Opinião

Austra¡lia, lutando contra o Facebook, éo últimopaís a lutar contra a influaªncia estrangeira no jornalismo
O Facebook proibiu os australianos de encontrar ou compartilhar nota­cias em sua plataforma , em resposta a uma proposta do governo australiano de exigir que as redes de ma­dia social paguem a s organizaa§aµes de jornalismo por seu conteaºdo.
Por Vanessa Freije - 19/02/2021


Site do New York Times no Facebook em 18 de fevereiro de 2021, visto em Melbourne, Austra¡lia: Vazio. Robert Cianflone ​​/ Getty Images

O Facebook proibiu os australianos de encontrar ou compartilhar nota­cias em sua plataforma , em resposta a uma proposta do governo australiano de exigir que as redes de ma­dia social paguem a s organizações de jornalismo por seu conteaºdo. A mudança já estãoreduzindo o número de leitores online de sites de nota­cias australianos.

Semelhante ao que aconteceu quando o Facebook suspendeu a conta de Donald Trump em janeiro , a briga com a Austra¡lia estãonovamente levantando o debate em torno do enorme controle das redes sociais sobre o acesso das pessoas a s informações. O primeiro-ministro da Austra¡lia, Scott Morrison, diz que seupaís “ não seráintimidado ” por uma empresa americana de tecnologia.

Minha pesquisa na história da pola­tica da ma­dia internacional tem mostrado que um punhado depaíses ricos hámuito tempo exerceu influaªncia indevida sobre a forma como o resto do mundo fica suas nota­cias.

O Facebook tem 2,26 bilhaµes de usuários, e a maioria deles mora fora dos Estados Unidos , segundo a empresa. andia, Indonanãsia, Brasil, Manãxico e Filipinas são os lares da maioria dos usuários do Facebook fora dos EUA

A participação do Facebook no mercado global de ma­dia social éimpressionante, mas a empresa não estãosozinha. Oito das 11 empresas de ma­dia social mais populares do mundo estãosediadas nos Estados Unidos . Isso inclui o YouTube e o Tumblr, bem como o Instagram, que épropriedade do Facebook.

A concentração geogra¡fica da tecnologia da informação coloca esses bilhaµes de usuários de ma­dia social não americanos e seus funciona¡rios do governo em uma posição subserviente.

As decisaµes de nega³cios da Big Tech podem ditar com eficácia a liberdade de expressão em todo o mundo.

Origens imperiais das nota­cias internacionais

A dependaªncia da ma­dia estrangeira tem sido um problema no Sul Global - os chamadospaíses em desenvolvimento com uma história comum de doma­nio colonial.

Tudo começou, de várias maneiras, 150 anos atrás, com o desenvolvimento dos servia§os de nota­cias - os atacadistas de nota­cias que enviam correspondentes em todo o mundo para entregar histórias por meio de fio aos assinantes. Cada serviço registrava nota­cias nas respectivas cola´nias ou esferas de influaªncia de seupaís de origem , de modo que a Reuters da Gra£-Bretanha arquivava histórias de Bombaim e da Cidade do Cabo, por exemplo, e da Havas da Frana§a, de Argel.

A Associated Press , com sede nos Estados Unidos, tornou-se uma força no mundo das nota­cias no ini­cio do século XX.

Essas empresas monopolizaram o mercado global de produção de nota­cias, gerando a maior parte do conteaºdo que as pessoas no mundo inteiro laªem na seção internacional de qualquer jornal. Isso significava, por exemplo, que um boliviano lendo sobre acontecimentos no vizinho Peru receberia nota­cias de um correspondente americano ou francaªs.

Os monopa³lios de nota­cias das antigas potaªncias coloniais continuaram no século XX. Algunspaíses latino-americanos, como Argentina e Manãxico, desenvolveram seus pra³prios jornais fortes que noticiavam eventos locais e nacionais, mas não podiam enviar muitos correspondentes ao exterior.

Na década de 1970, as agaªncias de nota­cias do Atla¢ntico Norte ainda forneciam até75% das nota­cias internacionais impressas e transmitidas na Amanãrica Latina, de acordo com minha pesquisa .

Problemas da guerra fria

Separadamente, muitos lideres mundiais fora dos Estados Unidos e da Europa também temiam que essas potaªncias estrangeiras interviessem nos assuntos internos de seuspaíses, usando secretamente a ma­dia de seuspaíses.

Isso aconteceu durante a Guerra Fria. Na preparação para um golpe apoiado pela CIA em 1954 na Guatemala, a agaªncia secretamente usou as ondas de ra¡dio guatemaltecas e plantou nota­cias locais para convencer os militares e o paºblico guatemaltecos de que a derrubada de seu presidente eleito democraticamente era inevita¡vel.

