Opinião

Deu no New York Times
Que bom seria se a foto simbolizasse o nosso Cristo Redentor abena§oando uma equipe de desinfeca§a£o, no momento de sua partida, abrindo o caminho para um exanãrcito de vacinadores enviados para salvar vidas em todos os rincaµes dopaís.
Por Luiz Roberto Serrano - 03/03/2021


The New York Times de 03 de mara§o de 2021- Fotomontagem sobre a Home The New York Times
 
Nestes tempos obscuros em que a pandemia nos oprime, dar asas a  imaginação ajuda a aliviar a realidade que nos cerca, neste quase um ano de isolamento (para os que se isolam, éclaro).

Foi o que pensei quando vi esta foto da matéria “Brazil Covid Crisis Is a Warning to the Whole World, Scientists Say”*, publicada neste 3 de janeiro, no New York Times, com direito a chamada com destaque na home. A linha fina da matéria, o sub-tí­tulo no jarga£o jornala­stico, dizia “Brazil is seeing a record number of deaths, and a spread of a more contagious coronavirus variant that may cause reinfection”**.

Além de descrever o quadro drama¡tico que a pandemia gera nopaís, no momento, referindo-se, claro, a  ineficiência do governo federal no seu combate, alerta que as variantes do coronava­rus já atravessaram as fronteiras dopaís e ameaa§am outras plagas.

Que bom seria se a foto simbolizasse o nosso Cristo Redentor abena§oando uma equipe de desinfecção, no momento de sua partida, abrindo o caminho para um exanãrcito de vacinadores enviados para salvar vidas em todos os rincaµes dopaís. Mas, imaginar ésão imaginar.

A foto, na verdade, registra o momento em que aquela equipe de desinfecção estava la¡ para preparar a reabertura do Cristo ao paºblico, em meados do ano passado. Registre-se que, agora em 2021, as primeiras vacinações no Rio de Janeiro foram la¡ realizadas, com o intuito publicita¡rio de mostrar o seu ini­cio no Estado, depois que o vizinho Sa£o Paulo já inaugurara a sua campanha. Mas, infelizmente, a campanha de vacinação se desenvolve aos trancos e barrancos, aos solua§os, muito mais devagar do que deveria e opaís mereceria.

Deu no New York Times, o tí­tulo deste artigo, tem duas inspirações.

Uma delas éo filme Tanga (Deu no New York Times?) dirigido pelo genial cartunista, quadrinista e jornalista Henfil, em que o ditador, exercendo censura pesada, recebe o aºnico exemplar do jornal nopaís e manda destrui-lo assim que o laª, vedando o acesso ao paºblico, especialmente a  oposição.

Trata-se de uma sa¡tira ao que acontecia no Brasil atémeados dos anos 1970, quando o governo Geisel suspendeu a censura a  imprensa. Nesse período, a imprensa estrangeira era a principal fonte de nota­cias sensa­veis ao regime, que não circulavam nopaís. New York Times, Le Monde, a BBC, são para citar alguns vea­culos, eram procurados e lidos com avidez pela oposição.

Deu no New York Times também éo tí­tulo do livro que o jornalista estadunidense Larry Rother escreveu sobre o Brasil, onde exerceu o cargo de correspondente em várias oportunidades, sendo a última pelo New York Times. Rother fez uma ponta no filme de Henfil. Anos mais tarde, esteve no epicentro de um processo de expulsão do Brasil no governo Lula, episãodio habilmente desmontado pelo então Ministro da Justia§a, Ma¡rcio Thomas Bastos. Eu estava em Brasa­lia, nesses dias, fazendo uma matéria para a revista Imprensa, e assisti os esforços do então secreta¡rio de imprensa do governo, Ricardo Kotscho, para ajudar a reverter a ideia da expulsão.

O livro éum rico relato de suas vivaªncias, experiência e visão do Brasil. Vale registrar no Jornal da USP uma de suas observações sobre opaís: “”Os feitos em ciência e tecnologia são uma das melhores maneiras de apagar a noção ainda remanescente de que o Brasil, como De Gaulle teria dito uma vez na década de 60, ‘não éumpaís sanãrio’ e de projeta¡-lo no primeiro escala£o da pola­tica global.” (Uma observação: a frase atribua­da pelo senso comum ao ex-presidente francaªs, De Gaulle, teria sido dita por um diplomata).

Nãoéa primeira vez que a crise da pandemia éretratada no New York Times, jornal que soma sete milhões de assinantes ao redor do planeta, mas desta vez o relato émais drama¡tico e coloca opaís no papel indesejável de exportador das novas cepas do va­rus indicando-o, no ta­tulo, como causa de preocupação em todo o mundo. Na tera§a-feira, 2, assistindo ao noticia¡rio sobre a pandemia no Jornal Nacional, um relato de dramas de norte a sul dopaís, me perguntei como as autoridades que despacham no Pala¡cio do Planalto e cercanias e seus apoiadores pelopaís fora decodificam aquelas informações aflitivas, desesperadoras, com milhares de vidas humanas em jogo. Estão convencidos de que étudo um gigantesco fake news? Manobra da oposição? a‰ um noticia¡rio sobre outropaís?

No Brasil, sempre se deu muita importa¢ncia, e énatural que assim seja, sobre a imagem do Brasil no exterior. Claro que temos nossas próprias pernas. Mas essa imagem reflete no apoio que o mundo da¡ aopaís, ao desenvolvimento de sua sociedade e de sua economia. Na sua caminhada no concerto das Nações. Se a “Amanãrica First”de Trump não resistiu a  realidade, o que dizer de um Brasil isolado, afogado em desacertos em quase todos os aspectos da vida dopaís?

*”A crise da covid no Brasil éum alerta para todo o mundo, dizem cientistas”
** “Brasil convive com número recorde de mortes e o alastramento de um coronava­rus mais contagioso que pode causar reinfecção”

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Luiz Roberto Serrano
Jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP

 

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