A pandemia da covid-19 exigiu e continua exigindo transformaa§aµes no modo de fazer ciência e de divulga¡-la. O que talvez seja um bem-vindo anaºncio do futuro que veio para ficar.
Domanio paºblico
A emergaªncia que estamos vivendo nesta pandemia da covid-19 reforça a importa¢ncia da pesquisa cientafica. A ciência éuma das mais poderosas formas de produzir conhecimento, e o conhecimento écada vez mais essencial para entendermos o mundo em que vivemos e para vivermos melhor nele, desenvolvendo uma sociedade cada vez mais justa. Sabemos hoje que as ciências ba¡sicas, as aplicadas e as sociais tem enorme importa¢ncia econa´mica e social: ao longo do tempo, tiveram papel determinante na evolução da sociedade e no bem estar da humanidade.
Exemplos marcantes dessa atuação são as respostas a necessidade de produzir alimentos para os mais de 7 bilhaµes de pessoas no mundo, as tecnologias para garantir sua conservação, distribuição e segurança. Deve-se também a ciência a redução das doenças e os avanços na compreensão delas.
Esses benefacios são foram possaveis pelo conhecimento sem precedentes dos mecanismos celulares, moleculares e genanãticos, o que levou a criação de medicamentos que contribuaram, ao longo da história, para expressivo e bem-vindo aumento na expectativa de vida. As vacinas que protegem da poliomielite, do tanãtano, da coqueluche, do sarampo e de muitas outras doenças tem base em descobertas cientaficas de variadas áreas da ciência
a‰ importante que a sociedade esteja consciente desse papel, o que requer, dos cientistas, esfora§o grande de comunicação. No mundo atual, a preocupação com a informação sanãria e compreensavel oscompreensavel para além do restrito carculo dos pares osprecisa fazer parte das funções dos pesquisadores.
Nas atividades de pesquisa osparticularmente nas desenvolvidas na universidade osgeram-se ao mesmo tempo soluções para problemas ao lado dos recursos humanos necessa¡rios para isso. A construção desse sistema de pesquisa, de ciência e de tecnologia leva muito tempo e requer recursos da sociedade de forma contanua, definida e esta¡vel, o que osinfelizmente osnão tem sido uma constante no Brasil, embora, recentemente, tenha ficado cada vez mais visível a importa¢ncia da pesquisa e do conhecimento cientafico oso existente e o do que vem sendo gerado, agora emergencialmente ospara o combate a pandemia do coronavarus.
Cientistas estãose mobilizando como nunca antes ocorreu. Muitas instituições, incluindo empresas, estãotrabalhando colaborativamente, procurando entender como o varus atua na canãlula, ensaiando e produzindo fa¡rmacos ostestando os novos e os já existentes oscom o objetivo de combater esse varus.
Grandes editoras cientaficas disponibilizam seus acervos permitindo socialização do conhecimento, além de publicação rápida de pesquisas recentes, ao mesmo tempo em que as madias sociais, muito atentas, procuram levar rapidamente a informação ao paºblico.
Ou seja, a ciência nunca se moveu tão rapidamente.
No Brasil, ao lado da competaªncia de trabalho com big data e inteligaªncia artificial, desenvolvido em universidades e instituições privadas, a exploração da biodiversidade pode ser uma estratanãgia interessante que se beneficiaria do conhecimento acumulado por diversos grupos de cientistas brasileiros.
Ha¡ hoje no mundo 136 vacinas em desenvolvimento, valendo-se de estratanãgias diferentes, baseadas no varus, em vetores virais ou proteanas. Dez estãoem ensaios clínicos de fase II ou III. O Instituto Butanta£, em parceria com o laboratório chinaªs Synovac, inicia, em breve, os ensaios clínicos de fase III de uma delas, com 9 mil voluntários. Devera¡ usar plataforma tecnologiica de produção baseada no know-how existente no instituto obtido atravanãs da produção de outras vacinas. Sera¡ também testada no Brasil, pela Unifesp, uma vacina desenvolvida na universidade inglesa de Oxford, em parceria com a Astra Zenca.
