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Em sua obra seminal A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de 1936, o brilhante economista brita¢nico John Maynard Keynes (1883-1947) já destacava a importa¢ncia vital dos investimentos como mola propulsora do desenvolvimento das economias nacionais, em termos de geração da renda e do emprego. A ideia, em linhas gerais, éque nos momentos em que a “efica¡cia marginal do capital†(taxa de lucro esperada pelo investidor) fosse maior que a taxa de juros vigente no mercado financeiro, os investimentos privados cresceriam e, por consequaªncia, provocariam o crescimento da economia. Na contrama£o de um clima de otimismo, em momentos de falta de confianção entre os agentes econa´micos, os investimentos privados cairiam e o Estado seria chamado a realizar grandes investimentos paºblicos para reverter o ciclo de retração dos investimentos privados.
Poranãm, o que não se discutia atbem recentemente era a “qualidade dos investimentosâ€, ou seja, não estava em jogo se a inversão do capital seria para promover a produção de bens supanãrfluos, de armamentos, de cigarros, de geração de energia com base em fa³sseis, ou para, por exemplo, a produção da agricultura orga¢nica e a geração de energias limpas.
Com o crescimento das pressaµes da sociedade por novos modelos de produção e de consumo comprometidos com os desafios da sustentabilidade socioambiental, surgem também movimentos por modelos de investimentos comprometidos com essas novas demandas.
O termo “desenvolvimento sustenta¡vel†apresenta como marco inicial a primeira conferaªncia mundial do clima, ocorrida em Estocolmo 1972, em que ospaíses industrializados discutiram sobre as externalidades negativas da superprodução, o impacto causado pela humanidade sobre o meio ambiente e como os governos deveriam agir para sustentar o sistema econa´mico, garantindo estabilidade ambiental e social para o futuro. Os resultados dessa reunia£o foram consolidados no documento Declaração de Estocolmo, por meio do qual as nações concordaram em assumir a responsabilidade pelas consequaªncias ambientais de suas ações, e também em um plano de ação composto de 109 recomendações. O reconhecimento na anãpoca era de que a produção industrial era a principal causa da degradação ambiental.
Dessa forma, inicialmente por pressaµes de ordem ambiental, com os sucessivos desastres ambientais oscomo por exemplo os ocorridos na indústria petrolafera, na geração de energia nuclear e, recentemente, na mineração (vide os casos de Mariana e Brumadinho) –, surgiram relatórios, normas e ca³digos que passaram a regulamentar a atividade produtiva em todo o mundo. Destaque-se o Global Reporting Initiative (GRI), lana§ado primeiramente em 2000, que se constitui como um guia geral de sustentabilidade e passou a ser amplamente utilizado por organizações multinacionais, governos, pequenas e médias empresas (PMEs) e ONGs em todo o mundo.
Já em 2005 surgiu o termo ESG (do inglês: E: Environmental, S: Social e G: Governance), cunhado inicialmente por Kofi Annan, então secreta¡rio geral da ONU, que convocou grandes investidores a considerarem os requisitos socioambientais em seus planos de investimentos. Cabe salientar que naquela anãpoca apenas 23 empresas foram signata¡rias deste relatório. Mais recentemente, em 2019, 181 CEOs de megacorporações assinaram um documento que se refere a “Declaração de Propa³sitoâ€, comprometendo-se com a adoção de novas prática s sintonizadas com o desenvolvimento sustenta¡vel e maior responsabilidade social corporativa.
Essa nova modalidade de investimentos em projetos e empreendimentos apresenta-se como uma alternativa atraente aos modelos de investimento tradicionais, pois considera que tais projetos e empreendimentos devam ser, além de via¡veis do ponto de vista econa´mico-financeiro, atraentes na perspectiva dos seus impactos socioambientais positivos. Em outros termos, trata-se de uma categoria de “investimento consciente†na busca de soluções para os graves problemas de ordem social e ambiental.
Na esteira dos “tatulos verdes“ (green bonds), o mercado financeiro passou a incluir os tatulos sociais, com foco em impactos sociais sustenta¡veis, que podem ser conectados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustenta¡vel (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas em 2015 e que norteariam a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustenta¡vel.
Segundo o BID, o mercado de tatulos tema¡ticos, criado hápouco mais de dez anos, tem crescido em linha com as demandas dos investidores, que da£o cada vez mais importa¢ncia para a “gestãode riscos e governana§a†em torno dos “impactos sociais e ambientais†gerados pelos nega³cios.
Já no final de 2017 o presidente francaªs Emmanuel Macron promoveu o encontro One Planet, em resposta a s ameaa§as de Donald Trump de deixar o Acordo de Paris. Naquela oportunidade, oito bancos centrais criaram a Rede para o “Esverdeamento do Setor Financeiroâ€. “Essa rede estãohoje com 69 BCs e tem uma lista de 13 observadores, dentre eles o FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano osBIRD, além de vários bancos regionais†(segundo o professor JoséEly da Veiga, FEA/USP).
O mercado de tatulos de davida tema¡ticos (ou tatulos amiga¡veis) osos chamados “tatulos verdes, sociais ou sustenta¡veisâ€, destinados especialmente a combater prática s que provoquem aquecimento global e degradação ambiental ossomou US$ 328 bilhaµes-2019 (R$ 1,8 trilha£o) em emissaµes em todo o mundo no ano passado, alta de 57% ante 2018 (dados compilados no inicio de junho passado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento osBID, com base em informações da agaªncia Bloomberg, em julho de 2020).
No Brasil tais investimentos já comea§am a surgir, ainda que de forma bastante tamida. Segundo a entidade do mercado de capitais (a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais osAnbima), atualmente existem cerca de R$ 700 milhões aplicados em fundos de ações na modalidade ESG, o que equivale apenas a 0,13% do total de investimentos em fundos de ações no Brasil. Apesar disso, alguns fundos de investimentos de impactos ambiental apresentaram crescimento significativo ao longo dos últimos anos. Apenas a título de exemplo: a MOV Investimentos éuma gestora de fundos de impacto socioambiental cujo volume de investimentos cresceu cerca de 6,7 vezes desde sua criação (em 2012) atéo 1º. quadrimestre de 2019. Na mesma linha, a Vox Capital, também um fundo de investimentos de impacto, cresceu cerca de 12 vezes neste período.
Outro indicador importante a se considerar nestes novos tempos éo andice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em 2005 pela Bolsa de Valores de Sa£o Paulo, a semelhança do andice norte-americano oso Dow Jones Sustainability Index. Desde sua criação atéjunho de 2011, a taxa de valorização deste andice financeiro evolui praticamente da mesma forma que o tradicional iBovespa. Poranãm, a partir de julho de 2011 atéjunho de 2019, enquanto o iBovespa apresentou uma valorização de 225%, o ISE valorizou 240%, o que reforça a percepção de que os investimentos sustenta¡veis vieram para ficar.
Finalmente, vale a pena salientar que, apesar da existaªncia de alguns andices referentes a aspectos isolados oscomo o andice de Governana§a Corporativa (IGCT) e o andice Carbono Eficiente (ICO2), além dos andices das bolsas de valores –, ainda não háuma entidade que seja oficialmente responsável pelo selo ou certificado ESG. Trata-se, assim, de um mercado a ser desenvolvido pelas instituições e pelos empreendedores.
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Joa£o Amato Neto
Professor titular do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP e presidente da diretoria executiva da Fundação Vanzolini