Opinião

1930: a revolução nonagena¡ria
''Trata-se mesmo édo grande movimento revoluciona¡rio que mudou de certa forma a fisionomia pola­tica e social dopaís e que, em outubro pra³ximo, completa nove décadas''
Por Vladimir Carvalho - 09/09/2020


Doma­nio paºblico

Nãofoi uma insurreição de velhinhos como se pode supor a partir do tí­tulo acima, atéporque os longevos daquela anãpoca não chegavam facilmente aos 90 anos de idade como ocorre em muitos casos hoje graças aos progressos das ciências. Trata-se mesmo édo grande movimento revoluciona¡rio que mudou de certa forma a fisionomia pola­tica e social dopaís e que, em outubro pra³ximo, completa nove décadas. Os anos de 1920 já prenunciavam em muitos setores da comunidade brasileira uma vontade insopita¡vel demudanças e foram marcados por uma inquietação e um alarido com o fim de despertar o Brasil, o gigante adormecido pela inanãpcia e incaºria da Primeira República, precocemente velha.

Em cotejo com outrospaíses, esta¡vamos estagnados. Nãoavana§a¡vamos no terreno das ciências, a educação era uma quimera e o analfabetismo batia no teto. A economia marcava passo no sobe e desce dos prea§os do cafanã, nosso principal produto de exportação no mercado internacional, obrigando-nos a constantes queimas de divisas que enfraqueciam o Tesouro Nacional. Nas artes, salvara-se ; com ressalvas ; o barulho feito pela Semana de Arte Moderna.

Segua­amos no ritmo lerdo, marcado desde muito pela oligarquia dos coronanãis donos de terra em prejua­zo dos pobres e de uma classe média que, nos grandes centros urbanos, comea§ara, poranãm, a dar sinais de inquietação. Os primeiros a se rebelarem contra esse estado de coisas foram os militares, que vinham em desacordo com o governo de Artur Bernardes. Em julho de 22, um grupo de tenentes dominou o Forte de Copacabana e depois de desigual, mas renhido combate, foram vencidos no episãodio que ficou conhecido como Os Dezoito do Forte.

Os ;tenentes; se reagrupariam em 1924 em torno de Lua­s Carlos Prestes e Miguel Couto com o propa³sito de levantar opaís, pregando a revolução, na tentativa de sublevar as populações marginalizadas pelas oligarquias e contra o governo. Encetaram hera³ica marcha que são terminaria em 1927, cobrindo 24 mil quila´metros de norte a sul do Brasil, o que ficou conhecido lendariamente pelo nome de Coluna Prestes, em homenagem ao capitão comandante.

Seu feito seria enaltecido pelo poeta Pablo Neruda, mas, na prática e em termos revoluciona¡rios, não obteve o aªxito pretendido, embora tenha permanecido como marcante esta­mulo pola­tico no espa­rito da classe média urbana. Os militares, leia-se o tenentismo, seguiram conspirando juntamente com as liderana§as de jovens pola­ticos dos partidos burgueses em ascensão, com forte protagonismo dos gaaºchos.

No ini­cio de 1929, o presidente Washington Lua­s lançou a candidatura do paulista Jaºlio Prestes, do PRP, desrespeitando o pacto tradicional da pola­tica conhecida popularmente como cafécom leite. Era a vez dos mineiros, que entraram em rebulia§o. Do tremendo mal-estar resultou a criação da Aliana§a Liberal e o lana§amento de Getaºlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, para presidente, tendo como vice o presidente da Paraa­ba, Joa£o Pessoa. As eleições de 1; de mara§o de 1930 deu a vita³ria ao candidato oficial, apesar do aparente favoritismo de Vargas. O pleito foi vastamente acusado de fraudulento, com protestos que nada alcana§aram de positivo nos tribunais.

Instalou-se então um período de insatisfação e conspiração entre as jovens liderana§as e os tenentistas, que se posicionaram mais uma vez a favor de uma revolução. Demorou, mas justo em 26 de julho daquele ano, ocorreu, para surpresa de todos, o assassinato de Joa£o Pessoa perpetrado pelo advogado Joa£o Duarte Dantas, desafeto pola­tico de Pessoa. A pola­cia varejara o escrita³rio de Dantas, confiscando e publicando cartas a­ntimas por ele escritas a  sua noiva, Anayde Beiriz, poeta e feminista.

O clima virou e forte comoção popular sobreveio reacendendo o estopim da oposição. Juarez Ta¡vora, membro proeminente da Coluna Prestes, fechou com os gaaºchos de Vargas e junto com JoséAmanãrico de Almeida ; secreta¡rio de estado de Joa£o Pessoa ; foi a  garra levantando o Norte e o Nordeste. O fanãretro do presidente partiu de navio do porto de Cabedelo, fazendo paradas estratanãgicas, com direito a discursos em várias capitais, atéchegar ao Rio de Janeiro, onde multidaµes o levaram ao sepultamento. O resumo da traganãdia virou história com imagens retumbantes dos gaaºchos amarrando seus cavalos no obelisco da Cinela¢ndia. Seguiram-se a deposição de Washington Lua­s e a consequente ascensão de Getaºlio a  presidaªncia. Esse anã, em linhas gerais, o ;enredo; do meu filme O homem de areia, realizado há40 anos.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não 

Vladimir Carvalho
Professor emanãrito da Universidade de Brasa­lia

 

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