Opinião

Meu voto seránegro - Uma onda de mulheres afro-brasileiras concorreu a cargos em 2020, mas achou o teto de vidro difa­cil de quebrar
Os afrodescendentes representam 56% da populaa§a£o do Brasil e apenas 17,8% do Congresso . Mas a participaa§a£o pola­tica negra estãocrescendo no Brasil, especialmente no governo local.
Por Gladys Mitchell-Walthour - 29/11/2020


Arte apresentando a pola­tica carioca Marielle Franco, assassinada, cujo assassinato em 2018 permanece sem solução. Reprodução

Mensagens exortando os afro-brasileiros a apoiarem candidatos negros encheram as redes sociais dias antes das eleições de 15 de novembro de 2020 no Brasil.

“ Nãose esquea§a das suas ma¡scaras, da sua identificação, da caneta e de que vocêéPRETO !!! ”

“Neste domingo, meu voto seránegro.”

Desenho de uma mulher negra com uma ma¡scara facial fazendo uma demonstração de força no estilo Rosy, a Rebitadeira
Um post no Facebook antes da eleição no Brasil prometendo: 'Neste domingo, meu voto seránegro.' Facebook
Os afrodescendentes representam 56% da população do Brasil e apenas 17,8% do Congresso . Mas a participação pola­tica negra estãocrescendo no Brasil, especialmente no governo local.

Cerca de 250.840 negros brasileiros concorreram a vereadores este ano , contra 235.105 em 2016. Quando os vencedores tomarem posse, os afro-brasileiros representara£o 44% dos vereadores em todo opaís.

As mulheres afro-brasileiras também tiveram estreias significativas nas eleições de 2020, ganhando 14% dos assentos no conselho municipal em todo opaís. Na eleição de 2016, as mulheres afro-brasileiras conquistaram apenas 3,9% das cadeiras do conselho municipal .

As mulheres negras ainda atingem um teto de vidro ra­gido quando almejam cargos mais altos, no entanto. Apenas 13 dos 513 deputados na ca¢mara baixa do Congresso brasileiro são mulheres afro-brasileiras , e o Senado de 81 membros tem apenas uma mulher negra, Eliziane Gama . A primeira negra a governar no Brasil, Benedita da Silva, perdeu este ano a candidatura a prefeito do Rio de Janeiro .

Mas vencer não énecessariamente a única razãopela qual as mulheres afro-brasileiras entraram na campanha.

O efeito Marielle

A participação pola­tica das mulheres negras disparou no Brasil desde o assassinato de Marielle Franco em 2018, no Rio de Janeiro. Franco era uma vereadora negra lanãsbica que defendia as comunidades pobres das favelas negras da cidade, no que a ma­dia brasileira apelidou de “ o Efeito Marielle ”.

“O assassinato de Marielle poderia ter um efeito assustador sobre os candidatos negros, [mas] ao invanãs disso, inspirou uma onda de candidaturas negras”, escreve a estudiosa afro-brasileira Dalila Negreiros na publicação esquerdista NACLA Report on the Americas .

Mesmo antes do assassinato de Franco, havia muitas mulheres políticas negras - e minha pesquisa mostra como elas abriram a porta para candidaturas inovadoras como a de Franco. Os pioneiros incluem Benedita da Silva, bem como Janete Pieta¡ , que representou Sa£o Paulo no Congresso de 2007 a 2015.

Silva, uma mulher negra, segura uma criana§a sorridente enquanto uma multida£o
observa Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores, em campanha
no Rio em 1992. Avanir Niko / AFP via Getty Images

Entrevistei Pieta¡ e muitas outras mulheres políticas negras no Brasil entre 2004 e 2007. Isso foi durante o boom econa´mico do Brasil sob o presidente esquerdista Ina¡cio Lula da Silva . A maioria das mulheres cujas campanhas estudei eram do Partido dos Trabalhadores de Lula, mas uma, Eronildes Carvalho, era uma evanganãlica de direita.

Descobri que as mulheres costumavam usar raça e gaªnero em suas campanhas para mobilizar eleitores, especialmente em cidades predominantemente negras.

Ao concorrer ao Congresso, Pieta¡ me disse que usava cores vivas e penteava estilos interessantes, com trana§as curtas na frente, como franja, e trana§as mais compridas nas costas, para mostrar orgulho de sua ancestralidade africana - “mesmo que parea§a como uma piada ”para alguns.

