O novo coronavarus desembarcou em terras nacionais em um momento de fragilidade polatica, econa´mica e social que contribui para piorar um cena¡rio que já seria naturalmente complicado
Fotomontagem de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre fotos de Pala¡cio do Planalto
A pandemia da covid-19 chegou ao Brasil num panãssimo momento. Qualquer um seria ruim, evidentemente, mas ela desembarcou aqui num momento de confusão e desagregação polatica, fragilidade econa´mica e caraªncias sociais historicamente acumuladas. O potencial infeccioso e mortal dessa doença desconhecida exigia que opaís a enfrentasse sob o comando de uma liderana§a firme, clara, decidida, que orientasse, e atémesmo guiasse, a sociedade na travessia do deserto que se vislumbrava a frente.
O primeiro sinal já foi desanimador. Ainda no inicio de fevereiro, o governo brasileiro hesitou em enviar aviaµes para resgatar brasileiros em Wuhan, na China, origem da pandemia, alegando que seria uma operação muito cara. Felizmente, enviou. O sofrimento pelo qual passaram, antes de nós, a China, a Ita¡lia, Espanha e os Estados Unidos ossão para citar algunspaíses osapontaram caminhos a serem seguidos no combate a covid-19, especialmente em relação ao isolamento social, mas não foram observados e absorvidos, a não ser isoladamente pelo Ministanãrio da Saúde, e a oportunidade de nos precavermos por antecipação foi jogada pela janela.
O fato éque tudo degringolou, com o presidente da República desdenhando da gravidade da pandemia, desautorizando as orientações emanadas do seu pra³prio Ministanãrio da Saúde, entrando em guerra com os governadores que tentaram conter o avanço da doena§a, e o Ministanãrio da Economia, de tendaªncia liberal, resistindo e demorando para colocar recursos a disposição de empresas e trabalhadores e da população em geral para preservar, pelo menos, os sinais vitais da economia. Resultado: já alcana§amos a marca de um milha£o de brasileiros infectados, ultrapassamos os 49 mil mortos e o Produto Interno Bruto desliza perigosamente para uma queda que aponta para 10% em 2020.
O presidente Jair Bolsonaro insistiu desde o princapio que a pandemia não passava de uma “gripezinhaâ€, que a morte éum fato inevita¡vel da vida, participou de manifestações políticas sem máscaras e distanciamentos recomendados para todos os brasileiros e concentra todas as suas energias apenas na permanente disputa polatica que envolve o seu governo, o congresso, o sistema judicia¡rio e a sociedade. Sua postura mina e combate a orientação de médicos e cientistas e governadores de que o isolamento éa melhor arma no momento para combater o alastramento do varus e estimula parcela considera¡vel dos brasileiros a não cumpri-lo e a se arriscarem nas ruas e nos locais de trabalho e paºblicos, especialmente o transporte coletivo.
a‰ compreensavel que a parcela da população cuja renda depende de atividades dia¡rias, especialmente os trabalhadores informais e as empresas produtivas e de servia§o, que são dependem da presença física de sua clientela para operar, se sintam prejudicadas pela polatica de isolamento e estejam angustiadas para gerar caixa. Atémesmo as grandes empresas, com maior lastro financeiro, sofrem ao operar abaixo de sua capacidade de produção e comercialização, mesmo, entre estas, as que tem canais de venda digitais. a‰ de se esperar que almejem que tudo volte ao normal rapidamente. A questãoéque esse rapidamente, esse retorno precoce, pode gerar um aumento na taxa de contaminação na população cujas consequaªncias ainda são imprevisaveis.
Esse sufoco seria menor, em parte evita¡vel, se o governo, principalmente o Ministanãrio da Economia, irrigasse a economia com recursos que azeitassem o seu funcionamento em patamares pelo menos de sobrevivaªncia. Este deveria ser o papel de um Estado que compreendesse e aceitasse sua função de estimulador da atividade econa´mica em momentos de grave crise. Nãoéo caso do Ministanãrio da Economia dirigido por Paulo Guedes, de orientação liberal e preocupado, acima de tudo, com o desequilabrio fiscalsensívelque herdou de governos anteriores. Claro, o governo ofereceu recursos a s empresas e a população, mas insuficientes, boa parte dos quais ficou empoa§ado nos bancos, eternamente preocupados com a inadimplaªncia, e chegaram a ponta, a quem deveria recebaª-los, lentamente, quando chegaram. Numa crise como a atual, um governo deveria fazer um balana§o entre o que émais importante e urgente para a sociedade e o que éadministra¡vel com políticas de longo prazo. O equilabrio fiscal ou o combate a covid-19?

O auxalio emergencial foi criado para socorrer trabalhadores informais durante a
pandemia. Foto: Leonardo Sa¡/Agência Senado
Como efeitos colaterais graves, épreciso registrar o desmonte do Ministanãrio da Saúde, órgão gestor e gerador de imprescindaveis políticas públicas, especialmente do SUS, que éo sustenta¡culo do atual combate a pandemia, de norte a sul do Brasil. Qual a perspectiva de reconstrução desse órgão vital para a saúde pública no Brasil quando os especialistas da área foram afastados e não hásinais de que profissionais do ramo voltem a ter espaço em seus quadros, especialmente os diretivos?
At last but not at least, o que seráda educação e da ciência no Brasil? Nãofoi a covid-19 que instalou uma sanãria crise na educação brasileira, ela vem de antes, graças a desimporta¢ncia que o atual governo da¡ ao tema, vital para o futuro dopaís. Os recentes titulares do Ministanãrio da Educação não tinham qualquer intimidade com o tema e se guiavam por dogmas ideola³gicos retra³grados. Nãoháperspectiva de melhora.
Nestes tempos de covid-19, o isolamento aconselhava pesados investimentos num sistema de aulas a distância nos ensinos fundamental e manãdio, cujo alunato, em sua maioria, écarente de recursos tecnola³gicos eficientes para acompanha¡-lo. Nãofoi feito com a necessa¡ria abrangaªncia, atéporque éuma tarefa de grande porte numpaís com asDimensões do Brasil. Havera¡ sanãrias lacunas a preencher quando as aulas forem retomadas.
O esfora§o e a eficiência das Universidades, especialmente as públicas, na promoção de pesquisas sobre medicamentos, terapias, equipamentos para o combate a covid-19, deu-lhes uma notoriedade ampar diante da sociedade brasileira, evidenciando sua importa¢ncia para a ciência brasileira e o desenvolvimento dopaís. Parte significativa delas, entre elas a USP, mobilizou seus recursos para o ensino a distância para que a formação dos quadros que dirigira£o opaís no futuro prosseguisse com o manimo de prejuazo no momento. Mas dos Ministanãrios da Educação e da Ciência e Tecnologia não emanou qualquer orientação.
A retomada da vida normal na sociedade brasileira no período pa³s-pandemia, que não se sabe, ainda, quando e como se dara¡, éprofundamente desafiador, exigira¡ um grande esfora§o de reconstrução e renovação em todas as áreas da vida da sociedade. Aprendemos com os acertos e erros cometidos neste período tão perturbador? Sairemos melhor do outro lado?
A resposta estãonas ma£os de todos os brasileiros.
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva
do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do
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Luiz Roberto Serrano
Superintendente de Comunicação Social da USP