Opinião

Gramsci e a Universidade
Gramsci, se tivesse olhando o Brasil, diagnosticaria a insuficiência da vida universita¡ria e a mediocridade cienta­fica e pedaga³gica dos professores.
Por José Machado Moita Neto - 03/11/2020


Plataforma9

Recentemente, enquanto fazia o trabalho braçal (coletar mangas e cajus e aguar plantas), estava ouvindo o podcast “Gramsci Audio”, de Radu Stochita, pelo Spotify. Em certo momento tive que suspender o serviço para escutar e consultar o episãodio que antes apenas ouvia, pois me chamou atenção o assunto abordado. De imediato fiz a anotação no smartphone para pesquisa posterior: S1E15 osdelle universita¡ italiana. Esta pesquisa me levou ao site http://www.gramsciproject.org/ e, dentro dele, ao texto especa­fico que havia escutado (Q 1, 15 - Delle universita  italiane). Reproduzi, no anexo, o texto para que os interessados mais rapidamente o coloquem no tradutor e tenham uma ideia geral do assunto. 

Uma pergunta ainda pertinente hoje que pode ser formulada anã: Por que a Universidade Federal não pauta a vida cultural do estado? A melhor resposta éporque suas iniciativas são poucas, desarticuladas e voltadas principalmente para o paºblico interno da instituição. Gramsci também caminha seu argumento em outra direção que nos levaria a seguinte pergunta alternativa: Por que, na Universidade Federal, não háuma efetiva integração entre ensino e pesquisa? O diagnóstico de Gramsci, adaptado para nossa situação, poderia ser o seguinte: excetuando a Iniciação Cienta­fica e o trabalho de conclusão de curso (TCC), o ensino édesarticulado com a pesquisa. Alguns alunos são manifestam interesse para pesquisa no final do curso, quando precisam de um tema de TCC, condição obrigata³ria para la¡urea universita¡ria.

Temos que ler Gramsci assumindo pelo menos três deslocamentos que dificultam a sua compreensão: O espacial (7500 km), o temporal (1929-2020) e o cultural (Brasil-ita¡lia). Como se não bastasse, Gramsci éum outlier no campo marxista, tendo uma trajeta³ria singular. Pelo menos em seus cadernos do ca¡rcere, o “top of mind” não éMarx, que aparece citado 70 vezes, e sim Croce (182) e Maquiavel (76) que são mais citados que Marx. As palavras mais frequentes nos cadernos, após a limpeza daquilo que fica barrado pelo filtro dos triplos deslocamentos, são: Materialismo Hista³rico (122), Estado (104); Filosofia (97); Intelectuais (80), Literatura popular (79) e Pola­tica (77).  Ele éum marxista que teve a compreensão clara da necessidade de reflexa£o sobre novas estratanãgias políticas que enfrentasse os problemas reais de seu tempo. A análise marxista não perdeu a potaªncia, mas a estratanãgia da anãpoca de Marx não pode ser acolhida dogmaticamente. Portanto, um seguidor de Gramsci deve ser aquele que reflete sobre a realidade injusta e elabora caminhos de modifica¡-la e, não propriamente quem o dogmatiza. Refletir e agir são papel do intelectual que conhece os limites e responsabilidades advindos com sua formação.

O olhar de Gramsci sobre a universidade italiana de sua anãpoca não pode ser utilizado no Brasil pelo triplo deslocamento. O mesmo vale para tantos outros aspectos de seu pensamento. Contudo, conhecer aquele diagnóstico émais do que uma simples curiosidade hista³rica. Provoca-nos a também fazer uma reflexa£o sobre o papel da universidade federal. O contato entre estudante e professores não éorganizado: éum diagnóstico de Gramsci. O seu pensamento fica mais claro quando exemplifica que o professor expaµe a sua lição e depois vai embora. Nãoháuma interação verdadeira entre o docente e massa de alunos. Aqui antevejo o mundo universita¡rio brasileiro dividido relativo pra¡xis do catedra¡tico entre otimistas e pessimistas: tudo mudou e nada mudou. 

O estudante que entra para um grupo ou núcleo de pesquisa tera¡ um tratamento diferenciado. O seu contato com o professor émais frequente e o grau de aprofundamento acadêmico émaior dentro do campo tea³rico de doma­nio daquele professor. Professores disputam alunos bons. Cada professor quer ser uma a¡rvore frondosa que abriga um ecossistema acadaªmico, social, cultural, etc. e que compete atécom outros docentes de outras instituições acadaªmicas. A plataforma Aca¡cia, que utiliza dados retirados da plataforma Lattes, traz esta genealogia acadaªmica (http://plataforma-acacia.org/) em reforço a esta ideia de pertena§a acadaªmica a alguma a¡rvore frondosa. O ecossistema montado pelo pesquisador-lider de um grupo de pesquisa éútil, pois integram as funções de ensino, pesquisa e extensão. Gramsci faria um adendo: exceto nos casos espora¡dicas de fraude (“camorra”). Embora poucos, existem grupos de pesquisa artificiais ou que não cumprem o seu papel na integralidade.

Contudo, a iniciativa de formação de grupo de pesquisa e de suas atividades não éorga¢nica a instituição, depende da vontade deste professor-lider. Como favorecer o engajamento de todos os alunos e docentes dentro da tripla vocação universita¡ria (ensino, pesquisa e extensão)? Tambanãm não sei as respostas, mas se as menores unidades acadaªmico-administrativa (coordenações ou departamentos) da universidade federal tomassem esta tarefa de orientar os alunos que iniciam o curso para núcleos e grupos de pesquisa e que todos os docentes das instituições estivessem liderando ou participando de tais seria sentido a diferença acadaªmica. Os profissionais egressos da universidade federal sairiam mais bem formados e compreenderiam melhor o papel da ciência e da pesquisa na nossa sociedade.

Um passo importante éconhecer a realidade de cada curso/departamento/centro, pois temos situações distintas que demandam soluções distintas. Qualificação e engajamento do corpo docente, visão de quem estãoa frente de decisaµes administrativas importantes para a instituição, missão/valores (não formulados, mas vivenciados) da instituição são alguns exemplos de elementos que auxiliara£o a elaboração de cenários exequa­veis e mais consistentes na direção do referido engajamento. A mudança “cultural” são épossí­vel quando se vaª além do que érevelado explicitamente. Asmudanças culturais tanto acontecem por inanãrcia quanto por planejamento. Vocaª estãoengajado em alguma mudança para o futuro? Asmudanças por “inanãrcia” apresentam os resultados desejados pelas forças hegema´nicas da atualidade. Asmudanças planejadas podem ser gestadas por qualquer grupo com visão de mundo diferente mas orientado estrategicamente para uma finalidade especa­fica.

Gramsci, se tivesse olhando o Brasil, diagnosticaria a insuficiência da vida universita¡ria e a mediocridade cienta­fica e pedaga³gica dos professores. Prefiro argumentar que háuma debilidade na gestãoacadaªmica das universidades federais que contratam e mantanãm docentes que não são também pesquisadores. O diferencial de uma universidade federal deveria ser da pesquisa e extensão que oferecem aos seus alunos junto com o ensino. Apenas o ensino superior já éoferecido por empresas privadas.

Gramsci não épara amadores e a intenção aqui não foi apresenta¡-lo ou discutir suas ideias. Apenas usei-o como desculpa para falar daquilo que me incomoda no momento. A UFPI éuma destas Universidades Federais que precisam ainda mostrar a sua utilidade para sociedade. Talvez outras Universidades Federais já cumpram plenamente seu papel.

Anexo: Trecho retirado da obra Cadernos do ca¡rcere

Fonte: Quaderni del Carcere (quaderni.gramsciproject.org/)

Q 1, 15 - Delle universita  italiane 

§ Delle universita  italiane. Perchénon esercitano nel paese quell’influsso di regolatrici della vita culturale che esercitano in altri paesi?

Uno dei motivi deve ricercarsi in cia² che nelle universita  il contatto tra insegnanti e studenti non a¨ organizzato. Il professore insegna dalla cattedra alla massa degli ascoltatori, cioa¨ svolge la sua lezione, e se ne va. Solo nel periodo della laurea avviene che lo studente si avvicini al professore, gli chieda un tema e consigli specifici sul metodo della ricerca scientifica. Per la massa degli studenti i corsi non sono altro che una serie di conferenze, ascoltate con maggiore o minore attenzione, tutte o solo una parte: lo studente si affida alle dispense, all’opera che il docente stesso ha scritto sull’argomento o alla bibliografia che ha indicato. Un maggiore contatto esiste tra i singoli insegnanti e singoli studenti che vogliono specializzarsi su una determinata disciplina: questo contatto si forma, per lo pia¹, casualmente ed ha una importanza enorme per la continuita  accademica e per la fortuna delle varie discipline. Si forma, per esempio, per cause religiose, politiche, di amicizia famigliare. Uno studente diventa assiduo di un professore, che lo incontra in biblioteca, lo invita a casa, gli consiglia libri da leggere e ricerche da tentare. Ogni insegnante tende a formare una sua «scuola», ha suoi determinati punti di vista (chiamati «teorie») su determinate parti della sua scienza, che vorrebbe veder sostenuti da «suoi seguaci o discepoli». Ogni professore vuole che dalla sua universita , in concorrenza con le altre, escano giovani «distinti» che portino contributi «seri» alla sua scienza. Percia² nella stessa facolta  c’a¨ concorrenza tra professori di materie affini per contendersi certi giovani che si siano gia  distinti con una recensione o un articoletto o in discussioni scolastiche (dove se ne fanno). Il professore allora guida veramente il suo allievo; gli indica un tema, lo consiglia nello svolgimento, gli facilita le ricerche, con le sue conversazioni assidue accelera la sua formazione scientifica, gli fa pubblicare i primi saggi nelle riviste specializzate, lo mette in rapporto con altri specialisti e lo accaparra definifivamente.

Questo costume, salvo casi sporadici di camorra, a¨ benefico, perchéintegra la funzione delle universita . Dovrebbe, da fatto personale, di iniziativa personale, diventare funzione organica: non so fino a che punto, ma mi pare che i seminari di tipo tedesco, rappresentino questa funzione o cerchino di svolgerla. Intorno a certi professori c’a¨ ressa di procaccianti, che sperano raggiungere pia¹ facilmente una cattedra universitaria. Molti giovani invece, che vengono dai licei di provincia specialmente, sono spaesati e nell’ambiente sociale universitario e nell’ambiente di studio. I primi sei mesi del corso servono per orientarsi sul carattere specifico degli studi universitari e la timidezza nei rapporti personali a¨ immancabile tra docente e discepolo. Nei seminari cia² non si verificherebbe o almeno non nella stessa misura.

In ogni modo, questa struttura generale della vita universitaria non crea, gia  all’universita , alcuna gerarchia intellettuale permanente tra professori e massa di studenti; dopo l’universita  anche quei pochi legami si sciolgono e nel paese manca ogni struttura culturale che si impernii sull’universita . Cia² ha costituito uno degli elementi della fortuna della diade Croce-Gentile, prima della guerra, nel costituire un gran centro di vita intellettuale nazionale; tra l’altro essi lottavano anche contro l’insufficienza della vita universitaria e la mediocrita  scientifica e pedagogica (talvolta anche morale) degli insegnanti ufficiali.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


JoséMachado Moita Neto
Ex-professor titular da Universidade Federal do Piauí­ e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Na­vel 2

 

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