Opinião

China: considerações sobre uma sociedade original!
A China não quer levar direitos humanos e nem democracia para os povos que comercializam com ela, o que interessa são os nega³cios, como eles vivem éum problema de autodeterminação deles!
Por Geraldo Filho - 20/05/2020

(Foto: CCTV News)
Esta¡tua anãpica de Deus da Guerra - A representação da divindade Guan Yu pesa 1320
  toneladas e mede 48 metros de altura

Nãosubmeterei os leitores a uma retrospectiva da história chinesa, no entanto, vale lembrar que os chineses, como coreanos e japoneses, compartilham herana§a na qual se misturam genes e formas de viver (pensar, agir e sentir) de no ma­nimo 03 “espanãcies” do gaªnero “homo”: o erectus, o neandhertal e o sapiens. Isso, provavelmente, concedeu a estes povos orientais originalidade a s vezes difa­cil de compreender e aceitar para outros de regiaµes diferentes, como os do ocidente.

Para um socia³logo profissional, que pesquisa biologia evolutiva e neurociaªncia, as sociedades são organismos formados por populações de indivíduos que buscam diariamente maximizar as chances de sobrevivaªncia, espalhadas pelos diversos ecossistemas do planeta. Isto significa que algumas tera£o mais sucesso e outras fracassara£o nessa luta difa­cil, tudo dependera¡ de uma palavra ma¡gica: adaptação.

As formas de viver com maior flexibilidade (resiliencia) evolutiva construira£o sociedades adaptadas a s caracteri­sticas do ambiente no qual se encontram, garantindo estabilidade a longo prazo para que esses povos possam criar a própria história. Nesta perspectiva, nada a estranhar diante de formas de vida exa³ticas que contrariam os padraµes conhecidos por outros.

Assim, para compreender sociedades como a China se deve considerar que ela foi bem sucedida no decorrer de mais de 2 mil anos, durante os quais, e apesar dos conflitos internos, manteve a unidade e a identidade civilizata³ria dopaís sem se fragmentar, sucedendo-se dinastias imperiais cuja legitimidade era conferida pelo “Mandato Celestial”, concedido ao imperador para governar o mundo, isso mesmo o que vocêleu, o mundo! Povos pra³ximos ou distantes eram naturalmente considerados ba¡rbaros e vassalos, com os quais os chineses deveriam evitar contato, pois nada tinham a aprender com eles!

Com um pouco de imaginação o leitor percebera¡ que mesmo encerrando a fase imperial, em 1912, os governos que se alternaram até1949, ano da revolução comunista osque inaugurou a estrutura de poder comandada por um partido aºnico, em vigor atéhoje osas liderana§as chinesas nunca abandonaram o passado milenar, procurando reviver mediante encenação laica (secular) a sagrada estratificação hiera¡rquica de comando da sociedade construa­da por séculos pelas fama­lias imperiais.

A imaginação controlada pelo conhecimento éferramenta fundamental para o cientista de todas as áreas, pois o obriga a ver além da realidade aparente. Para isso ele tem de experimentar doma­nios diversos, como a literatura, o cinema e a música, por exemplo, que instigam a criatividade e a fantasia. Em geral a imaginação pode ser um guia para as interações sociais do cotidiano, principalmente se concebidas como dramatização teatral no palco da vida, o que ajuda a entender as intenções das pessoas por trás das atitudes tomadas, que podem prevenir erros de avaliação que comprometem destinos, do tipo quando alguém se apaixona pelo parceiro errado, por acreditar que ele era o “amor de sua vida”, etc.! Um olhar arguto e imaginativo observaria que a maior parte da teatralização fantasiosa do amor encobre uma intenção dominante elementar, o desejo por sexo!

