Opinião

A inovação como pedra angular para a retomada da economia
Como podemos contribuir para tornar o Paa­s melhor após a pandemia? Minha resposta éa seguinte: considere a fase de retomada como uma oportunidade de reinvena§a£o, ou seja, de inovaa§a£o.
Por Marcelo Caldeira Pedroso - 28/07/2020


Doma­nio paºblico

Uma das questões atuais anã: como seráo mundo, ou particularmente o Brasil, após a pandemia da covid-19? Podemos fazer uma prospecção de cenários para debater essa questão. Poranãm, essa pergunta não seráobjeto de discussão neste artigo. A questãoa ser explorada éde natureza proativa, qual seja: como podemos contribuir para tornar o Paa­s melhor após a pandemia?Vamos comea§ar pela pedra angular, apresentada no ta­tulo. Essa pedra, também conhecida como pedra fundamental, era utilizada nas antigas construções como a primeira a ser assentada na formação de uma obra. O seu posicionamento, em geral na esquina de um edifa­cio, direcionava a colocação das demais pedras, possibilitando um alinhando de toda a construção.

Avana§amos para o termo retomada. Esta última implica dar continuidade a algo, ou continuar o que foi interrompido. Certamente éimportante voltar a fazer algo que já faza­amos, assumindo que seja efetivo. No entanto, a pandemia causou uma ruptura (ou “disrupção”), ou seja, uma interrupção do curso normal de um caminho. O novo caminho, também chamado de novo normal ou pa³s-normal [1], certamente serádiferente do anterior. Assim, espera-se que novos caminhos sejam trilhados na retomada da economia.

Nesse contexto, na maior parte dospaíses foi adotado o distanciamento social como estratanãgia para mitigar os efeitos da pandemia na mortalidade da população. Isso foi particularmente importante para atenuar ou evitar o colapso do sistema de saúde, como ocorreu na Ita¡lia [2]. Como resposta ao distanciamento social, alguns setores passaram pormudanças. Dentre estes estãoa saúde (por meio da telemedicina), educação (ensino a distância), alimentação (servia§os de delivery), entretenimento (entretenimento a distância) e atividades administrativas (home office). E, a despeito da flexibilização do distanciamento social, parte dessasmudanças pode ser incorporada após a pandemia. Por exemplo, a adoção de novas tecnologias na educação, bem como a combinação de atividades presenciais e virtuais pode fazer com que o blended learning (ou ensino ha­brido) seja considerado o novo normal na educação.

Nesse sentido, o novo normal nos traz a seguinte reflexa£o: quais conceitos, prática s e conhecimentos, va¡lidos no cena¡rio anterior a  pandemia, continuara£o va¡lidos? E quais precisara£o ser reinventados? Essas questões formam a base para a consideração da inovação como a pedra angular para o período pa³s-pandemia. Assim, alguns conceitos, prática s e conhecimentos continuara£o va¡lidos, poranãm aplicados em outro contexto (o novo normal), o que éuma forma de inovação. E outros conceitos, prática s e conhecimentos devera£o passar por uma reinvenção. Esta éa própria natureza da inovação.

Vamos citar alguns exemplos de inovações associadas a  retomada da economia. A comea§ar pelo Plano Sa£o Paulo, que contempla a estratanãgia e respectivas diretrizes, definidas pelo governo estadual, para a retomada da economia durante a pandemia da covid-19. Cabe destacar que, tradicionalmente, os processos de decisão e execução na gestãopública são relativamente complexos. Isso ocorre uma vez que organizações públicas geralmente experimentam maior turbulaªncia, interrupção e conflito quando comparadas com organizações privadas [3]. No governo, essas questões tendem a se exacerbar, com processos decisãorios que podem apresentar limitações de integração entre diferentes esferas governamentais, a citar: os três poderes (executivo, legislativo e judicia¡rio) e suas diferentes esferas (federal, estadual e municipal) e órgãos.

Nãoobstante essa complexidade, o governo do Estado de Sa£o Paulo tem adotado inovações em gestãopara lidar com a pandemia. Nesse sentido, Sa£o Paulo foi o primeiro Estado do Brasil a criar um Centro de Contingaªncia da Saúde para enfrentamento da covid-19, formado por alguns dos principais profissionais do setor de saúde do Paa­s [4].

As equipes de apoio ao Centro de Contingaªncia foram organizadas como scrum teams. Nesse sentido, elas adotaram os preceitos da auto-organização e multifuncionalidade. Nesse formato de organização por projetos, as equipes escolhem a melhor forma de realizar seu trabalho (são auto-organizadas) e apresentam as competaªncias necessa¡rias (são multifuncionais) para executar um projeto ou atividade [5]. As entregas são realizadas no formato de produtos ma­nimos via¡veis (ou MVPs osMinimum Viable Product‎s). Estes são soluções com a quantidade ma­nima possí­vel de recursos e que resolvem um problema para o qual foram concebidas.

Esse modelo organizacional possibilita maior celeridade nas entregas e melhor integração entre diferentes áreas. Exemplo disso foi a implantação do Censo Covid-19 [6], uma solução pioneira no Brasil. O Censo Covid éum sistema de indicadores para monitoramento da capacidade do sistema de saúde (ex.: taxa de ocupação de leitos UTI covid) e de evolução da epidemia (ex.: quantidade de novas internações nos últimos sete dias). Em aproximadamente dois meses, o Censo Covid obteve a adesão de 99% dos hospitais do Estado. Os indicadores do Censo Covid tem sido centrais para o desenvolvimento do Plano Sa£o Paulo, que éa estratanãgia do governo do Estado de Sa£o Paulo para combater a covid-19. Nesse caso, três dos cinco critanãrios do Plano SP são calculados por meio dos dados do Censo Covid. Esses dados fornecem as evidaªncias para as decisaµes governamentais no a¢mbito da pandemia.

Outro exemplo remete a  FEA-USP. A diretoria dessa instituição tem encorajado seus docentes, funciona¡rios tanãcnico-administrativos e alunos com a seguinte reflexa£o, no contexto do recomeço da economia: “como podemos, numa visão de longo prazo, proporcionar ainda mais competitividade para a comunidade feana?”. Os professores Fabio Frezatti e JoséAfonso Mazzon, respectivamente diretor e vice-diretor da unidade, fazem uma analogia com os saltos de um canguru, uma vez que este não consegue dar saltos para trás, ele se move sempre para frente. Segundo esses professores, “demos um salto muito grande (no primeiro semestre de 2020), não esperado… E agora? Vamos para os outros saltos, com alturas e distâncias bem diferentes, mais desafiadoras” [7]. Essa éa lógica da inovação aplicada a  fase de retomada da economia.
Assim, retomo a pergunta inicial do artigo: como podemos contribuir para tornar o Paa­s melhor após a pandemia? Minha resposta éa seguinte: considere a fase de retomada como uma oportunidade de reinvenção, ou seja, de inovação.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Marcelo Caldeira Pedroso
Professor livre-docente da FEA/USP

 

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