As madias não apenas representam, mas também constroem a realidade e favorecem o imagina¡rio.
Domanio paºblico
Importante lembrar que uma empresa de madia, guardadas as diferentes possibilidades, reaºne organizações de geração/produção, comercialização e transmissão de conteaºdos de natureza jornalastica e de entretenimento. A paisagem midia¡tica brasileira apresenta uma configuração bastante singular, com a presença de grupos de madia verticalizados com empresas produzindo conteaºdos que sera£o veiculados na TV aberta e fechada, emissoras de ra¡dio, jornais impressos, revistas, plataformas digitais, madias exteriores e outros, em um exercacio de articulação e transbordamento midia¡ticos, além das empresas auta´nomas não integradas em grupos e que compõem a cena como produtoras de natureza diversa, retransmissoras, empresas de infraestrutura, empresas de dados, agaªncias etc.
Diferentemente dos jornais, revistas e plataformas digitais que precisam investir para constituir suas capacidades criadoras e criativas, os canais de transmissão de TV e radiodifusão são uma concessão do Estado, portanto, submetidos a regras de interesse paºblico, inclusive devem atender ao imperativo de serem controlados por maioria de acionistas nacionais. Assim, precisam desenvolver a capacidade produtiva, mas também obter a autorização para o uso das frequências eletromagnanãticas.
Ser uma concessão significa que o Estado da¡ licena§a e autoriza um terceiro para atuar, mediante ditames legais. E por que isso acontece? TVs e ra¡dios (mas também a telefonia ma³vel, a comunicação por satanãlite etc.) operam por meio de ondas eletromagnanãticas que estãodisponaveis, mas são limitadas, por isso são um bem paºblico. O espectro eletromagnético não pode ser usado de maneira desordenada com o risco de se gerar o caos, por isso precisa ser administrado como bem paºblico, ainda que seja imaterial, ou seja, como propriedade de todo ser humano (atendendo ao direito a comunicação presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos), e, consequentemente, propriedade daqueles que o representam em cada nação soberana.
Detentoras desta capacidade (construada e/ou recebida em concessão) de levar mensagens a s pessoas, as empresas de madia expressam a importante função de mediadoras de informações, acontecimentos, relatos, refletindo a realidade na medida em que desempenham uma ação especular, mas simultaneamente sua função étambém simba³lica, uma vez que representam essa mesma realidade a partir das escolhas empreendidas e dos modos de representa¡-la. Assim, a realidade e o simba³lico se encapsulam. Como produtoras de conteaºdo assumem uma terceira função, agora no plano do imagina¡rio, caracterastico das ficções (mas não apenas) onde a produção de sentido écuidadosamente planejada na intencionalidade de autores, diretores, produtores e atores, servindo ao entretenimento, ao conhecimento, ao nosso deleite sensavel, estimulando nossas capacidades imaginativas e sonhadoras. O a¡udio e, ainda de forma mais potente, o audiovisual em movimento são uma potaªncia comunicacional por nos banhar com estamulos multissensoriais.
Nos processos comunicacionais engendrados nas e pelas madias, cada um dos atores ésimultaneamente também espectador, na medida em que a visibilidade do desempenho dos papanãis éinsepara¡vel do espeta¡culo que os atores oferecem de si, mais evidente ainda nos meios audiovisuais. As madias ocupando um papel emblema¡tico, de produção e reprodução do simba³lico no contexto social, além de sua característica expressiva da realidade e do favorecimento imaginativo principalmente nas ficções, são assim organizações “semiotecnologiicas†que integram as dina¢micas sociais, políticas, econa´micas e culturais, por meio de seus valores mais profundos expressos na seleção e edição das mensagens, suas prática s internas, suas decisaµes que determinam o que deve se tornar paºblico e visível ou não.
As madias não apenas representam, mas também constroem a realidade e favorecem o imagina¡rio. Portanto, a seleção das informações que va£o se transformar em notacias não estãoinscrita apenas nos ca³digos de anãtica e prática s profissionais, mas também pelas normas editoriais de cada organização midia¡tica, com isso cresce ainda mais a responsabilidade. Por isso, os textos, as imagens fotogra¡ficas, os infogra¡ficos, os signos sonoros, as reportagens, o tempo de duração ou o tamanho da pa¡gina e qualquer outro conteaºdo e suas expressaµes, ou seja, as representações da realidade que são vinculadas nas madias, se constituem em discursos, pois trazem as marcas indelanãveis das condições em que foram produzidos gerando efeitos de sentido intencionais ou não (o que não diminui a responsabilidade).
