A vacinação éum direito, mas também uma obrigaa§a£o. Vacinar-se não éuma opa§a£o individual, pois não se vacinar, além de afetar o indivaduo, afeta a sociedade como um todo.

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Vacinas no século XX e XXI
No século XX a produção, armazenamento e vacinação em massa tornaram-se uma realidade. O exemplo da primeira vacina contra a varaola éica´nico, pois mostra o inicio do conceito de vacinas, as dificuldades de se produzir, estocar e distribuir a vacina e o efeito da vacinação em massa. No Brasil a vacinação em massa erradicou a varaola em 1973, a poliomielite em 1989 e controlou o sarampo, tanãtano e outra infecções, fatos que comprovam a eficácia do Programa Nacional de Vacinação, que infelizmente sofre abalos atualmente.
Em relação a vacinação contra o tanãtano e a difteria, o francaªs Gaston Ramon, do Instituto Pasteur, e o inglês Alexander Thomas Glenny merecem destaque. Ramon, um veterina¡rio, observou que cavalos que produziam um soro antitoxina mais potente apresentavam no local da injeção uma reação inflamata³ria maior do que aqueles com menor inflamação. Nesse sentido, ele tentou induzir uma inflamação mais intensa no local com substâncias inflamata³rias que ele denominou de adjuvantes (do latim adjuvare, ajudar) que são atualmente utilizados em várias formulações vacinais e em imunoterapias.
Glenny, por sua vez, mostrou que a resposta imune ao toxoide (toxina inativada) diftanãrico era mais intensa quando a imunização (vacina) era feita com toxoide precipitado em sal de alumanio referido como alum. Alum éo nome genanãrico de adjuvantes que usam alumanio em sua composição e que são utilizados atualmente em várias vacinas, como a traplice, hepatite A e B, papilomavarus, estreptococos, meningite, entre outras.
Vacinas para tudo?
a‰ possível vacinar-se contra tudo? A resposta énão. Nãose tem vacinas contra vários tipos de infecções, como mala¡ria, leishmaniose, safilis, toxoplasmose, HIV, hepatite C e outras. No entanto, épossível prever para quais tipos de infecções serámais difacil produzir vacinas protetoras e eficazes. Isso porque as vacinas eficazes disponíveis são geralmente contra infecções que causam uma doença aguda que, quando resolvida de algum modo, o indivaduo nunca mais desenvolve a mesma doena§a, como no caso de sarampo, poliomielite, hepatite A. Por outro lado, doenças que se tornam crônicas, nas quais o indivaduo nunca se livra do agente infeccioso, como HIV, hepatite C ou doenças que acometem o indivaduo mais de uma vez, como mala¡ria, dificilmente tera£o vacinas. No caso de viroses, a taxa de mutação do varus influencia a eficiência da vacina. Assim sendo, quanto mais mutações sofre um determinado varus, como acontece na hepatite C e na Aids, mais difacil serádesenvolver uma vacina.
O exemplo do varus da influenza (gripe), um dos principais varus respirata³rios, éilustrativo. As pessoas se infectam com um tipo de varus especafico e não se infectam mais com o mesmo varus. No entanto, o varus da influenza pode sofrer mutação extensa na sua estrutura molecular (antagenos), fena´meno denominado “deriva antigaªnica†(do inglês antigenic drift) ou sofrer pequenas mutações que acarretam pequena mudança na composição antigaªnica do varus (antigenic shift).
Essasmudanças tornam o varus muito ou um pouco diferente do original e o sistema imune deixa de reconhecaª-lo. Daa a necessidade de vacinar a população a cada ano, pois sempre surgem varus mutantes da influenza para os quais não existe memória imunola³gica. Esse também éo motivo que explica por que as pessoas podem ter gripe (influenza) várias vezes. A pandemia da gripe espanhola em 1918, que causou a morte de aproximadamente 50 milhões de pessoas, foi causada por uma deriva antigaªnica (mudança significativa) do varus da influenza.
Como uma vacina funciona?
De modo geral uma vacina simula uma infecção causando o manimo de dano possível, obedecendo ao princapio médico de não causar dano maior que o da infecção original (primum non nocere) e, para tanto, se usa agentes infecciosos atenuados, inativados ou fragmentados (diferentes moléculas que compõem o varus).
No caso da vacina da influenza, são utilizados dois tipos de vacinas: uma inativada (varus morto) e outra atenuada (varus vivo). A vacina inativada usa o varus fixado em formol ou partes ou subunidades do varus incorporadas em adjuvantes oupartículas semelhantes ao varus. Já a atenuada usa virions, que são varus que infectam mas não são capazes de se replicar.