Entre os medicamentos hámais de 1.500 ensaios clínicos registrados em andamento no mundo, sendo que 153 estudam reposicionamento de fa¡rmacos, que por já terem tecnologia de produção e segurança demonstradas podem acelerar o processo de descoberta, o que ossem estas condições –, para uma molanãcula nova, poderia levar atédez anos.
Poucos meses depois do inicio da pandemia no Brasil, institutos, universidades, empresas, madia, grupos de pesquisa, sociedade em geral, se mobilizaram num grande esfora§o de integração transdisciplinar, interinstitucional dentro do Paas e com o exterior, produzindo e trocando dados e complementando projetos.
Redefiniram-se projetos de pesquisa, e agaªncias como a Fapesp estabeleceram novas prioridades destinando fundos para projetos emergenciais. Iniciaram-se pesquisas sobre vacinas, estudos sobre a estrutura do varus, modelos matema¡ticos para predições epidemiola³gicas; montaram-se ensaios clínicos em humanos sobre tratamento, pesquisaram-se novos testes diagnósticos, construaram-se toma³grafos e respiradores.
Isso permitiu, entre nós, o dia¡logo cientafico internacional de altonívele participação em esforços globais integrados de pesquisa de desenvolvimento de vacinas e medicamentos ao lado de estudos epidemiola³gicos.
Simultaneamente a este cena¡rio positivo, foi revelada nossa deficiência na estrutura hospitalar, na notificação epidemiola³gica e na caraªncia de recursos disponaveis; o que deixou mais claro, a partir de discussaµes na madia e com a sociedade, o importantassimo papel da ciência e de nossas instituições de pesquisa.
A ciência tornou-se hoje, no mundo, a grande protagonista pautando o debate paºblico e propondo formatos necessa¡rios e urgentes para políticas de ciência e tecnologia. A comunidade cientafica brasileira reagiu com agilidade a desafios atépoucos meses antes desconhecidos, mostrando por que éessencial manter um sistema sãolido e internacionalizado de ciência e tecnologia e de formação e recursos humanos, que são pode ser garantido por políticas de longo prazo e continuidade de financiamento paºblico.
A ciência sozinha, poranãm, não resolve todos os problemas. Sa£o igualmente necessa¡rias políticas públicas adequadas baseadas no conhecimento produzido. E épreciso ainda levar informação cientafica a sociedade para que, informada, ela não se deixe levar por afirmações distorcidas, não fique refanãm de fake news e não permita a politização da saúde e do medicamento.
Um exemplo talvez ilustre o ta³pico.
A ausaªncia de pesquisas cientaficas que evidenciem efeitos preventivos da cloroquina lembra a situação de poucos anos atrás, quando a USP foi obrigada, por decisão judicial, a produzir e distribuir fosfoetanolamina para tratamento do ca¢ncer, o que osjá se sabia e continua confirmado osera totalmente ineficaz. A decisão foi revogada, mas depois de gastos altos completamente desnecessa¡rios.
A pandemia que estamos enfrentando deixara¡ marcas e impactara¡ o futuro. Ainda não sabemos em que medida vai provocarmudanças nem quais sera£o suas consequaªncias na ciaªncia, na economia e na sociedade. Instituições, pesquisadores e profissionais de diversas áreas da medicina, da economia, das ciências sociais, da engenharia e de outras áreas debrua§am-se sobre a questão. O que talvez permita acreditar que a ciência e as instituições de ensino e pesquisa, a partir de tudo o que estamos vivendo, possam oscada vez mais osestabelecer relações efetivas e reconhecidas com a sociedade.
Diante de problemas cada vez mais globais como pandemias, questões ambientais e de segurança, fica ainda mais clara a importa¢ncia da interdisciplinaridade, da internacionalização, da colaboração global e entre instituições públicas e privadas ao lado da existaªncia de políticas públicas solidamente apoiadas na melhor ciência
Concluindo: a pandemia da covid-19 exigiu e continua exigindo transformações no modo de fazer ciência e de divulga¡-la. O que talvez seja um bem-vindo anaºncio do futuro que veio para ficar.
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva
do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do
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Franco M. Lajolo
Professor emanãrito da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas, e ex-vice-reitor da USP