Faz algum tempo me encontrava no bar de um grande amigo, como écomum a televisão estava ligada, transmitindo no momento competição de gina¡stica ola­mpica feminina da qual participavam atletas chinesas. Durante as provas notei que numa mesa próxima um sujeito vibrava e batia palmas para a performance das chinesas! Curioso, perguntei por que ele torcia tanto para elas e ele respondeu: porque são da China, e a China écomunista e ele era comunista! Ah, ta¡...! Com a resposta fiquei calado, afinal nada tinha com aquilo e qualquer um admira quem quiser mas... o episãodio ficou martelando na minha mente!

Quer dizer que se eu sair por aa­ dizendo que sou Jesus Cristo as pessoas acreditara£o são porque eu me autodeclarei a personificação humana do Criador?! Um indiva­duo com pouco mais de argaºcia e imaginação e menos simpla³rio do que o sujeito do bar desconfiaria que a China não pode ser considerada comunista apenas porque a estrutura de poder que a governa ainda ostenta o nome de Partido Comunista da China.

Em primeiro lugar, pela teoria marxista cla¡ssica, dos dois, Karl Marx e Friedrich Engels, nem a Revolução Russa de 1917 e nem a Chinesa de 1949 poderiam ter acontecido, pois pela teoria eram sociedades agra¡rias e a precondição fundamental para uma revolução comunista éa sociedade ser industrial, pois sem este requisito não existiria o operariado das fa¡bricas (o proletariado, a classe revolucionaria cuja missão hista³rica era construir um mundo novo!). Isto significa que Vladimir Laªnin e Josef Sta¡lin para a Raºssia (depois URSS) e Mao Tsanã-Tung para a China distorceram e aplicaram a teoria como bem entenderam! Se Marx e Engels tivessem presenciado esses eventos hista³ricos talvez, e repito talvez, zelosos como eram pela ortodoxia da teoria por eles criada desaprovassem a ousadia heterodoxa, e mais, ficassem surpresos com as monstruosidades totalita¡rias geradas pela reinterpretação de suas ideias.

Em segundo lugar, nunca houve na história humana uma sociedade comunista para ser tomada como para¢metro de avaliação comparativa, manãtodo importante para cientistas de qualquer área! O que significa que Marx e Engels fizeram com sua teoria um exerca­cio de especulação, sem base empa­rica! Assim, qualquer experiência social que se autodeclarasse comunista, como os russos e chineses fizeram, poderia reivindicar legitimamente a veracidade do conceito. Como consequaªncia, o que se conhece como comunismo, ou o mais pra³ximo dele (os fieis da esquerda professam que nunca houve comunismo real mas sim socialismo, primeira etapa para a tão sonhada e idealizada sociedade igualita¡ria, que atéhoje nunca foi alcana§ada!), foram as sociedades sovianãtica (1917/1992) e chinesa (1949/1976), que deixaram legado de atrocidades terra­veis como assassinatos, perseguições, fome e misanãria para seus povos, que vão procurando supera¡-lo desde então!

Em terceiro lugar, outra semelhança hista³rica une as experiências comunistas de Raºssia e China (cujos efeitos se disseminaram pelas sociedades que embarcaram na aventura revoluciona¡ria comunista!): além de serem sociedades agra¡rias a revolução substituiu em ambas “impanãrios dina¡sticos por direito divino” por “impanãrios dina¡sticos seculares”. Depois de 1917 na Raºssia e  1949 na China rapidamente o Partido Comunista da URSS e o Partido Comunista da China reorganizaram a velha estrutura hiera¡rquica de poder, ferozmente absolutista e ditatorial, estabelecida háséculos na primeira e hámilaªnios na segunda! Os ta­tulos sagrados de Czar (ou Canãsar, romano) na Raºssia e Filho do Canãu, na China, foram substitua­dos pelo secularmente insosso, poranãm poderoso, Secreta¡rio Geral do Partido Comunista.