Assim, tudo que écomunicado, não apenas no jornalismo, mas em todos os formatos e produtos, incluindo a publicidade veiculada ou inserida nos conteaºdos visuais, a¡udio e audiovisuais, deve ter como princapio o benefacio social. O que em uma linguagem corporativa fica explacito no conceito de responsabilidade social. Ou seja, toda empresa de madia deve ter responsabilidade e ser responsável pelas suas produções e veiculações. E esse princapio da responsabilidade social éinegocia¡vel, primeiro porque o direito a informação éum direito constitucional, portanto, de todos. Segundo porque, ao que se refere a TV e radiodifusão, são madias que operam um bem paºblico (as ondas eletromagnanãticas), portanto a responsabilidade social éredobrada. Terceiro porque não háfena´meno midia¡tico que não seja produtor de sentidos e éaqui que se encontra a “cereja do bolo†encimando as mil folhas dos argumentos que sustentam que tudo em uma empresa de madia éresponsabilidade social.
Responsabilidade éum dever e essa dimensão em uma empresa de madia reveste-se de maior releva¢ncia decorrente de sua natureza produtora de sentidos, portanto, de sua irrefuta¡vel natureza ideola³gica. Desde a angulação da ca¢mera, passando pela nitidez do primeiro plano de uma fotografia, uma imagem em preto e branco, as escolhas das palavras, o tamanho, o tipo e a cor da letra, o tom de voz, a trilha sonora, a roupa, a maquiagem e a expressão da jornalista, quem éa jornalista, o cena¡rio, tudo, absolutamente tudo, produz sentido.
Responsabilidade pressupaµe condições morais para assumir um compromisso e, nesse caso, um compromisso social, com todos os cidada£os, um compromisso firme, transversal e reafirmado cotidianamente com a sociedade, representada pelas relações mais próximas, como os funciona¡rios, fornecedores e parceiros, mas também com cada cidada£o. Nas estruturas organizacionais das empresas de madia não vejo saada a não ser criar ou empoderar áreas destinadas a refletir e a guiar a todos nos princapios da responsabilidade social, como uma ação indutora mesmo.
Quando naturalmente não acontece ou demora muito para acontecer épreciso indução, como nas políticas de cotas osquando atingem seus propósitos, perdem o sentido e deixam de existir. a‰ possível que décadas depois não sejam mais necessa¡rias áreas, diretorias, vice-presidaªncias, geraªncias de responsabilidade social, mas, por enquanto, éurgente taª-las e quanto mais destacada for a posição, mais significativa serásua atuação. Porque são assim as empresas de madia, seus executivos, gestores e cada um dos colaboradores podera£o se manter conectados cognitiva e sensivelmente com os cidada£os e suas demandas prementes, o que no caso brasileiro éainda mais necessa¡rio dadas as preca¡rias condições de milhões de cidada£os. E essa indução étão fundamental porque comum éo distanciamento decorrente do aªxito, da visibilidade e do poder, pra³prios das empresas de madia. O poder tem a nefasta característica de nos desumanizar, e “alguém †precisa cumprir a função de nos lembrar da nossa condição humana e do nosso compromisso paºblico.
A pergunta-mantra que todo executivo de madia deve se fazer obsessivamente anã: o que eu estou fazendo estãopautado na responsabilidade que tenho com a sociedade? E se quiser refinar suas reflexões, seguem-se outras: esta ação éa melhor ação visando ao bem-estar social prioritariamente? Os efeitos de sentido que tenho produzido a partir das minhas decisaµes são afetivamente os melhores para o Paas e para os brasileiros?
Perguntas são sempre difaceis porque perturbam, e pautar nossas ações em favor da coletividade éo melhor, mas não ésimples, principalmente porque as lógicas capitalistas favorecem o individual e o privado. Mas quem tem as melhores condições para fazer perguntas e buscar caminhos? Sem exageros utópicos. Quem tem a responsabilidade moral por ser espelho, construtor social e fomentador dos imagina¡rios coletivos? Resposta: quem tem informação, inteligaªncia e criatividade, e essas condições são abundantes nas empresas de madia porque esses são valores dos profissionais e de seus fazeres. E coeraªncia éfundamental; as empresas de madia não podem seguir emitindo sinais contra¡rios, o que significa que a responsabilidade social deve partir do pra³prio nega³cio, tendo as relações com seus profissionais como princapio sagrado e assim espraiar-se ao social em tudo que faz.
Na empresa de madia tudo éresponsabilidade social e ésão com essa clareza de propósitos que essas empresas cumprira£o com sua missão primordial de ser espelho da realidade, representa¡-la, portanto, assumir sua função simba³lica, mas também de proporcionar a imersãosensíveltão necessa¡ria como estamulo a nossa capacidade criativa e a nossa estabilidade emocional.
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Clotilde Perez
Professora titular de Semia³tica e Publicidade da ECA-USP