“Grande parte da população brasileira ... tem ascendaªncia africana. No entanto, alguns deles não tem consciência disso ”, disse-me Pieta¡.

Olivia Santana também destacou sua raça e gaªnero ao concorrer a  vereadora de Salvador, em 2004. Ela se anunciou com orgulho como a “ Negona da cidade ”, a grande negra da cidade.

“Era um slogan que falava mais sobre a história das eleições, da participação negra nas eleições”, disse Santana em 2006. “Minha campanha tornou visível a questãoracial negra”.

Embora os vereadores possam ver sua raça e gaªnero como uma vantagem, descobri que os afro-brasileiros que concorrem a um cargo federal não acreditam que recursos raciais sejam aºteis .

Retrato de Santana, usando trana§as
Olivia Santana em 2011. Mateus Pereira / AGECOM , CC BY

Mais que uma campanha

Nãoconsegui encontrar uma pesquisa sobre as percepções nacionais das mulheres negras para verificar se as percepções das candidatas eram apoiadas por dados. Mas a relação do Brasil com a raça épreocupante - e esse fato estãobem documentado.

Embora hámuito mitificado como uma “democracia racial” mestia§a, a realidade no Brasil émais preta e branca.

Como nos Estados Unidos, os negros no Brasil geralmente tem pior saúde, empregos e resultados econa´micos do que os brancos. Eles tem 40% mais chances de morrer de COVID-19 do que os brancos e, apesar de algumas políticas de ação afirmativa, enfrentam desemprego maior. Homens negros são mortos diariamente pela pola­cia militar que patrulha as ruas de muitos bairros pobres - e predominantemente negros - no Brasil .

A desigualdade continua atémesmo para os afro-brasileiros que sobem na escala social. Os universita¡rios brancos ganham 45% mais do que seus colegas afro-brasileiros .

Quando um negro, Joa£o Freitas, foi espancado e morto por dois seguranças brancos em um supermercado em Porto Alegre em 19 de novembro de 2020, o comenta¡rio desdenhoso do presidente Jair Bolsonaro foi “ todo mundo tem a mesma cor ”.

“ No Brasil não existe racismo ”, respondeu o vice-presidente.

Fila de negros brasileiros com os punhos erguidos
Manifestantes diante de um supermercado Carrefour na cidade de Nitera³i em
22 de novembro de 2020, depois que um homem negro foi morto
por seguranças do Carrefour. Luis Alvarenga / Getty Images

Prefeita negra

Como políticas e ativistas, as mulheres afro-brasileiras fizeram do racismo um tema de campanha. Eles discutem por que cortes no ora§amento do sistema paºblico de saúde prejudicariam desproporcionalmente os negros brasileiros e promoveriam licena§a familiar remunerada, educando os cidada£os afro-brasileiros sobre como o racismo, sexismo e classismo - sozinhos e combinados - afetam suas vidas.

a‰ por isso que concorrer a um cargo émais do que uma campanha pola­tica para as mulheres afro-brasileiras, constata minha pesquisa. Enquanto dirigem por aa­ com mensagens berrantes de carros, realizam prefeituras e veiculam anaºncios nas redes sociais, eles aumentam a consciência racial de seus constituintes e expandem a agenda pola­tica de seu partido.

Este ano, 16 anos depois de eu ter seguido sua campanha pela primeira vez, Olivia Santana pediu novamente aos eleitores que confiassem seu voto a s mulheres negras. No Facebook e no Twitter, ela postou jingles pola­ticos cativantes com letras como “Preta prefeita, respeita a preta” - “A prefeita negra, respeite a mulher negra” - feito em um estilo musical popular no Nordeste fortemente negro do Brasil. Nesse va­deo da campanha, jovens afro-brasileiros usando máscaras dançam ao lado de Santana, que também estãomascarada.

“Nãoéapenas o povo dos Estados Unidos que pode eleger uma mulher como Kamala Harris”, ela tuitou em 13 de novembro de 2020. “Tambanãm podemos fazer a diferença para esta cidade.”

Olivia Santana perdeu sua candidatura para prefeito em 2020 , uma das várias mulheres políticas veteranas negras que falhou.

O progresso élento. Mas ganhe ou perca, as mulheres negras brasileiras estãoabrindo portas para o futuro.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Gladys Mitchell-Walthour
Professor Associado de Pola­tica Paºblica e Economia Pola­tica, University of Wisconsin-Milwaukee

 

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