Opinião

Covid-19, ciaªncia, paºblico e políticas públicas
A pandemia da covid-19 exigiu e continua exigindo transformaa§aµes no modo de fazer ciência e de divulga¡-la. O que talvez seja um bem-vindo anaºncio do futuro que veio para ficar.
Por Franco M. Lajolo - 23/06/2020

Doma­nio paºblico

A emergaªncia que estamos vivendo nesta pandemia da covid-19 reforça a importa¢ncia da pesquisa cienta­fica. A ciência éuma das mais poderosas formas de produzir conhecimento, e o conhecimento écada vez mais essencial para entendermos o mundo em que vivemos e para vivermos melhor nele, desenvolvendo uma sociedade cada vez mais justa. Sabemos hoje que as ciências ba¡sicas, as aplicadas e as sociais tem enorme importa¢ncia econa´mica e social: ao longo do tempo, tiveram papel determinante na evolução da sociedade e no bem estar da humanidade.

Exemplos marcantes dessa atuação são as respostas a  necessidade de produzir alimentos para os mais de 7 bilhaµes de pessoas no mundo, as tecnologias para garantir sua conservação, distribuição e segurança. Deve-se também a  ciência a redução das doenças e os avanços na compreensão delas.

Esses benefa­cios são foram possa­veis pelo conhecimento sem precedentes dos mecanismos celulares, moleculares e genanãticos, o que levou a  criação de medicamentos que contribua­ram, ao longo da história, para expressivo e bem-vindo aumento na expectativa de vida. As vacinas que protegem da poliomielite, do tanãtano, da coqueluche, do sarampo e de muitas outras doenças tem base em descobertas cienta­ficas de variadas áreas da ciência

a‰ importante que a sociedade esteja consciente desse papel, o que requer, dos cientistas, esfora§o grande de comunicação. No mundo atual, a preocupação com a informação sanãria e compreensa­vel oscompreensa­vel para além do restrito ca­rculo dos pares osprecisa fazer parte das funções dos pesquisadores.

Nas atividades de pesquisa osparticularmente nas desenvolvidas na universidade osgeram-se ao mesmo tempo soluções para problemas ao lado dos recursos humanos necessa¡rios para isso. A construção desse sistema de pesquisa, de ciência e de tecnologia leva muito tempo e requer recursos da sociedade de forma conta­nua, definida e esta¡vel, o que osinfelizmente osnão tem sido uma constante no Brasil, embora, recentemente, tenha ficado cada vez mais visível a importa¢ncia da pesquisa e do conhecimento cienta­fico oso existente e o do que vem sendo gerado, agora emergencialmente ospara o combate a  pandemia do coronava­rus.

Cientistas estãose mobilizando como nunca antes ocorreu. Muitas instituições, incluindo empresas, estãotrabalhando colaborativamente, procurando entender como o va­rus atua na canãlula, ensaiando e produzindo fa¡rmacos ostestando os novos e os já existentes oscom o objetivo de combater esse va­rus.

Grandes editoras cienta­ficas disponibilizam seus acervos permitindo socialização do conhecimento, além de publicação rápida de pesquisas recentes, ao mesmo tempo em que as ma­dias sociais, muito atentas, procuram levar rapidamente a informação ao paºblico.

Ou seja, a ciência nunca se moveu tão rapidamente.

No Brasil, ao lado da competaªncia de trabalho com big data e inteligaªncia artificial, desenvolvido em universidades e instituições privadas, a exploração da biodiversidade pode ser uma estratanãgia interessante que se beneficiaria do conhecimento acumulado por diversos grupos de cientistas brasileiros.

Ha¡ hoje no mundo 136 vacinas em desenvolvimento, valendo-se de estratanãgias diferentes, baseadas no va­rus, em vetores virais ou protea­nas. Dez estãoem ensaios clínicos de fase II ou III. O Instituto Butanta£, em parceria com o laboratório chinaªs Synovac, inicia, em breve, os ensaios clínicos de fase III de uma delas, com 9 mil voluntários. Devera¡ usar plataforma tecnologiica de produção baseada no know-how existente no instituto obtido atravanãs da produção de outras vacinas. Sera¡ também testada no Brasil, pela Unifesp, uma vacina desenvolvida na universidade inglesa de Oxford, em parceria com a Astra Zenca.