O aparato burocra¡tico estatal que subiu ao poder nos doispaíses se fundiu com os partidos respectivos e garantiu, como partidos aºnicos (uma vez que todos os demais foram proibidos), a “sucessão dina¡stica” no a¢mbito dos quadros partida¡rios. Sem nenhum pudor, Coranãia do Norte e Cuba, outras aventuras comunistas, foram mais longe ao replicarem este padrãosucessãorio!

Apesar de não terem um passado de tradição imperial importante (ou nenhum passado desse tipo, caso de Cuba) as ditaduras criminosas que assumiram estabeleceram a “sucessão heredita¡ria por sangue”, os Kim e os Castro, o que denota de fato, quando se usa a imaginação e a astaºcia para ver por trás da encenação, o que realmente motiva os revoluciona¡rios comunistas!

Com 75 anos de socialismo/comunismo a Raºssia Sovianãtica desmoronou em 1992! No entanto, a China continuou, mesmo que como sociedade socialista/comunista tenha terminado na pratica em 1976, com a morte de Mao Tsanã-Tung! Como foi possí­vel continuar se autodenominando comunista (governada pelo Partido Comunista da China), enquanto as demais que fizeram experiências políticas do mesmo tipo estavam afundando e desaparecendo na pobreza e subdesenvolvimento econa´mico?!

Para compreender énecessa¡rio evocar a tradição chinesa de busca de preservação da sociedade e do Estado a longo prazo, por meio de estratanãgias que evitam conflitos internos e confronto direto de duração elevada com inimigos externos (inspiradas no complexo jogo de estratanãgia “go”, chinaªs), apostando no alto custo para os adversa¡rios em recursos militares, econa´micos e humanos para conquistar e controlar uma imensida£o territorial e populacional como a China.

A milenar tradição pola­tica, administrativa e diploma¡tica da China, treinada e aperfeia§oada pelo mandarinato (aparato burocra¡tico de governo) na ra­gida anãtica confuciana, que preconizava uma sociedade hierarquizada e disciplinada, na qual a vida dos indivíduos deveria convergir osa partir do correto cumprimento dos deveres de cada um ospara o bem-estar da sociedade e do Estado, conduziu tanto a superação dos conflitos internos (a invasão mongol, que gerou a dinastia Yuan, nos séculos XIII e XIV) como as ameaa§as estrangeiras (as guerras contra os europeus, no século XIX), ainda que esse processo demorasse décadas ou séculos.

Com efeito, meros 27 anos de desastrada “engenharia social” do socialismo/comunismo sob o comando de um psicopata, durante os quais se cometeram verdadeiras loucuras oscomo a “guerra dos pardais”, na qual os chineses foram incitados a matar os pobres pa¡ssaros porque Mao se “convenceu” de que eles comiam as sementes e eram os culpados pelos constantes desastres das colheitas, criando terra­vel desequila­brio ecola³gico, pois os insetos, sem o predador natural, se multiplicaram em pragas e agravaram o problema da fome, ceifando a vida de milhões (nunca passou por sua mente insana que as causas estavam na violenta pola­tica de desapropriação de terras e coletivização forçada das propriedades rurais); ou a “guerra contra os quatro velhos” (também chamada de Revolução Cultural), na qual a juventude foi lana§ada contra todos aqueles identificados com as “velhas ideias”, “velha cultura”, “velhos costumes” e “velhos ha¡bitos”, incluindo pais e professores, que deveriam ser denunciados a s autoridades se persistissem nos comportamentos antiquados, resultando em milhões que foram mandados para campos de “reeducação” dos quais muitos jamais voltaram (Mao nunca entendeu que uma sociedade milenar não modificaria a estrutura mental abruptamente; a tomada do poder foi em 1949 e ele desencadeou a Revolução Cultural em 1966, portanto 17 anos depois, menos de uma geração completa, manipulando cérebros imaturos, a  procura de afirmação diante do lider supremo, uma receita para tra¡gicas consequaªncias) osrepresentam um período de tempo insignificante para a longa história chinesa, que diante de desafios a ser enfrentados, como a psicopatia maligna e destrutiva de um lider como Mao (que levou a China a permanentes tensaµes internas e externas), soube se recompor, por meio da tradição da velha burocracia imperial dos mandarins, redivivos como membros do aparato administrativo do Partido Comunista da China.

