brando - na forma de médicos e equipamentos - aospaíses afetados. Pesquisadores de Singapura, sul-coreano, chinaªs, taiwanaªs, italiano, francaªs e espanhol estãopublicando e compartilhando ativamente sua experiência, inclusive pesquisando rapidamente o que funciona.
Atéagora, algumas das ações mais inspiradoras são não-governamentais. Por exemplo, redes de cidades como a Conferência de Prefeitos dos EUA e a Liga Nacional de Cidades estãorapidamente compartilhando boas prática s sobre como impedir a propagação de doenças infecciosas, o que deve melhorar as respostas locais. A Fundação Bill e Melinda Gates contribuiu com US $ 100 milhões para expandir as capacidades locais de saúde na áfrica e no sul da asia. Grupos como Wellcome Trust , Skoll , Open Society Foundations , UN Foundation e Google.org também estãoampliando a assistaªncia.
Desnecessa¡rio dizer que as complexidades da globalização não sera£o resolvidas pelos apelos ao nacionalismo e a s fronteiras fechadas. A disseminação do COVID-19 deve ser atendida com um esfora§o internacional igualmente coordenado para encontrar vacinas, mobilizar suprimentos médicos e, quando a poeira vulcânica baixar, para garantir que nunca mais enfrentemos o que poderia ser uma doença ainda mais mortal.
Agora não éhora de recriminações: éhora de agir. Governos nacionais e municipais , empresas e cidada£os comuns de todo o mundo devem fazer todo o possível para aplanar a curva epidaªmica imediatamente, seguindo os exemplos de Cingapura, Coranãia do Sul, Hong Kong, Hangzhou e Taiwan.
A coaliza£o dos dispostos deve liderar a resposta global
Agora, mais do que nunca, precisamos de uma resposta global abrangente. As principais economias do Grupo dos Sete e do G20 parecem sem rumo sob sua liderana§a atual. Embora prometessem garantir atenção aospaíses mais pobres e refugiados, sua recente reunia£o virtual ofereceu muito pouco tarde demais. Mas isso não pode permitir que outras pessoas ajam para mitigar o impacto do COVID-19. Em parceria com as nações do G20, uma coaliza£o criativa depaíses dispostos a tomar medidas urgentes para restaurar a confianção não apenas nos mercados, mas também nas instituições globais.
A Unia£o Europeia, a China e outras nações tera£o que intensificar e liderar um esfora§o global, arrastando os EUA para uma resposta global que inclua a aceleração dos testes de vacinas e a garantia de distribuição gratuita quando a vacina e os antivirais forem encontrados. Os governos ao redor do mundo também precisara£o tomar medidas drama¡ticas para investimentos macia§os em saúde, saneamento e renda ba¡sica.
Um hospital de campo tempora¡rio para isolar pacientes COVID-19 em
Shoreline, Washington, EUA. EFE-EPA
Eventualmente, vamos superar essa crise. Mas muita gente tera¡ morrido, a economia ficara¡ severamente marcada e a ameaça de pandemia permanecera¡. A prioridade então deve ser não apenas a recuperação, mas também o estabelecimento de um mecanismo multilateral robusto para garantir que uma pandemia semelhante ou ainda pior nunca mais ocorra.
Nãohámuro alto o suficiente para impedir a próxima pandemia ou qualquer outra grande ameaça ao nosso futuro. Mas o que esses altos muros mantera£o de fora são as tecnologias, as pessoas, as finana§as e, acima de tudo, as idanãias coletivas, e a vontade de cooperar, que precisamos enfrentar pandemias,mudanças climáticas, resistência a antibia³ticos, terror e outras ameaa§as globais.
O mundo Antes do Coronavarus e Depois do Coronavarus não pode ser o mesmo. Devemos evitar os erros cometidos ao longo dos séculos 20 e 21, empreendendo reformas fundamentais para garantir que nunca mais enfrentemos a ameaça de pandemias.
Se pudermos trabalhar juntos em nossospaíses para priorizar as necessidades de todos os nossos cidada£os e superar internacionalmente as divisaµes que permitiram que as ameaa§as das pandemias se apodrea§am, do terravel incaªndio dessa pandemia uma nova ordem mundial podera¡ ser forjada. Ao aprender a cooperar, teraamos aprendido não apenas a parar a próxima pandemia, mas também a lidar com asmudanças climáticas e outras ameaa§as craticas.
Agora éa hora de comea§ar a construir as pontes necessa¡rias em casa e no exterior.
Ian Goldin éprofessor de globalização e desenvolvimento na Universidade de Oxford e autor de The Butterfly Deect e Age of Discovery. a‰ co-autor de um pra³ximo livro Terra Incognita com Robert Muggah. Ele deve ser publicado pela Penguin. @ian_goldin
Robert Muggah éco-fundador do Instituto Igarape e diretor do Grupo SecDev e colaborador regular do TED e de vários principais veaculos de notacias. Seu pra³ximo livro, Terra Incognita, em co-autoria de Ian Goldin, deve ser publicado pela Penguin no final de 2020.