Algumas vacinas, como a da febre amarela, são foram eficazes quando se usou varus vivo atenuado, o que levou muito tempo e foi difacil de se conseguir. Max Theiler, trabalhando na Rockefeller, desenvolveu finalmente a vacina (17D) contra a febre amarela em 1937. Va¡rias vacinas além da febre amarela usam varus atenuados, como a vacina oral da poliomielite e as vacinas contra sarampo, caxumba, rubanãola, entre outras.
Vacinas para covid-19
Os varus da familia Coronaviridae infectam humanos e a maioria deles causa uma infecção respirata³ria discreta. Poranãm, alguns varus recentes desta familia causaram uma Sandrome Respirata³ria Aguda Severa (Sars) como éo caso do Sars-CoV-1, Mers-CoV (causador da Sandrome Respirata³ria do Oriente Manãdio) e do Sars-CoV-2, este último responsável pela pandemia atual denominada de covid-19.
Uma característica marcante da covid-19 éque o varus tem uma capacidade excepcional de transmissão, atingindo praticamente todo o planeta. A boa notacia éque a maioria das pessoas se recupera da infecção, indicando que construir uma vacina éfactavel. Realmente háem curso várias formulações vacinais em teste, sendo algumas em fase final.
No Brasil, pelo menos duas vacinas estãoem fase final: a vacina chinesa (Sinovac Biotech), que utiliza varus inativado incorporado em adjuvante (alum), e a vacina do Reino Unido, da Universidade de Oxford, que utiliza um adenovarus de chimpanzéque não consegue se multiplicar em humanos e que foi modificado para expressar a proteana S (spike-espacula), responsável pela entrada do varus nas células.
No futuro épossível que se utilize uma combinação de vacinas e diferentes vias de administração, intramuscular e intranasal, em forma de spray, para potencializar o seu efeito protetor.
Vacine-se
Como mencionado, o programa de vacinação em massa no Brasil erradicou a varaola em 1973 e a poliomielite em 1989. a‰ desnecessa¡rio dizer que a vacinação reduz a mortalidade e evita internações hospitalares que são onerosas ao Paas como um todo. Mesmo assim, a cobertura vacinal no Brasil vem caindo, como a de poliomielite, e doenças que já havaamos eliminado comea§am a aparecer, como o surto de sarampo em 2018. Para piorar, o movimento antivacinas ganha terreno em váriospaíses, inclusive no Brasil.
Nãoépossível entender um movimento desse tipo a luz dos benefacios das vacinas na prevenção de infecções na primeira infa¢ncia e provavelmente nas novas pandemias que temos e ainda teremos pela frente.
A covid-19 ilustra bem esse problema pois se trata de uma zoonose cujo varus Sars CoV-2, que éendaªmico em morcegos, para infectar os humanos teve que se modificar (mutação) e se adaptar aos humanos, e não o contra¡rio. Ou seja, são os microrganismos/varus que se adaptam aos hospedeiros, pois são eles que se multiplicam rapidamente e sofrem mutações permanentemente que permitem pular de espanãcies ou infectar várias vezes a mesma espanãcie. A adaptação dos animais émais difacil porque depende de seleção natural, o que demora para se estabelecer uma vez que necessita ser passada de pais para filhos.
A vacinação éum direito, mas também uma obrigação. Vacinar-se não éuma opção individual, pois não se vacinar, além de afetar o indivaduo, afeta a sociedade como um todo. Além do mais, afirmar que são se vacina quem quer éinduzir o cidada£o a cometer um crime previsto no artigo 268 do Código Penal, referido como “infringir determinação do poder paºblico destinada a impedir a propagação de doença contagiosaâ€. Por se tratar de uma pandemia, a vacinação ganha contornos internacionais, ficando impossível viver ou se movimentar neste planeta sem se vacinar.
Na realidade, os varus coevoluem com outras espanãcies e muitas vezes contribuem para a adaptação das espanãcies na natureza, como no caso da formação da placenta, e outras vezes infectam por acaso, como no caso da covid-19. No entanto, a nossa sociedade, da forma como estãoestruturada, não pode prescindir das vacinas, que cada vez mais utilizam conhecimentos cientaficos de ponta no seu aprimoramento.
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Momtchilo Russo
Professor titular do Departamento de Imunologia do ICB-USP e do Departamento de Molanãstias Infecciosas da FMUSP