Opinião

O comportamento do consumidor brasileiro e a crise sanita¡ria
Restria§aµes de cranãdito, como o pra³prio termo indica, impedem os consumidores de financiarem o consumo. Enquanto certos consumidores parcelam a compra de eletrodomanãsticos, outros tomam empréstimos para a compra de um carro ou de uma casa pra³p
Por Fábio Augusto Reis Gomes e Marcos Endo - 05/08/2020


Doma­nio paºblico

Os fatores que determinam o padrãode consumo dos brasileiros são diversos e, talvez por isso, devaªssemos inclusive usar o termo “padraµes de consumo”. A despeito dessa heterogeneidade, nossas pesquisam identificam dois determinantes do consumo em nossopaís: restrições de cranãdito e motivo precaucional. Esses determinantes são especialmente importantes na atual crise sanita¡ria, pois limitam o consumo, mesmo com a reabertura do comanãrcio.

Restrições de cranãdito, como o pra³prio termo indica, impedem os consumidores de financiarem o consumo. Enquanto certos consumidores parcelam a compra de eletrodomanãsticos, outros tomam empréstimos para a compra de um carro ou de uma casa própria. Nesses casos as compras não são pagas com recursos que os consumidores dispaµem imediatamente, sendo viabilizadas pelo cranãdito. Os resultados de nossas pesquisas indicam que a renda (PIB) e o volume de cranãdito tem certa capacidade de prever o crescimento do consumo do Paa­s como um todo, o que evidencia que os consumidores brasileiros sofrem severas restrições de cranãdito.

O Banco Central disponibiliza informações sobre o cranãdito a  pessoa física desde 2007. Segundo nossos ca¡lculos, em 2007 esse cranãdito equivalia a 14% do PIB brasileiro e, em 2020, atingiu 28% (veja gra¡fico abaixo). De acordo com dados do Fundo Moneta¡rio Internacional, em 2007 a proporção ta­pica (mediana) dessa proporção empaíses desenvolvidos era 61%. Portanto, embora o cranãdito tenha crescido no Brasil, ainda estamos muito aquanãm dospaíses desenvolvidos. A questãoéque a necessidade de cranãdito também tem seus determinantes e, se a demanda cresce mais rapidamente do que a oferta, que deve ser o caso no momento, o consumo brasileiro refletira¡ isso. Sem cranãdito, a renda corrente torna-se o determinante primordial do consumo e estamos vivenciando um momento de queda de renda.

Gra¡fico “Crédito Pessoa Fa­sica como proporção do PIB(%)”
 Foto: Banco Central do Brasil

Quanto ao motivo precaucional, ele simplesmente nos diz que diante da incerteza a respeito da renda futura, os consumidores poupam mais, como forma de se precaverem. Ora, toda essa análise nos permite trazr dois perfis de consumidores: um que não amplia seu consumo por falta de acesso ao cranãdito, outro que tem recursos dispona­veis, mas prefere economiza¡-los.

Essa perspectiva nos leva a crer que a reabertura do comanãrcio tera¡ menos impacto do que os lojistas imaginariam. Os setores considerados essenciais continuaram abertos ao longo da crise e devem ter sofrido relativamente pouco. Continuamos fazendo compras nos supermercados, por exemplo. No entanto, com a retomada do comanãrcio em geral, pergunta-se: o consumidor tera¡ recursos imediatos ou acesso ao cranãdito para financiar suas compras? Aqueles que dispaµem de recursos va£o se comportar como antes? A resposta prudente énegativa para ambas as perguntas. De acordo com o Relata³rio de Inflação do Banco Central divulgado em mara§o, o cranãdito pessoal deve crescer menos que o esperado no ini­cio do ano e a incerteza éelevada.

Outro fator importante e que pode ser visto como uma extensão do usual motivo precaucional éo receio de contaminação. Talvez parte dos consumidores não queira apenas se precaver poupando mais, mas, também, circulando menos. Nesse caso, eles não se deslocariam para fazer compras. Naturalmente, sofreriam menos com isso os setores que tem capacidade de encurtar distâncias com sistemas de entregas em domica­lio ou drive-thru, por exemplo.

Certamente parte dessas inovações veio para ficar, mas a retomada da normalidade passa pela retomada da renda, do cranãdito e da tranquilidade de nos movimentarmos. Em outras palavras, precisamos ser bem-sucedidos no combate a  pandemia para a economia realmente voltar a  normalidade. Enquanto isso, consumidores que dependem de cranãdito devem ser obrigados a adiar suas decisaµes de consumo e consumidores preocupados com o aumento da incerteza retardara£o a expansão da demanda. Dessa forma, um retorno com menos sofrimento a  nova normalidade deve ter como um de seus pilares aliviar tais efeitos adversos que nossas pesquisas tem identificado.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Fa¡bio Augusto Reis Gomes, professor, e Marcos Endo, doutorando, ambos do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeira£o Preto da USP

 

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