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O Plano Sa£o Paulo, ou Plano SP, foi lana§ado pelo governo paulista em 27 de maio para “atuação coordenada […] com o objetivo de implementar e avaliar ações e medidas estratanãgicas de enfrentamento a pandemia […].†Tecnicamente éum algoritmo, mas também um modelo de realidade. Como algoritmo, “premia†municapios que seguem recomendações; como modelo, supaµe como funciona a pandemia para contaª-la.
O Plano SP mostrou-se panãssimo preditor da pandemia de covid-19. Ribeira£o Preto, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde, ingressou na “fase vermelhaâ€, em 10 de junho, com 100,4 novos casos/dia, 3,4 novos a³bitos/dia e 91 leitos de UTI ocupados; e ingressou na “fase amarelaâ€, em 7 de agosto, com 311,9 novos casos/dia, 8,9 novos a³bitos/dia e 167 leitos de UTI ocupados (respectivamente, 3,1 vezes, 2,6 vezes e 1,8 vez pior). a‰ inaceita¡vel como plano de “enfrentamento a pandemiaâ€.
O Plano SP resulta em ações que agravam a pandemia e confundem a população: protocolos internacionais usam “fase vermelha†para 25 novos casos/dia por 100 mil habitantes — Ribeira£o Preto tinha 43,8 no inicio da “fase amarelaâ€. Algoritmos são escolhas conscientes de parametros e pesos. Incapaz em sua versão original de conferir classificação favora¡vel a cidades, foi alterado diversas vezes, diminuindo exigaªncias. Nunca foi plano de contenção, mas de flexibilização da atividade econa´mica apesar da pandemia.
“Quem se importa?†Comenta¡rios a boca pequena são pra³ximos a argumentos da eugenia. Duas teses falsas e cruanãis são apresentadas para defender o plano: inevitabilidade e imunidade de rebanho. Comparações mostram que a tese da inevitabilidade éflagrantemente falsa. Araraquara, a 90 km de Ribeira£o Preto com 250 mil habitantes, teve 56 a³bitos até16 de outubro (237 a³bitos/milha£o). A gestãoda pandemia pelos prefeitos que levam a sanãrio “a inviolabilidade do direito a vida†(artigo 5° da Constituição Federal) de fato mostra um número inevita¡vel de a³bitos. Taxas de a³bito acima de mil por 1 milha£o de habitantes não são apenas evita¡veis: são deplora¡veis.
Imunidade de rebanho, no contexto da pandemia, de certa maneira corresponde a um gestor declarar: “Deixei tanta gente morrer que quase não tem mais quem seja contaminadoâ€. a‰ uma autodeclaração de incompetaªncia. Para o cientista americano William A. Haseltine, a “imunidade de rebanho éum outro nome para assassinato em massaâ€. Assim deveria ser tratada.
Ha¡ solução? Sim. A principal éa revisão imediata do Plano SP. Precisamos de um plano real de contenção da pandemia. Nãoo fechamento de tudo, mas mudança dos indicadores: deve haver controle efetivo do número de novos casos. A economia éconsequaªncia. A falsa dicotomia entre economia e saúde resulta nesse modelo ruim. O jornal brita¢nico Financial Times mostrou que ma¡ gestãoda pandemia causa maior prejuazo a economia.
A aposta subjacente era que, a espera da vacina, haveria progressão lenta de novos casos. E que o investimento para minimizar a³bitos (leitos) seria redução suficiente de danos. Modelo equivocado. Sem aªnfase no controle de novos casos (ha¡ comparações com a semana anterior sem considerar o patamar), o número tem sido tão alto que, mesmo com menor letalidade, a mortalidade causa vergonha.
Em 16 de outubro, a mortalidade no Peru, segundo piorpaís do mundo nesse indicador, era de 1.014 a³bitos/1 milha£o de habitantes (1M); no Brasil, 719/1M; Ribeira£o Preto, 1.132/1M, Campinas, 1.183/1M; e Santos, 1.566/1M. Entre 12 de setembro e 2 de outubro, a mortalidade no Estado de Sa£o Paulo avançou 9,42% e, em Ribeira£o Preto, 16,7%. Esses números não estãonos relatórios do Plano Sa£o Paulo.
Nos lugares onde hácontrole real — Vietna£, Hong Kong, Nova Zela¢ndia, Austra¡lia, China, Senegal;países grandes e pequenos, muito ou pouco populosos, ricos e pobres —, foi seguido o protocolo “Trisâ€: testagem, rastreamento e isolamento com suporte. Em maio, o imunologista americano Anthony Stephen Fauci repetia: “Test, test, testâ€. Solução simples. A economia dessespaíses estãobem. Ao Estado de Sa£o Paulo não falta ciaªncia, tecnologia ou infraestrutura. Falta visão. Modelo ruim, algoritmo ruim, pandemia fora de controle.
Os a³bitos acumulam-se a porta dos gestores municipais e estaduais. Faltam muitos meses para a vacinação em massa. Quem vai se desculpar com as famalias?
Esta¡ na hora de as insta¢ncias encarregadas de proteção da sociedade cumprirem seu dever.
Artigo publicado originalmente na edição da Folha de S. Paulo de 12/11/2020
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Dalton de Souza Amorim
Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeira£o Preto (FFCLRP) da USP, Adriana Santos Moreno e Domingos Alves, ambos da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP