Nos assusta como a ciaªncia, a saúde, o meio ambiente e a educação estãosendo tratados de forma autocra¡tica. Em quaisquer destas áreas de grande importa¢ncia para a sociedade brasileira, vemos inaºmeras traganãdias anunciadas ou em curso.

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O Brasil já passou por muitas crises, sob diferentes regimes e governos. Somadas as nossas trajeta³rias como ex-presidentes da Sociedade Brasileira de Genanãtica (SBG), testemunhamos momentos craticos para nossa democracia, economia e, consequentemente, nosso bem-estar como nação. Vencemos muitos desafios a frente dessa antiga e respeitada sociedade cientafica. Apesar de tantas experiências e histórias para contar, assistimos estarrecidos ao resultado do negacionismo e da irresponsabilidade do governo atual. Sa£o muitos os exemplos de políticas equivocadas e descaso com a verdade, o que coloca em jogo o futuro do Brasil como uma nação livre, democra¡tica e pra³spera.
Nos assusta como a ciaªncia, a saúde, o meio ambiente e a educação estãosendo tratados de forma autocra¡tica. Em quaisquer destas áreas de grande importa¢ncia para a sociedade brasileira, vemos inaºmeras traganãdias anunciadas ou em curso. O Ministanãrio do Meio Ambiente atual estãotomando atitudes ou ignorando problemas que estãolevando a uma destruição sem precedentes da natureza do Brasil, e pior, sendo plenamente endossado pelo presidente. O imediatismo governa as ações desses gestores, como se o fogo que queima as nossas matas e campos não vira¡ cobrar a conta no futuro, impactando a nossa economia pelos prejuazos que teremos a longo prazo nos setores da agricultura, saúde e meio ambiente. Essa conta vira¡, como inúmeros estudos cientaficos de brasileiros e estrangeiros indicam.
O meio ambiente agoniza. A alma dos nossos andios estãosendo vendida num leila£o (parodiando Renato Russo) junto com as riquezas da nossa terra, consideradas pelo governo como mais valiosas e importantes do que as vidas humanas que nela habitam. Pois não são. As riquezas do solo da nossa terra são tem valor se propiciarem bem-estar para os povos que nela vivem, os primeiros brasileiros. Esses brasileiros querem paz e saúde, querem a floresta e os animais protegidos. De pouco valem os avisos e apresentação de dados e evidaªncias feitos por organizações governamentais como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) ou Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais). Para se desvencilhar desses dados, demissaµes de pesquisadores e técnicos competentes são a resposta mais comum do governo, para permitir “passar a boiadaâ€, como disse o sr. ministro Salles. Mais fa¡cil éo governo apoiar a grilagem de terras e garimpeiros clandestinos. As queimadas da Amaza´nia e Pantanal seguem, independente de avisos cientaficos que demonstram que a agropecua¡ria brasileira cresce, sem necessitar aumento de terras. De pouco valem os apelos internacionais que chamam a atenção para o momento doloroso em que vivemos tanto em termos de conservação do meio ambiente quanto de direitos humanos. Para o governo federal, que sobrevive de falsas notacias (fake news), trata-se de uma conspiração internacional, mesmo contra toda a evidência cientafica.
A ciência no Brasil ruma para o desmonte, com cortes inimagina¡veis, sobretudo para a formação de novos pesquisadores. Os laboratórios de pesquisa estãosendo sucateados. Os cientistas, ignorados de uma maneira sem precedentes. O governo vem adotando políticas indubitavelmente anticientaficas. A pesquisa cientafica feita principalmente nas universidades públicas étotalmente negligenciada, com decisaµes que buscam o desmonte de uma estrutura que tem contribuado com a formação de competaªncia, desenvolvimento e justia§a social. O desprezo pelo conhecimento cientafico por parte do governo tem gerado efeitos catastra³ficos para o Brasil, seja na saúde, seja no meio ambiente, seja na educação. A pandemia de covid-19, que já foi considerada gripezinha nas palavras do sr. presidente, continua sendo negligenciada e matando centenas de brasileiros todos os dias. Ao mesmo tempo que o governo federal cobra pela produção imediata de vacinas, estabelece postura de discriminação aos centros de pesquisa que trabalham com os testes de segurança e eficácia de candidatas a vacinas, como a Fiocruz e universidades públicas. Posições anticientaficas por parte de governantes são inadmissaveis pela sua letalidade, no sentido literal da palavra.
O que falar da educação? Que projeto temos para esta pasta, cujos critanãrios utilizados para a escolha de seus dirigentes estãolonge de ser técnicos? Nãoparece ser por acaso que a educação éonde o governo tem batido mais fortemente com seu discurso ideola³gico. a‰ desesperador citar aqui frases como “A vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa (…). Bons resultados não sera£o obtidos por manãtodos suaves (…). Deve haver rigor, (a criana§a) deve sentir dorâ€, vindas daqueles que tem (ou tiveram nos últimos anos) a responsabilidade pela educação dos brasileiros. Ha¡ muito por se fazer na educação, mas nada justifica o retrocesso a escurida£o da ignora¢ncia. Além do cara¡ter fortemente ideola³gico, somos ainda surpreendidos com cortes profundos nos últimos anos e que continua sendo apresentado para o ora§amento de 2021 para a educação. Ou seja, tudo que já estãoruim pode ainda ficar muito pior.
As universidades públicas brasileiras estãosendo sufocadas pelos enormes cortes de verbas. Assiste-se a uma clara tentativa de destruição das universidades públicas e da excelaªncia acadaªmica, por prática s crescentes que visam erodir da consciência coletiva da sociedade o importante papel transformador dessas instituições. Vemos com tristeza a autonomia das universidades sendo vilipendiada. Já se somam importantes universidades nas quais o atual governo tem imposto o reitor a sua comunidade, desconsiderando a tradição democra¡tica construada com muito esfora§o por essas instituições desde o tanãrmino da ditadura militar. Qual pode ser a intenção dessas ações além da destruição das universidades públicas no Brasil, um dos maiores patrima´nios de nossa sociedade?
Nãose faz uma grande nação sem ciência e educação. Nãoconseguiremos construir uma sociedade mais justa, inclusiva e rica para todos se nossa ciência e nossa educação forem sufocadas e estagnadas. a‰ preciso avaliar que futuro a sociedade brasileira almeja. Continuar dilapidando os recursos naturais de nosso territa³rio para comprar a custos elevados novas tecnologias que são necessa¡rias para o nosso bem-estar? O que fazer, quando não nos quiserem vender uma vacina, por exemplo, porque nosnão teremos capacidade de produzi-la? Definitivamente, éurgente priorizar a produção e a apropriação do conhecimento por nossa sociedade; a ciência e a educação são os instrumentos cruciais para que as futuras gerações possam construir uma nação verdadeiramente soberana.
Nãopodemos compactuar com o estabelecimento do negacionismo cientafico na ma¡quina estatal e com o desmonte de nossas instituições de pesquisa cientafica e agentes de fomento como vem ocorrendo no Brasil. A negação de evidaªncias, da ciência e da educação pode comprometer o futuro do Paas por décadas. Independente de posições políticas, os ex-presidentes da Sociedade Brasileira de Genanãtica se colocam de forma totalmente contra¡ria a essa postura indigna do governo federal brasileiro. Se essas atitudes do governo federal, de negação da ciaªncia, contra a educação, saúde, meio ambiente, etc., não correspondem a Crime de Responsabilidade, não sabemos o que pode ser. Temos que nos preparar para a reconstrução do Paas.
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva
do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do
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Ma¡rcio de Castro Silva FilhoÂ
(Esalq/USP), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Genanãtica,