Opinião

Quando isolar-se éum ato de solidariedade
Jornalista propaµe aa§aµes para minimizar os impactos da pandemia entre os mais pobres
Por Marcus Vinicius dos Santos - 26/06/2020

Doma­nio paºblico

O Brasil encontra-se na chamada curva ascendente de Covid-19. Ou seja, o número de casos estãoaumentando muito em várias cidades dopaís. Entretanto, o melhor anta­doto para essa escalada, o isolamento social, pode ser impossí­vel para as pessoas que vivem nas periferias e aglomerados. A pobreza e a desigualdade condenam uma grande parcela da população a não ter meios de combater uma pandemia dessa magnitude. 

Os números corroboram essa realidade: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estata­stica, o IBGE (2018), quase 60% dos mais pobres não tem coleta de esgoto em seus domica­lios. O Instituto afirma, ainda, que o prea§o dos aluguanãis sobrecarrega 6% dos moradores do Sudeste, 12% dos brasileiros vivem em lugares inadequados e quase 15% da população abaixo da linha da pobreza habita cômodos com mais de três pessoas. Ou seja, uma cama para cada um ou um banheiro dentro de casa pode ser um luxo para milhões de brasileiros. agua abundante para lavar as ma£os ou tomar banho, também. alcool 70%, um sonho! 

Por tudo isso, ações solida¡rias são muito importantes neste momento. Os governos não conseguiram socorrer os brasileiros mais vulnera¡veis da forma necessa¡ria e anunciada. A pandemia acirrou o desemprego e escancarou as dificuldades estruturais enfrentadas pelas comunidades mais pobres. Então, se vocêpode, doe. Tambanãm podemos dar preferaªncia aos nega³cios menores, "comprar do pequeno", desde que se observem os cuidados ba¡sicos de higiene amplamente recomendados. O frio chegou, e a fome tem pressa! Nem todos podem aproveitar o fato de estar em casa para fazer “aquele” prato especial, simplesmente porque não tem o que comer. Cada cidada£o poderia avaliar o que épossí­vel fazer pelo outro ou por uma comunidade.

Em um cena¡rio como esse, a ideia de distanciar as pessoas, de proclamar “fique em casa”, pode parecer conversa de gente mal-intencionada. Nãoanã. Pelo contra¡rio. Ninguanãm queria ficar em casa dessa forma. Quase ninguanãm tem dinheiro sobrando ou certeza do que o espera pela frente. Entretanto, manter as pessoas distanciadas umas das outras reduz as chances de se encontrar um doente pelas ruas e minimiza drasticamente as perdas de vidas humanas. Quem pode ficar em casa protege quem precisa sair de casa: não são os mais pobres, mas também os profissionais de saúde e de segurança, além de todas as outras pessoas que não podem deixar de trabalhar. 

A economia éfeita de pessoas. Morrem as pessoas, e com elas também podem morrer as chances de um nega³cio, de sustento de uma fama­lia, de amparo emocional a todos os membros daquele lar.


Minas Gerais já registra mais de 90% de ocupação dos leitos de UTI. Se a capacidade de atendimento hospitalar alcana§ar seu limite não serápossí­vel atender os doentes, pobres ou ricos, como já ocorreu em outrospaíses. Se o volume de mortes se tornar astrona´mico, o impacto econa´mico pode ser ainda maior, além do impacto emocional e social nas fama­lias. Diferentemente do que supaµe o senso comum, ficar em casa também reduz as perdas econa´micas em longo prazo, como demonstra estudo realizado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG, o Cedeplar. A economia éfeita de pessoas. Morrem as pessoas, e com elas também podem morrer as chances de um nega³cio, de sustento de uma fama­lia, de amparo emocional a todos os membros daquele lar. Menos pessoas nas ruas, em um momento de maior circulação do va­rus e de menor capacidade de atendimento nos hospitais, não éhipocrisia, como questionam alguns. a‰ valorizar a vida! 

A Covid-19 não éinofensiva, como pensam outros. a‰ grande o ceticismo em relação a  doena§a. Indignada, uma moradora do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, fez o seguinte relato: “aqui as pessoas circulam sem ma¡scara na rua, os micro-a´nibus são andam lotados e sujos, os bares estãosempre cheios, as festas não cessaram, e pessoas que nunca fizeram caminhada agora estãofazendo!” Por quaª? “Porque, para a maioria delas, ficar dentro de casa émuito difa­cil. A rua éo espaço onde elas podem se encontrar com outras pessoas.” O resultado disso, também segundo a moradora, já évisível no surgimento de mais casos, incluindo profissionais do posto de saúde da regia£o.

Ma¡scaras e protetores faciais ajudam na estratanãgia de dificultar o conta¡gio, desde que usados adequadamente, mas não resolvem o problema. Lavar as ma£os ajuda mais. Mas também pode não resolver se a pessoa for surpreendida por um espirro contaminado ou levar a ma£o sem querer aos olhos ao arrumar a ma¡scara, por exemplo. Por isso tudo, o sentimento de solidariedade e generosidade deve ser reforçado com o pedido que já virou borda£o: Cuide-se e se proteja. Se puder, fique em casa! 

Por ora, a parte que cabe a todo brasileiro consiste basicamente em dar mais tempo para que os profissionais do sistema de saúde e da ciência fazm a parte deles. No entanto, quando tudo passar, serápreciso promover um amplo debate nacional sobre justia§a social, saúde pública, proteção dos mais pobres e a existaªncia de regiaµes sem saneamento, ordem e progresso. Atéla¡, espero que estejamos todos juntos.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Marcus Vinicius dos Santos
Assessor de Comunicação do ICB, doutor em Ciência

 

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