Chou En-Lai e Deng Xiaoping foram os a­cones dos novos mandarins seculares que garantiram o reencontro da história chinesa com o velho ideal confuciano de estabilidade da sociedade e do Estado. Eles chegaram ao poder juntos com Mao Tsanã-Tung, sempre exerceram funções importantes de organização e estratanãgia de governo, poranãm não compartilhavam da imaginação perigosamente delirante e criadora de instabilidade social de Mao, pelo contra¡rio! Mao temialhes o prestigio e influaªncia nos escalaµes civis e militares do PCC, por isto os mantinha pra³ximos e sob intensa vigila¢ncia, alternando perseguições e reabilitações, punições severas (prisão; humilhação pública; atentados aos familiares, como a tentativa de morte do filho de Deng, que ficou paraplanãgico) com premiações festejadas.

Contudo, diante da bipolaridade tresloucada de Mao, comum aos ditadores psicopatas severos, que desenvolvem traa§o de personalidade caractera­stico da neurose de perseguição, desconfiando de tudo e todos (Hitler, Sta¡lin, Fidel, os Kim e outros, na áfrica existe uma coleção!), Chou e Deng, no exerca­cio das melhores qualidades do mandarim confuciano, permaneceram impa¡vidos, sacrificando as vidas pessoais com o intuito de reduzir os danos nefastos para a população chinesa consequaªncia das políticas do “grande timoneiro”, como Mao foi cognominado, mesmo que isto ocorresse a manãdio e longo prazo, e aqui falo das décadas posteriores a 1976 (morte de Mao), atése chegar a  China atual. Mas o que são poucas décadas numa história confuciana de mais de dois milaªnios?!

No ocaso de Mao, consumido pela doença que lhe tirou a voz e debilitou os movimentos, Chou En-Lai e Deng Xiaoping começam a arquitetarmudanças que contrastavam as políticas dele, orientando a China para outra direção!

Consciente da situação de subdesenvolvimento econa´mico e fragilidade militar na qual a China se encontrava, desde o século XIX, quando o impanãrio se fechou para a revolução industrial que se espalhava a partir da Inglaterra, Chou En-Lai traa§ou o caminho estratanãgico para consolidar a soberania e a independaªncia da China após 1949, priorizando a adaptação pragma¡tica a cada contexto geopola­tico que se configurasse osseja na sua proximidade regional geogra¡fica seja no mundo, dominado então por duas superpotaªncias, Estados Unidos e Unia£o Sovianãtica osdeixando em segundo plano a ideologia radical de esquerda simbolizada por Mao, retra³grada em termos de desenvolvimento. Traªs momentos decisivos ilustram o percurso estratanãgico imaginado por Chou que culminou na China do século XXI.

Necessitando de apoio militar logo após a Revolução em 1949 a China se aliou a URSS, causando pa¢nico no mundo da década de 50, com o pacto entre os dois gigantes comunistas. O primeiro com um ativo militar precioso e sem temor de usa¡-lo, a população (600 milhões hánãpoca); o segundo com um exanãrcito formida¡vel e poderio nuclear.

"Na concepção geopola­tica chinesa, quando europeus e americanos procuram exportar valores religiosos, filosãoficos e pola­ticos para outras sociedades criam mais situações de tensão e instabilidade do que de estabilidade e progresso. Observando o permanente conflito do ocidente compaíses mua§ulmanos (Ira£, Iraque, Afeganistão, Palestinos), fico cada vez mais convicto da correção da posição chinesa".


