Opinião

A destruição do meio ambiente e a abertura de Espaços para novos va­rus
O que atualmente a sociedade experimenta éum recrudescimento de aa§aµes destrutivas do meio ambiente e significativas transformaa§aµes no clima que estãoa afetar, inicialmente, as populaa§aµes mais pobres.
Por Moisés Stahl, - 20/11/2020


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Em 1992 foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu para, na esfera da cooperação internacional, dar atenção a  questãodo meio ambiente e trazer soluções dentro do chamado desenvolvimento sustenta¡vel, colocando a questãocomo central para o desenvolvimento humano no futuro. Com a 2ª Conferaªncia, também chamada de Eco-92 ou Rio-92, a questãodo meio ambiente entrou na esfera de discussão global, sendo sintoma¡tico o número expressivo de representantes e chefes de Estado presentes na Conferaªncia, sobretudo quando comparamos com a 1ª Conferência realizada na cidade de Estocolmo, em 1972. Desde 1992, a crise ambiental foi colocada, poranãm pouco se avançou em ações prática s para conter a degradação do planeta. O que atualmente a sociedade experimenta éum recrudescimento de ações destrutivas do meio ambiente e significativas transformações no clima que estãoa afetar, inicialmente, as populações mais pobres. Nesse sentido, éfundamental colocar a questãoambiental como central e limite para a continuidade do tempo humano no tempo da Terra.

O tempo éa matéria dos historiadores, “os homens no tempo”, como disse o historiador francaªs Marc Bloch. Quando o historiador elege um tema para ser pesquisado, geralmente ele realiza um recorte hista³rico que situa seu assunto no tempo. Assim, Eric J. Hobsbawm escreveu sua sanãrie de livros A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impanãrios e, por fim, a Era dos Extremos, utilizando um recorte relacionado a momentos pola­ticos, econa´micos e sociais. Nesse sentido, dos acontecimentos que va£o da Revolução Francesa (1789) aos anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ele chamou de “o longo século XIX”; dos acontecimentos que va£o da Primeira Guerra Mundial atéo que seria o fim da Guerra Fria, culminando com o desmembramento da Unia£o das Repúblicas Socialistas Sovianãticas (URSS), em 1991, Hobsbawm chamou de “o curto século XX”. Desta forma, como definiu o historiador alema£o Reinhart Koselleck, o conceito de século fica desvinculado do ca¡lculo aditivo dos cem anos: “Com um novo século não tem ini­cio de imediato uma nova configuração do mundo. Muitos empreendimentos que hámuito se tinham iniciado no século anterior são vão a desenvolver-se mais tarde”. Em argumentação recente, a historiadora ligada a  Universidade de Sa£o Paulo, Lilia Moritz Schwarcz observou que a pandemia causada pelo coronava­rus marcaria o fim do século XX, ou seja, 2020 seria o ini­cio do século atual.

Se para Hobsbawm o século XX terminou em 1991 com o fim do socialismo sovianãtico, podemos observar que 1992 marca o ini­cio do século XXI. Se Hobsbawm norteou suas periodizações enfatizando questões políticas e sociais para classificar os séculos XIX e XX, o norte, a direção para a classificação de 1992 como o ini­cio do século XXI éo da emergaªncia das preocupações ambientais. A 2ª Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento surge como consequaªncia de preocupações novas, lana§a propostas, insere os problemas ambientais na esfera de discussão das nações. Pela primeira vez uma grande quantidade de chefes de Estado e de governo, ministros e diplomatas, representantes de diferentes matizes epaíses, reuniram-se para discutir as consequaªncias das emissaµes de poluentes na atmosfera terrestre, do desmatamento de florestas, do esgotamento dos recursos naturais, da destruição da fauna, do impacto dos efeitos gerados por essas ações na vida dos seres vivos do planeta.

Ao todo, 175países mandaram delegações para a 2ª Conferaªncia. Durante o encontro, realizado no Rio de Janeiro dos dias 3 a 14 de junho de 1992, o então presidente Fernando Collor transferiu a capital do Brasil para aquela cidade, que voltou a ser a capital, função que deixou de exercer desde a fundação de Brasa­lia, no ini­cio da década de 1960. A 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente ocorreu em Estocolmo, na Suanãcia, em 1972. Contudo, como observa Washington Novaes, tal evento não teve o impacto de colocar a questãoambiental no cotidiano dos cidada£os, aspecto que se processou com a 2ª Conferência realizada no Rio de Janeiro, incorporando o meio ambiente no jogo democra¡tico.

O núcleo de discussão da 2ª Conferência esteve ligado ao crescimento da poluição causada pelospaíses mais industrializados, e com as consequentesmudanças climáticas que poderiam afetar a vida na Terra. Era preciso conciliar o crescimento econa´mico e a preservação do meio ambiente. Quase trinta anos após o evento, pode-se observar que os objetivos do encontro não tiveram grande aªxito atéo momento, mas causaram certo eco. Hoje a causa ambiental entra na discussão pública da esfera municipal a  federal, sendo gerenciada emnívelglobal pelas ma£os da ONU. Todavia, mesmo no a¢mbito da ONU, de acordo com JoséAntonio Ocampo, algumas áreas da cooperação internacional enfrentam problemas, como aquelas ligadas ao cara¡ter incompleto das agendas internacionais e os fra¡geis mecanismos de supervisão e de cumprimento dos acordos internacionais, sendo tais problemas decorrentes das relações de poder que envolvem agentes privados epaíses poderosos.