Entre os medicamentos hámais de 1.500 ensaios clínicos registrados em andamento no mundo, sendo que 153 estudam reposicionamento de fa¡rmacos, que por já terem tecnologia de produção e segurança demonstradas podem acelerar o processo de descoberta, o que ossem estas condições –, para uma molanãcula nova, poderia levar atédez anos.

Poucos meses depois do ini­cio da pandemia no Brasil, institutos, universidades, empresas, ma­dia, grupos de pesquisa, sociedade em geral, se mobilizaram num grande esfora§o de integração transdisciplinar, interinstitucional dentro do Paa­s e com o exterior, produzindo e trocando dados e complementando projetos.

Redefiniram-se projetos de pesquisa, e agaªncias como a Fapesp estabeleceram novas prioridades destinando fundos para projetos emergenciais. Iniciaram-se pesquisas sobre vacinas, estudos sobre a estrutura do va­rus, modelos matema¡ticos para predições epidemiola³gicas; montaram-se ensaios clínicos em humanos sobre tratamento, pesquisaram-se novos testes diagnósticos, construa­ram-se toma³grafos e respiradores.

Isso permitiu, entre nós, o dia¡logo cienta­fico internacional de altonívele participação em esforços globais integrados de pesquisa de desenvolvimento de vacinas e medicamentos ao lado de estudos epidemiola³gicos.

Simultaneamente a este cena¡rio positivo, foi revelada nossa deficiência na estrutura hospitalar, na notificação epidemiola³gica e na caraªncia de recursos dispona­veis; o que deixou mais claro, a partir de discussaµes na ma­dia e com a sociedade, o importanta­ssimo papel da ciência e de nossas instituições de pesquisa.

A ciência tornou-se hoje, no mundo, a grande protagonista pautando o debate paºblico e propondo formatos necessa¡rios e urgentes para políticas de ciência e tecnologia. A comunidade cienta­fica brasileira reagiu com agilidade a desafios atépoucos meses antes desconhecidos, mostrando por que éessencial manter um sistema sãolido e internacionalizado de ciência e tecnologia e de formação e recursos humanos, que são pode ser garantido por políticas de longo prazo e continuidade de financiamento paºblico.

A ciência sozinha, poranãm, não resolve todos os problemas. Sa£o igualmente necessa¡rias políticas públicas adequadas baseadas no conhecimento produzido. E épreciso ainda levar informação cienta­fica a  sociedade para que, informada, ela não se deixe levar por afirmações distorcidas, não fique refanãm de fake news e não permita a politização da saúde e do medicamento.

Um exemplo talvez ilustre o ta³pico.

A ausaªncia de pesquisas cienta­ficas que evidenciem efeitos preventivos da cloroquina lembra a situação de poucos anos atrás, quando a USP foi obrigada, por decisão judicial, a produzir e distribuir fosfoetanolamina para tratamento do ca¢ncer, o que osjá se sabia e continua confirmado osera totalmente ineficaz. A decisão foi revogada, mas depois de gastos altos completamente desnecessa¡rios.

A pandemia que estamos enfrentando deixara¡ marcas e impactara¡ o futuro. Ainda não sabemos em que medida vai provocarmudanças nem quais sera£o suas consequaªncias na ciaªncia, na economia e na sociedade. Instituições, pesquisadores e profissionais de diversas áreas da medicina, da economia, das ciências sociais, da engenharia e de outras áreas debrua§am-se sobre a questão. O que talvez permita acreditar que a ciência e as instituições de ensino e pesquisa, a partir de tudo o que estamos vivendo, possam oscada vez mais osestabelecer relações efetivas e reconhecidas com a sociedade.

Diante de problemas cada vez mais globais como pandemias, questões ambientais e de segurança, fica ainda mais clara a importa¢ncia da interdisciplinaridade, da internacionalização, da colaboração global e entre instituições públicas e privadas ao lado da existaªncia de políticas públicas solidamente apoiadas na melhor ciência

Concluindo: a pandemia da covid-19 exigiu e continua exigindo transformações no modo de fazer ciência e de divulga¡-la. O que talvez seja um bem-vindo anaºncio do futuro que veio para ficar.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Franco M. Lajolo
Professor emanãrito da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas, e ex-vice-reitor da USP

 

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