Nos anos 60, a China começou a se afastar da URSS ao perceber que se posicionaria melhor no xadrez geopola­tico da Guerra Fria se mantivesse equidistância relativa das duas superpotaªncias rivais, buscando neutralizar qualquer risco de conflito na sua vizinhana§a, sobretudo na extensa fronteira com a URSS, sempre uma ameaça potencial de invasão, como acontecera no passado imperial (século XIX), quando o impanãrio czarista arrancou nacos generosos do territa³rio chinaªs.

Finalmente, nos anos 70, observando o fracasso econa´mico das economias dospaíses socialistas/comunistas, Chou preparou a aproximação definitiva com o mundo ocidental osao abandonar sem constrangimento a reta³rica esquerdista que tanto fez sucesso entre ospaíses subdesenvolvidos na década anterior ostecendo acordos pola­ticos e econa´micos com os Estados Unidos e com o grande aliado americano no oriente, o Japa£o, isolando assim a Unia£o Sovianãtica. Comea§ava a se desenhar o cena¡rio para a grande virada que ocorreu depois de 1976.

Chou, que era apontado como o sucessor natural de Mao, morreu poucos meses antes dele, em 1976, mas teve tempo de elaborar a estratanãgia de desenvolvimento econa´mico e social conhecida como “As Quatro Grandes Modernizações”, que foi encampada e executada pelo outro excepcionalmente competente mandarim Deng Xiaoping, ao ascender ao comando da China, após aniquilar com rapidez a ala radical seguidora de Mao liderada pela viaºva Jiang Qing (o Bando dos Quatro) a encarcerando e acabando em definitivo com a malfadada Revolução Cultural sob sua orientação.

O plano consistia em modernizar a agricultura, a indaºstria, ciência e tecnologia e as forças armadas. Com caraªncia de recursos financeiros poranãm contando com a população, não mais como um ativo militar mas sim como um enorme mercado de trabalho a baixo custo (nada de leis trabalhistas ou previdência pública universais) e de consumo, a economia progressivamente se abriu para as empresas estrangeiras e os investimentos capitalistas.

Ao tempo em que o governo enviou milhares de jovens para as melhores universidades ocidentais, com foco em desenvolvimento cienta­fico e tecnola³gico, preparando as gerações que conduziriam os destinos dopaís nas décadas seguintes, o transformando de uma sociedade agra¡ria numa potaªncia produtora de tecnologia de ponta em todos os setores (as universidades chinesas não ensinam mais teoria marxista para os estudantes, como no Brasil!), promovendo o reencontro da China moderna com o glorioso passado imperial, cujo destino manifesto, relembro, inerente ao “Mandato Celestial” outorgado ao imperador, era governar o mundo!

Duas frases são reveladoras do pensamento estratanãgico de Deng na condução da China pa³s Mao, que deixam transparecer o pragmatismo para perseguir objetivos! A fim de justificar as modernizações inspiradas por Chou En-Lai, que implicaram na introdução de reformas capitalistas na economia como um todo osacabando com a coletivização e estatização do campo e estimulando “joint ventures” (parcerias) com empresas ocidentais que quisessem se estabelecer nopaís atrás de um imenso mercado de trabalho barato, a¡vido por consumir (um sacrilanãgio para Mao!) osDeng afirmou: “Enriquecer églorioso!”

Contra aqueles que opuseram resistência a s reformas modernizadoras, com a acusação de “revisionismo, traidor dos princa­pios comunistas” representados por Mao, Deng Xiaoping, com argumentação pragma¡tica que ficou famosa em defesa da abertura da economia para o mercado, proferiu a frase: “Para caçar o rato (a necessidade e a fome do povo chinaªs) não interessa a cor do gato (se comunista ou capitalista), o que importa éque ele cace o rato (seja eficiente e eficaz)!”

Sobre os escombros dos loucos anos comunistas de Mao, Chou En-Lai e Deng Xiaoping construa­ram a China como se conhece hoje. O Partido Comunista da China mantanãm esse nome porque foi com ele que se organizou a estrutura de poder governamental que conduziu em poucas décadas uma sociedade com população atual de 1,4 bilhaµes de indivíduos ao sucesso.

