STF, antipolatica e os riscos da onda antidemocra¡tico-reaciona¡ria: para onde caminha a Corte Suprema?
No governo da antipolatica, seus protagonistas preferira£o oscomo vão preferindo osa via da imposia§a£o do poder, da falta de transparaªncia e da ausaªncia do devido processo legal.

Domanio paºblico
A autonomia e a independaªncia do Poder Judicia¡rio são conquistas civilizata³rias recentes, sobretudo quando comparadas a vida pregressa dos Poderes Legislativo e Executivo (sanãcs. 18 e 19). Historicamente, os sistemas de Justia§a no mundo va£o ganhando força a medida que o Estado de Direito Democra¡tico, o constitucionalismo e uma Carta de Direitos Fundamentais va£o se (auto)fortalecendo na ordem juradica de umpaís.
Este carculo virtuoso se intensifica quando se éalmejada a plena efetivação do direito de acesso a Justia§a oseste, em si, um direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988. a‰ um Poder Judicia¡rio auta´nomo e independente que confere concretude e materialidade a um sistema de justia§a encorpado o suficiente para jamais deixar de apreciar ameaça a qualquer direito.
Ocorre que a função jurisdicional exercida pelo Poder Judicia¡rio não esgota as funções desempenhadas pelos tribunais. O Judicia¡rio do século XXI exerce inaºmeras outras funções tão relevantes quanto a de solução de conflitos, aa incluadas (a) função de polatica judicia¡ria osa qual atribui norte e sustentação ao sistema de justia§a como um todo, e que no Brasil éliderada sobretudo pelo STF e pelo Conselho Nacional de Justia§a (CNJ) ose (b) outra função obrigata³ria, mas dotada de essencial simbologia: sempre fazer valer as garantias materiais e processuais a todos que recorrem ao Judicia¡rio. Simba³lica, pois como bem sustenta Boaventura de Sousa Santos, a inacessibilidade, a morosidade, o custo ou a impunidade, no limite, afetam a própria credibilidade simba³lica da tutela judicial.
Existem também fena´menos contempora¢neos como o ativismo judicia¡rio e a judicialização da polatica, que acabam por conferir ao Judicia¡rio perfis que lhes aproximam dos perfis funcionais mais caracterasticos do Executivo e do Legislativo. Tudo isso énovo, e no dia a dia das Cortes esses processos va£o sendo afinados e calibrados a luz das demandas sociais, as quais acabam por determinar a atuação do Judicia¡rio em terrenos que ainda não lhe são totalmente conhecidos, ensejando por vezes uma hiperexposição e altas expectativas nem sempre muito salutares junto a sociedade. De outro lado, o pra³prio Judicia¡rio por vezes se politiza demasiadamente.
Em tempos difaceis e de quase anomia em que vivemos oscom acentuadas polarizações políticas perpetradas por um presidencialismo de confronto, predomanio de extremismos antidemocra¡ticos, ditadura das redes sociais e fake news, entre tantas outras atrocidades osnão seria de se espantar que éexatamente a credibilidade do Judicia¡rio que acabaria por se tornar alvo preferencial de fortes ataques de atores polaticos que acabam por exercer a “antipolatica†(AVRITZER, Leonardo. Polatica e antipolatica: a crise do governo Bolsonaro. Sa£o Paulo: Todavia, 2020).
No governo da antipolatica, seus protagonistas preferira£o oscomo vão preferindo osa via da imposição do poder, da falta de transparaªncia e da ausaªncia do devido processo legal.
Essas ações formam artilharia pesada contra o regime democra¡tico, as liberdades públicas e as garantias fundamentais, desdemocratizando o exercacio legatimo do poder, em prova¡vel rumo a uma autocracia.
Nãose enganem os incautos: este plexo de condutas e atrocidades antidemocra¡ticas nada tem de conservador. Trata-se de uma Agenda Reaciona¡ria que vai espraiando seus tenta¡culos, tentando erodir e corroer a muralha institucional que, ao final, éa única que pode conter arrombos arbitra¡rios desta natureza: o STF.
Nãopor outro motivo, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt identificam cooptação, ocupação e enfraquecimento das Supremas Cortes como um receitua¡rio para a implantação de regimes totalita¡rios e ditatoriais no mundo contempora¢neo (2018: 77-87).
Portanto, eis as perguntas que merecem ser formuladas nesse cena¡rio: o STF encontra-se suficientemente blindado pela ordem constitucional para não sucumbir aos ataques que lhe são desferidos pela antipolatica? Como a Corte pode se prevenir dos riscos gerados por essa onda antidemocra¡tica que tomou de assalto o Brasil? O Supremo corre o risco de se tornar em si instituição mais conservadora e reaciona¡ria?
Instada a decidir sobre vários temas que formam a face antidemocra¡tica e reaciona¡ria da agenda governamental, nos últimos dois anos, a Corte tomou medidas de defesa da ordem constitucional, formando incipiente, e ainda preca¡ria, Jurisprudaªncia de Democracia Defensiva, compreendida como aquela que visa a salvaguardar e impedir que ações violentas ou baseadas em discursos de a³dio osperpetrados por grupos extremistas de quaisquer matizes ideola³gicos ospossam ameaa§ar ou vulnerabilizar a ordem constitucional e democra¡tica de umpaís.
A meu ver, encaixa-se perfeitamente neste conceito o inquanãrito instaurado pelo STF para apuração de fake news e ataques frontais a instituição e seus ministros, tendo sido sua constitucionalidade devidamente reconhecida em decisão do Plena¡rio da Corte, em 18 de junho de 2020.
Poranãm, as investidas contra a credibilidade institucional do STF não tem origem unicamente do lado externo. Partem, por vezes, do seu a¢mbito interno. Exemplificando: obrigada a decidir originariamente sobre processos que envolvem corrupção praticada por autoridades, agentes paºblicos e empresa¡rios de todos os partidos e matizes polaticos –intensificada a partir do Mensala£o e da Lava Jato osa Suprema Corte acabou por se desnudar demasiadamente perante a sociedade. Muitas vezes, com decisaµes erra¡ticas ou altamente casuasticas, sobretudo porque vários ministros entendem que podem decidir de modo monocra¡tico e isolado. Afrontaram decisaµes tomadas pelo Plena¡rio e Turmas, dando origem a uma jurisprudaªncia destoante de seus pra³prios precedentes e julgados colegiados. Tais posturas enfraquecem e desautorizam a instituição, chamuscando a sua credibilidade.
Portanto, soa mandata³rio ao STF desenvolver ta¡ticas de legatima defesa democra¡tica da ordem constitucional, evitando posturas internas autofa¡gicas, que podem servir de estopim e de munição para ações autocra¡ticas desestabilizadoras, as quais podem desencadear tentativas de rupturas da sua institucionalidade, que nenhum bem fara¡ ao Estado de Direito Democra¡tico e a sociedade brasileira.
As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva
do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do
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Gustavo Justino de Oliveira
Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP