Opinião

Ha¡ futuro sem progresso? E progresso sem futuro?
Trata-se de um desafio civilizata³rio e de defesa da vida osde um futuro que não seja qualquer futuro e de um progresso muito além de apenas algum progresso.
Por Ergon Cugler - 08/02/2021


Reprodução

Sobram experiências de traganãdias ambientais resultantes de empreitadas em nome do progresso. Nem épreciso ir longe, o aquecimento global, a poluição do ar, do solo, as queimadas, o desmatamento, a própria pandemia da sars-cov-2 e da covid-19 e outros desequila­brios ambientais influenciados por ação do ser humano tem impactado não apenas a qualidade da vida humana, mas de todo o meio ambiente e sua biodiversidade, colocando nosso futuro ose o presente osem risco.

Ainda assim, háquem advogue exclusivamente em nome do progresso, jogando a sustentabilidade para a anta­tese polarizada de qualquer avanço civilizata³rio, econa´mico e tecnola³gico. Mas desenvolvimento e sustentabilidade são ou podem ser dicotomias, anta­teses e caminhos opostos? a‰ possí­vel algum futuro sem progresso? E qualquer progresso sem futuro?

Tecnologia e sustentabilidade

Na publicação Por uma TI mais verde, de Martin Jayo e Rafael Valente, vemos como a produção massiva de computadores pessoais e demais equipamentos da Tecnologia da Informação (TI) tem resultado em mais lixo eletra´nico e maior emissão de CO2. Como apontam, “o volume de CO2 emitido anualmente como resultado da produção e uso de equipamentos de TI, que era de 300 milhões de toneladas em 2002, passou para 900 milhões em 2007 e devera¡ chegar a 1,4 bilha£o de toneladas em 2020 osum crescimento de 370% em 18 anos”.

No entanto, Jayo e Valente também lembram que “apesar de emitir grande quantidade de CO2, [a tecnologia] pode ajudar outras indaºstrias a deixarem de emitir quantidades ainda maiores”. Nãoa  toa, o prognóstico do GeSI previa para 2020 até1,4 bilha£o de toneladas de CO2 emitido, poranãm 7,8 bilhaµes de toneladas de CO2 “poupados” osum saldo resultante do uso da tecnologia como aliada em outros processos e setores.

Como exemplo, publicações mais recentes do GeSI apontam prática s como a do CarbonChain, na qual éutilizada Inteligaªncia Artificial (IA) para rastrear e monitorar a emissão de dia³xido de carbono (CO2) da indústria de commodities osesta responsável por cerca de 50% das emissaµes mundiais de CO2 no mundo. Assim, como podemos organizar tal caminho para congregar sustentabilidade e desenvolvimento sem fazer de tal progresso osvisto por alguns como algo etapista osa anta­tese da existaªncia de um futuro?

Assimilação e responsabilidade

Por um lado, cabe um desenvolvimento que propicie avanços tecnola³gicos que otimizem cadeias de recursos, preservem a biodiversidade e promovam o equila­brio sustenta¡vel do meio ambiente; resultando inclusive em produtos mais eficientes osno que diz respeito a  produção e consumo -, reduzindo a demanda por recursos na medida em que se otimiza sua técnica nas etapas de extração ou mesmo de transformação de matérias-primas.

Por outro, cabe uma sustentabilidade que, além de promover o equila­brio do meio ambiente e sua biodiversidade, estabelea§a a disponibilidade de recursos naturais, uma vez que estes passam a ser extraa­dos e utilizados com maior responsabilidade social e ambiental osotimizando o potencial das atividades econa´micas mobilizadas para o pra³prio desenvolvimento.

Assim, a “conservação e aproveitamento racional da natureza podem e devem andar juntos” como aponta Ignacy Sachs, em Caminhos para o desenvolvimento sustenta¡vel, arranjando um duplo imperativo anãtico com “a solidariedade sincrônica com a geração atual e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras”, na medida em que se aproximam novasDimensões ao desenvolvimento, além da perspectiva exclusivamente econa´mica.