Para o pragmatismo chinaªs o ra³tulo pouco importa! a‰ parecido com o turista que vai ao Manãxico e compra a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, vendida com reveraªncia como artesanato local, quando na verdade foi produzida em escala na China mas... e daa­?... o que interessa ao artesão foi que ele vendeu e ficou feliz e o que importa para o turista éque ele vai voltar para casa satisfeito com uma lembrana§a da viagem!

Esta estrutura de poder governamental éuma ditadura?! Utilizado os conceitos sobre formas de governo que remontam no mundo ocidental a  Granãcia Cla¡ssica e aos escritos de Platão e Arista³teles, que forjaram a sociologia pola­tica que se conhece, sim, éuma ditadura! Poranãm, com caracteri­sticas singulares e que para compreendaª-la énecessa¡rio mais uma vez considerar o contexto da história chinesa e do ocidente.

Em geral ditaduras seculares são personalistas, girando em torno de um lider, semeando em regra grande instabilidade quando ocorrem as sucessaµes, favorecendo que sejam feitas no a¢mbito da familia (podendo gerar dinastias) ou entre os auxiliares pra³ximos ao ditador (insuflando conflitos e traições). No entanto, a estrutura de governo chinesa éuma ditadura secular legitimada por milaªnios de imperadores absolutistas consagrados pelo “Mandato Celestial”, que na prática nada mais era do que um ditador, cercado por uma excelente casta de burocratas profissionais (mandarins), admitidos em concursos paºblicos (eles que inventaram!), com o objetivo de governar com o imperador.

Esta éa elite profissional que dirige a China com o nome de PCC, e se háuma coisa que ela odeia se chama instabilidade pola­tica! Para ser justo com a tradição dessa casta burocra¡tica o período de maior dificuldade enfrentada por ela começou em 1839 oscom a 1ª Guerra do a“pio, que durou até1842, encerrada com o Tratado de Nanquim, pelo qual a Inglaterra adquiriu exclusividade comercial no porto de Cantão e recebeu Hong Kong ose terminou, depois dos vários acontecimentos desastrosos para opaís século XX adentro (queda do impanãrio, invasaµes europeias, guerras com Raºssia e Japa£o, a revolução comunista), em 1976, 137 anos depois!

Mas se eram tão profissionais como pode ter isso acontecido?! Para entender épreciso introduzir outra dimensão na análise que éerroneamente subestimada na explicação de eventos hista³ricos com impacto nos destinos das sociedades, a subjetiva, vulnera¡vel a traa§os de personalidade que modelam comportamentos e, claro, influem na tomada de decisaµes! Nãofoi falta de alerta de membros do mandarinato, que anteviram o que estava acontecendo no final do século XVIII e inicio do XIX na Europa, mas suas vozes foram reprimidas pela soberba e vaidade da corte imperial, que imaginava as defesas da China inexpugna¡veis ao ataque dos ba¡rbaros, pois pelo ordenamento divino das coisas, estes, inferiores como eram, lhes deviam tributos e obediaªncia. Adaptando um ada¡gio popular do futebol brasileiro, inspirado no grande Garrincha: Para que tamanha ingenuidade fosse verdade, são faltou combinar com os ingleses; os demais europeus; os russos e os japoneses; além dos loucos comunistas que inspirados em dois teóricos alema£es buscaram implodir séculos de história!

Chou e Deng foram os herdeiros distantes daquelas vozes destoantes que no inicio do século XIX previram a necessidade de adaptação da China aos novos tempos da revolução industrial, que demandavam por reformas que na verdade são vieram a ser realizadas a partir de 1976. O intervalo de 137 anos, para a história chinesa, devera¡ ser considerado como um “grande freio de arrumação”, cujas consequaªncias foram terra­veis para a população (são para o período comunista se calcula, por baixo, em 70 milhões). Por outro lado, de 1976 para frente as reformas empreendidas promoveram o reencontro com o passado, o que justifica sua posição de 2ª potencia mundial na contemporaneidade.