Em outras áreas existem acordos, mas lacunas são observa¡veis, como a área dasmudanças climáticas, ou seja, a questãodo meio ambiente dentro da ONU encontra dificuldade de ser mais bem tratada porque esbarra em frentes detentoras de poder, que manifestaram desde o ini­cio das discussaµes suas posições contra¡rias a s medidas de resolução dos problemas ambientais. Em muitos aspectos, a questãoambiental se subordinou ao capital, se adequou a s engrenagens, assumindo caracteri­sticas que tendem a legitimar o prolongamento da estrutura capitalista, atualizando o atraso, os mecanismos de devastação. Com efeito, dentro da realidade econa´mica atual a saa­da édifa­cil, sendo necessa¡rio superar as arcaicas estruturas de produção que prolongam um passado de degradação ambiental, pobreza e desigualdade social, que grassa sem cessar. Propostas foram lascadas, poranãm, ao girar na dina¢mica da economia global, tais propostas perdem o efeito. Se, em outros tempos, o medo era do fim dos tempos, da ameaça nuclear, dos comunistas, hoje o medo édas cata¡strofes ambientais, das pandemias. Parafraseando Mike Davis, a cata¡strofe bate a  nossa porta.

Em recente artigo, o professor e ex-ministro da Cultura da Argentina, JoséNun, tratou do tema ambiental colocando-o como questãomaior por trás da pandemia, já que a destruição do meio ambiente segue em continuidade e abrindo espaço para novos va­rus. Nesse sentido, a pandemia de 2020 pode ser compreendida dentro dos limites do universo de discussão ambiental. Tal relação entre a devastação do meio ambiente e o aparecimento de novos va­rus éindicada por Jared Diamond, que destacou que atualmente as novas doenças advaªm de patógenos vindos de animais silvestres, por meio do contato gerado pela devastação dos ha¡bitats naturais de animais. Com a onda crescente de desmatamento, abre-se caminhos para novos contatos com novos patógenos.

O historiador francaªs Pierre Rosanvallon ao tratar do manãtodo do historiador indica que “a história objetiva entender como em uma anãpoca, umpaís, ou um grupo social tenta construir respostas para aquilo que, com maior ou menor precisão elas percebem como um problema”. Assim, seguindo a proposta de Rosanvallon, se olharmos atentamente para a realidade épossí­vel notar a ausaªncia de soluções efetivas para o grave problema que éa questãodo meio ambiente. No calor das discussaµes sobre o meio ambiente em 1992, observou o professor Umberto Cordani:

“(…) a Rio-92 representou uma inflexa£o na história da humanidade, com a redefinição do direcionamento do desenvolvimento humano. Novos caminhos, em busca de um novo equila­brio, que envolva uma situação de desenvolvimento ‘sustenta¡vel’, em bases equitativas para a humanidade, devem estar no horizonte”.

Nesse sentido consideramos 1992 como o primeiro ano do século XXI porque marcou o aparecimento de alterações importantes nas relações entre os indivíduos e destes com o meio ambiente. Entretanto, os interesses econa´micos do capitalismo não cederam lugar aos interesses ambientais, e ospaíses mais desenvolvidos continuam a poluir mais que ospaíses em desenvolvimento. Enquanto ospaíses do centro do sistema ditam as regras da destruição, ospaíses da periferia sera£o os primeiros a sofrerem com as consequaªncias desastrosas das alterações climáticas. O fomento de um projeto de superação das estruturas econa´micas arcaicas, incompata­veis com o novo futuro, urge, sobretudo no momento em a humanidade se encontra defronte a s cata¡strofes advindas da natureza como reação da ação devastadora da humanidade sobre a Terra.

Fena´menos clima¡ticos pouco descritos passam a se repetir com consta¢ncia, incaªndios incontrola¡veis, secas prolongadas, chuvas intensas, temperaturas acima da média, frio extremo, poluição dos recursos naturais, acaºmulo de lixo, devastação de florestas e a abertura para novas categorias de va­rus atéentão ocultos em seu ha¡bitat passam a preencher o cotidiano do cidada£o. Nãohámais tempo e espaço para a humanidade se adequar a  realidade das alterações climáticas. O homem construiu a sociedade utilizando o ma¡ximo dos recursos naturais, épreciso superar a etapa da destruição e chegar a uma nova etapa de desenvolvimento sustenta¡vel social e cienta­fico via transformação profunda, ou melhor, superação das estruturas arcaicas do capitalismo.

Em 1992 começou, agora o que resta éfazer deste século o século onde as soluções foram encontradas e possibilitar que o século XXII tenha um ina­cio. Isto anã, não se apresenta no horizonte o fim do século XXI.

(Este artigo foi publicado originalmente no site A Terra éredonda)

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Moisanãs Stahl
Doutorando em Hista³ria Econa´mica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 

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