Opinião

Explosão em Beirute: quando a negligaªncia se transforma em traganãdia
A explosão em Beirute nos mostra o quanto importantes são essas normas e por que elas devem ser cumpridas com muito rigor.
Por Mauro Bertotti - 06/08/2020


Reprodução

Uma explosão devastadora em um porto de Beirute na tera§a-feira, 4 de agosto, matou mais de 100 pessoas e feriu pelo menos 5.000. De acordo com relatos da imprensa local, o acidente parece ter ocorrido como resultado da combustão de uma substância denominada nitrato de ama´nio, cuja fa³rmula química éNH4NO3. As autoridades libanesas informaram que havia 2,7 mil toneladas de nitrato de ama´nio estocadas em uma unidade de armazenamento na regia£o portua¡ria da cidade. A explosão inicial provocou um incaªndio, enquanto a segunda resultou em uma nuvem apocala­ptica de coloração marrom e com formato de cogumelo. O deslocamento de ar oriundo da explosão gerou uma onda de choque que se propagou por uma enorme distância, causando destruição generalizada.

O nitrato de ama´nio éum sal cristalino branco, muito solaºvel em águae com ponto de fusão ao redor de 170oC. Por conta do baixo custo de produção industrial, éempregado principalmente como fonte de nitrogaªnio em fertilizantes, mas também tem uso reconhecido na produção de explosivos. A dissolução do nitrato de ama´nio em águaconsiste em um processo endotanãrmico, ou seja, calor éabsorvido das vizinhana§as. Por esta raza£o, a temperatura da solução resultante após a dissolução émenor do que a ambiente, justificando o uso desta substância em embalagens de resfriamento instanta¢neo. Quando o nitrato de ama´nio éaquecido a elevadas temperaturas, ocorre processo de decomposição com formação de a³xidos de nitrogaªnio e vapor de a¡gua. Um destes a³xidos éo NO2, gás amarronzado, e a presença da nuvem desta cor após a explosão em Beirute éuma forte evidência de que compostos nitrogenados, como o nitrato de ama´nio, tiveram participação no acidente.

Por ser um reagente com potencial uso explosivo, a aquisição do nitrato de ama´nio écontrolada pelo Exanãrcito. Entretanto, tal composto éesta¡vel a  temperatura ambiente e pode ser encontrado em laboratórios qua­micos, inclusive nos de graduação em cursos denívelsuperior. Para que um acidente ocorra com nitrato de ama´nio, muitos aspectos devem ser neglicenciados ao mesmo tempo, e parece que este foi o caso da explosão em Beirute.

Processos de combustão requerem oxigaªnio, o qual existe em grande quantidade no nitrato de ama´nio. Esta substância não explode espontaneamente, mas em elevadas temperaturas decompaµe-se de forma muita rápida, com formação de gases. Esta propriedade foi a responsável pelo acidente em Beirute, porque um gás assume volume muito superior ao de um sãolido, e este volume aumenta ainda mais em elevadas temperaturas, como as resultantes dos processos de combustão. Como consequaªncia da expansão do ar em curto espaço de tempo, originam-se as chamadas “ondas de choque”. Nãoexistem ainda informações conclusivas sobre como o acidente se iniciou, mas háevidaªncias preliminares de que um incaªndio pode ter atuado como fonte de ignição para a combustão do nitrato de ama´nio. Como provavelmente o material não estava armazenado de maneira segura, houve consumo total durante a combustão, resultando numa cata¡strofe deDimensões alarmantes.

Por conta dos enormes riscos associados a  combustão do nitrato de ama´nio, o armazenamento seguro requer a manutenção da substância longe de qualquer combusta­vel e fonte de ignição. O estoque deve ser feito em recipientes pequenos e afastados uns dos outros para que, se um deles explodir, a combustão fique restrita ao local onde ele se encontra e não se alastre. O nitrato de ama´nio éclassificado como reagente perigoso e todos os aspectos envolvendo o seu uso são rigorosamente regulamentados no Brasil.

A explosão em Beirute nos mostra o quanto importantes são essas normas e por que elas devem ser cumpridas com muito rigor. Acidentes similares com o nitrato de ama´nio já ocorreram no passado e em diferentespaíses, e esta mais nova traganãdia comprova que, infelizmente, ainda temos muito a avana§ar na criação de protocolos ra­gidos de segurança para lidar com substâncias potencialmente perigosas.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Mauro Bertotti
Professor titular do Instituto de Quí­mica da USP

 

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