Ao contra¡rio de se condenar a estrutura de poder chinesa como ditadura e classifica¡-la como comunista, de acordo com os conceitos e critanãrios da sociologia pola­tica desenvolvida no ocidente, talvez seja mais coerente e cientificamente acertado avalia¡-la como uma forma de governo que reflete e reforça as caracteri­sticas daquela sociedade, que milenarmente se construiu e desenvolveu hierarquicamente organizada. Como na Granãcia Cla¡ssica (5 séculos antes de Cristo) e depois na Judanãia e Roma, na China não surgiram escolas filosãoficas nem religiaµes interrogando sobre anãtica e liberdade pessoal ou sobre a relação entre o indiva­duo e o sentido de ser no mundo, ou sobre o destino da alma! Com efeito, estas noções tão caras e valorizadas pelos ocidentais osformados nas tradições religiosa judaica-crista£ e filosãofica e pola­tica greco-romana, que levaram a s sociedades abertas (indiva­duos livres) e democra¡ticas osnão fizeram parte de história chinesa em particular e nem dos povos orientais em geral, da modelagem da sua estrutura mental (consciência coletiva).

Ou seja, a forma de governo como se conhece na China, em termos evolutivos, parece ter sido a mais adequada para aqueles grupos humanos que habitam por milhares de anos as regiaµes orientais, por meio da qual garantiram paz e a estabilidade por longos períodos temporais. Talvez por isto seja difa­cil identificar sociedades com largas experiências democra¡ticas na área, com exceção muito recente do Japa£o e da Coranãia do Sul (ambas com tradição de hierarquia social muito ra­gida e passado imperial semelhante ao chinaªs).

Para efeito de comparação, o que serve para confirmar a originalidade chinesa, por que a Raºssia, pioneira na experiência socialista, apesar da similaridade com a China em economia agra¡ria e séculos de herana§a imperial, implodiu? Nãoconseguindo reproduzir o caminho chinaªs de manutenção de uma estrutura de poder forte osadministrada por uma burocracia profissional osconjugada com uma economia de mercado ao tentar copia¡-lo, com a “perestroika” (reestruturação econa´mica) e a “glasnost” (transparaªncia pola­tica)?! Possivelmente porque o DNA da sociedade russa éfortemente composto pela tradição judaica-crista£, simbolizada pela Igreja Crista£ Ortodoxa (o que a China absolutamente desconhece); e porque a elite pola­tica e intelectual, seja da aristocracia czarista ou dos lideres comunistas, foi determinantemente influenciada pela porção ocidental do impanãrio (a nobreza imperial tinha va­nculos familiares e culturais estreitos com a nobreza germa¢nica, francesa e inglesa; e os revoluciona¡rios importaram suas ideias dos teóricos radicais franceses e socialistas/comunistas alema£es).

O germe da contestação, estimulado palas noções de liberdade de pensar e se expressar e do direito de decidir a vida estavam presentes na sociedade russa mesmo quando ela se tornou sovianãtica, sob o comando dos socialistas/comunistas, o que obrigou o aparato de repressão da URSS ser tão violento quanto, poranãm mais sofisticado, do que o chinaªs, coibindo dissidentes mas seduzindo simpatizantes pelo mundo, mediante a ação de infiltração na sociedade civil pelos diversos partidos comunistas, inclusive os do Brasil. Mesmo assim, a Raºssia, dado que nunca foi uma sociedade democra¡tica ossecularmente seu povo são conhece estruturas verticais de comando, com pouqua­ssima participação popular osconseguiu, com Vladimir Putin, desde 2000, investido no papel de czar secular, retomar a importa¢ncia na geopola­tica mundial, não pela pujana§a da economia, mas pela força do arsenal militar e nuclear.