Depois da Guatemala, no final dos anos 1950 e ini­cio dos 1960, muitos lideres do “terceiro mundo” -países que não se alinharam nem com os Estados Unidos nem com a Unia£o Sovianãtica - começam a criar nota­cias e servia§os de ra¡dio pra³prios.

O lider cubano Fidel Castro criou um serviço de nota­cias internacional estatal, Prensa Latina, para permitir que os latino-americanos “ saibam a verdade e não sejam vitimas de mentiras ”. Ele também criou a Ra¡dio Havana Cuba, que transmitia uma programação revoluciona¡ria nas Amanãricas, inclusive no sul dos Estados Unidos. Essas eram agaªncias governamentais, não organizações de nota­cias independentes.

Os lideres do Sul global também queriam moldar o retrato internacional de seuspaíses. Os servia§os de nota­cias do Atla¢ntico Norte frequentemente retratam o terceiro mundo como retra³grado e caa³tico, justificando a necessidade de intervenção externa .

Essa tendaªncia era tão comum que ganhou o apelido de jornalismo de “ golpes e terremotos ”.

Tomando o controle

Os lideres do Sul global também não tinham acesso total a  tecnologia de comunicação, especialmente satanãlites, que eram controlados pelos Estados Unidos e por organizações dominadas pelos sovianãticos.

Na década de 1970, os lideres do Sul Global levaram suas preocupações sobre as desigualdades de informação a  UNESCO , fazendo lobby por regulamentações obrigata³rias das Nações Unidas que proibissem as transmissaµes estrangeiras diretas por satanãlite. Foi uma busca quixotesca para persuadir os poderes dominantes a abrir ma£o de seu controle sobre a tecnologia de comunicação, e eles não foram longe.

Mas essas propostas de décadas reconheceram os desequila­brios nas informações globais que permanecem atéhoje.

Nas últimas décadas, outrospaíses criaram suas próprias redes de nota­cias com o objetivo expresso de desafiar representações tendenciosas de suas regiaµes.

Um dos resultados éa Al Jazeera, criada em 1996 pelo emir do Catar para desafiar as representações americanas e brita¢nicas do Oriente Manãdio.

Dois jornalistas estãosentados em uma redação com computadores de mesa antigos
e um mapa-maºndi na parede.  Os escrita³rios da Al-Jazeera em Doha, Qatar, 10 de
outubro de 2001. Joseph Barrak / AFP via Getty Images

Outra éa TeleSur, fundada pela Venezuela em parceria com outras nações latino-americanas em 2005, que visa contrabalana§ar a influaªncia dos EUA na regia£o. Foi criado após a tentativa de golpe de 2002 contra o presidente venezuelano Hugo Cha¡vez, que foi apoiado pelo governo dos Estados Unidos e poderosas emissoras venezuelanas .

Por que a ma­dia éimportante

Os meios de comunicação patrocinados pelo estado tem enfrentado acusações - algumas bem fundamentadas - de cobertura tendenciosa em favor de seus patrocinadores governamentais. Mesmo assim, sua existaªncia ressalta que importa onde a ma­dia éproduzida e por quem.

A pesquisa sugere que essa preocupação se estende a s ma­dias sociais. O Facebook e o Google, por exemplo, produzem algoritmos e políticas que refletem as ideias de seus criadores - que são principalmente brancos, homens e vivem no Vale do Sila­cio, Califa³rnia.

Um estudo descobriu que isso pode resultar em resultados de pesquisa racistas ou sexistas em mecanismos de pesquisa. Uma investigação do ProPublica de 2016 também descobriu que o Facebook permitia que os anunciantes de habitação tivessem como alvo os usuários com base na raça, violando o Fair Housing Act de 1968.

Tudo isso levanta daºvidas sobre se o Facebook, ou qualquer empresa internacional, pode fazer regras regulando o discurso que sejam igualmente apropriadas em todos ospaíses em que operam. Um conhecimento profundo da pola­tica e da cultura nacional énecessa¡rio para entender quais contas são perigosas o suficiente para suspender, por exemplo, e o que inclui desinformação .

Enfrentando essas cra­ticas, em 2020 o Facebook montou um conselho de supervisão independente , coloquialmente referido como a Suprema Corte. Composto por especialistas em ma­dia e jura­dicos de todo o mundo, o conselho tem uma composição verdadeiramente diversificada. Mas sua missão édefender uma “constituição” elaborada pela empresa americana, avaliando um punhado de recursos a s decisaµes de remoção de conteaºdo do Facebook.

A luta atual do Facebook com a Austra¡lia sugere que o controle equitativo das nota­cias internacionais continua sendo um trabalho em andamento.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Vanessa Freije
Professor assistente, Escola Henry M. Jackson de Estudos Internacionais, Universidade de Washington

 

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