Opinião

Monges, especialistas em distanciamento social, encontram força isoladamente
Em períodos de dificuldade e isolamento, meus estudos como historiador da religia£o medieval europeia me atraem para os monges que ensinaram que a solida£o cura a mente e o corpo e aproxima um dos outros.
Por Michael A. Vargas - 04/07/2020

Pixabay
O estar sozinho como fonte de cura, não de isolamento. 

Precisa de um ha¡bito para passar por tempos difa­ceis? Tente a solida£o.

Desde a retirada das chuvas de Buda, há2.500 anos, os sa¡bios celebram o poder transformador de estar sozinho. Nos mosteiros cristãos, a atenção silenciosa tornou-se parte da rotina cotidiana do século VI, após o aparecimento de um livro de princa­pios e diretrizes mona¡sticos chamado "A regra de Sa£o Bento".

Em períodos de dificuldade e isolamento, meus estudos como historiador da religia£o medieval europeia me atraem para os monges que ensinaram que a solida£o cura a mente e o corpo e aproxima um dos outros.

Em ouvir e agir

O autor de “A Regra”, Bento de Nursia, viveu durante os últimos anos caa³ticos da Roma antiga, um período de pragas, intolera¢ncia e, para alguns cristãos primitivos, auto-isolamento.

Em vez de se retirar para o deserto ou viver em cima de pilares, tentando imitar Cristo em atos de aceticismo extremo , Bento queria uma vida mona¡stica que combinasse "ora et labora" - trabalho e oração. Deveria impor, ele pensou, " nada duro ou rigoroso ".

Escultura em marfim de Sa£o Grega³rio escrevendo sobre a vida de Sa£o Bento
de Naºrcia, século XI. Museu Kunsthistorisches via Wikimedia Commons

O estilo de vida mona¡stico pode parecer severo para os tempos modernos, mas a opinia£o de Bento sobre a contemplação religiosa foi moderada em comparação com as experiências de sua anãpoca. Sua orientação para os monges - que comea§a com um convite gentil e poanãtico para ouvir " o ouvido do coração " - rapidamente se tornou o padrãomona¡stico.

Hoje, continua sendo o quadro tradicional pelo qual historiadores , fila³sofos e tea³logos consideram a contemplação como uma busca mona¡stica.

Cerca de 1.400 anos após as Regras de Bento, os escritos de Thomas Merton sobre sua experiência como monge trapista americano influenciaram gerações de cristãos que buscavam cura espiritual.

Nascido na Frana§a em 1915, Merton se mudou para os Estados Unidos depois que sua ma£e morreu, quando ele tinha seis anos. Seu pai morreu logo depois. Sua autobiografia de 1948, " A Montanha dos Sete Andares ", descreve o longo período de busca da alma que terminou quando ele reconheceu que a solida£o havia se tornado o anta­doto para seu sofrimento.

Ficar sozinho em silaªncio não era sobre a retirada do mundo para Merton. Em vez disso, a solida£o, como base para o aumento da autoconsciência, levou a uma maior compaixa£o pelos outros. Merton expressou essa percepção, que sustentou seu ativismo ao longo da vida nas causas da paz e da justia§a social, em " No Man Is an Island ", publicado em 1955 e agora um cla¡ssico da espiritualidade crista£.

"Nãopodemos nos encontrar dentro de nosmesmos, mas apenas nos outros", escreveu ele, "mas, ao mesmo tempo, antes de podermos sair para os outros, precisamos primeiro nos encontrar".

A compaixa£o éuma estrada difa­cil

Nem todos os monges conseguem encontrar a paz interior atravanãs da solida£o, como Merton fez.

Um monge baªbado do século XIII.
Wikimedia Commons

Tome a Ordem Dominicana dos Pregadores . Enquanto pesquisava um livro sobre as experiências da ordem durante um século 14 doente e desorientado na Espanha, encontrei muitas falhas entre os irmãos mendigos frades.

Além de alguns exemplos de sexo ila­cito e criminalidade pública, hámuitos casos de comportamento perturbador, obsceno e rude.

Em 1357, logo após a Peste Negra, por exemplo, dois dos homens da ordem, Francesa§ Peyroni e Bartomeu Capit, começam a brigar, batendo e se chutando atéque, finalmente, bateram com uma pedra na cabea§a, Capit perdeu a capacidade de falar.

Enquanto isso, alguns dos dominicanos que estudei buscavam vantagens pessoais, corrompendo o sistema eleitoral e o governo da ordem, incentivando a violência dos cruzados e liderando inquisições repressivas.

As faznhas dos frades bad boys da Espanha contribuem para uma boa leitura, mas também levantam uma pergunta desanimadora: se profissionais experientes podem falhar no progresso contemplativo, como as pessoas comuns podem esperar alcana§ar os benefa­cios da solida£o?

Mantenha-o simples, mantenha-o em movimento

Para algum consolo, considere a “ Nuvem do Desconhecimento ”, um manual prático para o trabalho da solida£o reflexiva. Escrito por um autor ana´nimo do final do século XIV, éamplamente considerado como um dos maiores guias espirituais medievais.

A “nuvem do desconhecimento” chama a prática do exerca­cio da solida£o. Uma comparação dia¡ria ajuda aqui: assim como correr ou caminhar, algum exerca­cio émelhor do que nada, e mais éainda melhor. Encorajar-se a ficar quieto, quieto e sozinho ébenanãfico, não importa quanto esfora§o seja necessa¡rio.

O autor da "Nuvem" diz que um guia ou treinador pode oferecer conselhos aºteis, vários " truques e dispositivos e sutilezas secretas ", mas nada disso énecessa¡rio. O mais importante écomea§ar e continuar: “ Nãofique para trás, mas trabalhe nele atésentir o desejo ”.

Fazer o exerca­cio da solida£o, em vez de aperfeia§oa¡-lo, éo que conta.

A prática contemplativa no mundo ocidental tem sido historicamente a busca de homens privilegiados, como muitos outros reinos. Na idade média, os clanãrigos frequentemente desprezavam a espiritualidade feminina. Hoje, éclaro, a meditação de e para mulheres écomum.

Os praticantes aspirantes da solida£o nos tempos turbulentos de hoje podem encontrar um guia capaz em Anthony De Mello , um padre jesua­ta indiano, psicoterapeuta, contador de histórias e professor espiritual ativo na década de 1980 - uma espanãcie de iogue cata³lico.

Padre Athony De Mello, ensinando a arte da solida£o desde 1978.
Como o autor da "Nuvem do Desconhecimento", De Mello se concentrou no silaªncio reflexivo como uma maneira de separar as palavras, conceitos e emoções que podem causar problemas. Seu best-seller de 1978, " Sadhana - Um Caminho para Deus: Exerca­cios Cristãos na Forma Oriental ", oferece conselhos práticos com uma mensagem encorajadora de "Bem, isso éum bom começo".

Muitos sites oferecem gravações de a¡udio e va­deo das conferaªncias de De Mello. Eles são super retra´ , mas também, acho, adequados para esse momento de violência, doença e protesto.

Quando todos os dias conspiram contra a paz interior, momentos de solida£o valem ainda mais a pena.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Michael A. Vargas
Professor de Hista³ria, Universidade Estadual de Nova York em New Paltz

 

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