Para concluir, penso que a China mostra os dentes por meio da economia e do poderio militar para dar um recado que sempre quis dar durante milhares de anos de história: não interfiram com os caminhos escolhidos pela sociedade chinesa, ora de fechamento sobre si mesma ora de abertura para o mundo, pois a China, em contrapartida, não interferira¡ nos destinos de nenhumpaís. Com efeito, a China não quer levar direitos humanos e nem democracia para os povos que comercializam com ela, o que interessa são os nega³cios, como eles vivem éum problema de autodeterminação deles!

Na concepção geopola­tica chinesa, quando europeus e americanos procuram exportar valores religiosos, filosãoficos e pola­ticos para outras sociedades criam mais situações de tensão e instabilidade do que de estabilidade e progresso. Observando o permanente conflito do ocidente compaíses mua§ulmanos (Ira£, Iraque, Afeganistão, Palestinos), fico cada vez mais convicto da correção da posição chinesa.

A pola­tica externa dos Estados Unidos com Donald Trump e os republicanos segue na direção da análise desenvolvida aqui, o que lhe custa a acusação de “isolacionista” por parte dos democratas. Na verdade ela traduz o reconhecimento pragma¡tico de que povos de passado imperial ou tribal ainda muito enraizados (principalmente quando os de cultura tribal tem forte componente religioso na sua trajeta³ria) não devem ser forçados a  adoção da cultura ocidental naturalmente cosmopolita, se ela acontecer que ocorra naturalmente, como uma consequaªncia inevita¡vel da integração dos mercados! Deng Xiaoping chamava a isto de “evolução progressiva”, ao alertar para o surgimento de comportamentos ocidentais na sociedade chinesa, o que mais uma vez éum brinde a  sua perspica¡cia!

O Brasil, considerando as peculiaridades próprias da sua formação como sociedade e de suas instituições poderia extrair lições da história pola­tica, administrativa e diploma¡tica da China. Em relação a  pola­tica, a forma de governo republicana expurgada da tradição mona¡rquica simbolizada pelo executivo forte, como poder moderador, tornou-se uma instituição permanentemente geradora de crises e instabilidade, haja vista a própria história republicana após 1889, caracterizada por várias constituições e uma quantidade exorbitante de leis, que como resultado tornaram opaís disfuncional, dificultando o crescimento e o desenvolvimento.

Em relação a  administração, a burocracia estatal em todos os na­veis deveria ser radicalmente profissional, o que significa a proibição rigorosa de milita¢ncia pola­tica partida¡ria dos componentes e das associações de representação, afinal os sala¡rios são financiados pelos cidada£os pagadores de impostos, que tem as mais diferentes preferaªncias ideola³gicas. Além disso, uma administração profissional do Estado, distribua­da pelos três poderes, focada na eficiência e efica¡cia, ajudaria a filtrar o perigo da ascensão de aventureiros pola­ticos desqualificados, fomentadores de incerteza e desordem. Com o aparato burocra¡tico estatal chinaªs, montado por Chou e Deng, dificilmente Mao poderia fazer carreira pola­tica na sociedade chinesa; o mesmo racioca­nio se aplica, caso o modelo fosse adaptado ao Brasil, para os casos de Lula e Dilma, por exemplo.

Em relação a  pola­tica externa, se deve exercitar ostensivamente o pragmatismo, visando os interesses do Brasil no manãdio e longo prazo, o que significa aprofundar as aliana§as com os parceiros cujas tradições culturais são historicamente compartilhadas, ao mesmo tempo em que se faz nega³cio com todos ospaíses, independente das configurações socais e políticas, afinal, como disse um grande autor americano: “Em busca da paz e da estabilidade, muito mais do que a diplomacia profissional e das armas, o comercio anã, por excelaªncia, a diplomacia de Deus”.


*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Prof. Dr. Geraldo Filho 
Universidade Federal do Delta do Parnaa­ba  (UFDPar)

 

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