Em suma, se mal articulados ou secundarizados, desenvolvimento e sustentabilidade podem atése tornar dicotomias na medida em que uma irresponsável exploração do meio ambiente deve desequilibrar a biodiversidade e resultar atémesmo em escassez de recursos e colapso econa´mico e ambiental. No entanto, se ambas projetadas em unidade rumo ao desenvolvimento sustenta¡vel, seu potencial viabiliza não apenas possibilidade de menor desgaste entre demanda e meio ambiente, mas também pela projeção de uma ação positivamente reparadora a  biodiversidade, uma vez que tal desenvolvimento deve estar a serviço de um projeto sustenta¡vel; encarando a humanidade como parte do meio ambiente e relacionada a  biodiversidade ospropiciando a própria sustentabilidade do desenvolvimento e o desenvolvimento das prática s sustenta¡veis como princa­pios.

Cra­tica e desafio

Poranãm, não épossí­vel observar a a­ntegra do desafio civilizata³rio de preservação e de defesa da biodiversidade e do meio ambiente apenas pela dimensão produtivista osou atérentista no que diz respeito a  especulação osde exploração econa´mica de mercado, mesmo que esta seja determinante a s estruturas materiais da sociedade. Pois, ainda que a otimização de recursos, a mobilização de forças produtivas e o argumento econa´mico atraiam setores antes abertamente adversa¡rios da preservação do meio ambiente, épreciso aprofundar também o debate sobre qual modelo de desenvolvimento épossí­vel se constituir a partir de uma escala global tão desigual.

Isto anã, a condição de “desenvolvido” são existe para um grupo seleto depaíses enquanto houver outrospaíses em condição de “subdesenvolvimento”. Nãodistante desta reflexa£o, Sachs aponta que “a Hista³ria nos pregou uma pea§a cruel. O desenvolvimento sustenta¡vel anã, evidentemente, incompata­vel com o jogo sem restrições das forças do mercado. Os mercados são por demais ma­opes para transcender os curtos prazos [como também aponta Deepak Nayyar] e cegos, para quaisquer considerações que não sejam lucros e a eficiência smithiana de alocação de recursos”.

Assim, não basta assegurar um arranjo passivo de sustentabilidade por um suposto desenvolvimento já em curso e aos marcos de indoma¡veis forças dos mercados, mas mobilizar esforços por um projeto de desenvolvimento sustenta¡vel que viabilize técnicas e tecnologias que estejam a serviço da preservação da biodiversidade e do meio ambiente como princa­pio osincluindo a vida humana, seus consumos e habitats. Além disso, considerando aspectos como equidade, empoderamento e sustentabilidade, e não tão somente a produtividade e demandas do mercado versus a oferta de recursos naturais.

Neste sentido, énecessa¡rio investir na interdisciplinaridade do debate ambiental, como reforça Sachs, “na qual cientistas naturais e sociais trabalhem juntos (…) para o uso e aproveitamento dos recursos da natureza, respeitando a sua diversidade”, inclusive no fortalecimento de políticas públicas e estratanãgias intersetoriais. Mais do que isso, épreciso envolver as populações locais nesse processo de discussão de preservação da biodiversidade e na formulação de alternativas, estimulando estas “a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus pra³prios interesses, como um componente de estratanãgia de desenvolvimento”.

Atéporque, não épossí­vel que a promessa de um Estado de bem-estar social e um mantra de progresso se transforme, na realidade, em um Estado de mal-estar ambiental; ou que amenize tal exploração apenas em nome de uma produtividade desenfreada de um modelo econa´mico desgastado.

Acima de tudo, o compromisso humana­stico com a sustentabilidade diz respeito a  existaªncia da vida e da biodiversidade em suas mais diversas formas, incluindo valores eDimensões para muito além de somente econa´micos na centralidade do debate. Trata-se de um desafio civilizata³rio e de defesa da vida osde um futuro que não seja qualquer futuro e de um progresso muito além de apenas algum progresso.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Ergon Cugler
Pesquisador do Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na GestãoPaºblica (Getip) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

 

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