Opinião

Amaza´nia: presente e futuro em discussão
a‰ fundamental um sistema de governana§a regional, pois a preservaa§a£o da floresta tem que ser feita de modo integrado pelospaíses que compartilham o ecossistema. No fa³rum internacional, evidentemente o Brasil vai ser pressionado para dar resulta
Por Paulo Artaxo - 14/03/2021


Monitoramento de desmatamento e queimadas na Amaza´nia em 9 de julho de 2020 osFoto: Christian Braga/Greenpeace

Muito se fala que a Amaza´nia échave na preservação da biodiversidade e na regulação do clima. Tambanãm éessencial no processamento de vapor de águapara o Brasil central e sul, tem a maior diversidade do planeta, o ciclo hidrola³gico mais intenso, além de ser o maior reposita³rio de carbono de qualquer regia£o continental. Mas, mesmo sendo estratanãgica, suas caracteri­sticas e importa¢ncia mundial levam a questões complexas:

1. Como desenvolver essa riqueza imensa sem destrua­-la?

2. Como preservar a cultura de centenas de etnias inda­genas?

3. Como explorar a biodiversidade e implantar uma bioeconomia na regia£o de maneira a preserva¡-la?

A Amaza´nia temDimensões continentais, com cerca de 7.58 milhões de km², sendo que a Amaza´nia Legal brasileira tem 5.03 milhões de km² (58.9% do territa³rio nacional). Sua área édividida por novepaíses (Brasil, Cola´mbia, Peru, Venezuela, Equador, Bola­via, Guiana Inglesa, Guiana Francesa e Suriname). Representa 67% das florestas tropicais remanescentes no planeta. Com um clima peculiar, solos com poucos nutrientes, abriga 20% das a¡guas doces.

Na Amaza´nia, ocorrem 17% da fotossa­ntese do planeta, a floresta tem mais de 10% da biodiversidade do planeta e contanãm cerca de 120 bilhaµes de toneladas de carbono, ou o equivalente a cerca de dez anos de toda a queima de combusta­veis fa³sseis mundiais. Esses números superlativos da£o uma ideia do desafio que éentender o funcionamento e a dina¢mica desse fanta¡stico sistema, e de desenvolver estratanãgias sustenta¡veis.

O problema éque a floresta amaza´nica estãosendo destrua­da, e rapidamente. Em 2020, foram 11.088 km² de florestas que desapareceram em um ano. E a área que foi afetada por degradação florestal pode ser duas vezes maior. Nos últimos 30 anos, a regia£o perdeu pelo menos 19% de sua cobertura florestal. Asmudanças climáticas também podem estar impactando o funcionamento do ecossistema, já que a regia£o se aqueceu cerca de 2 graus centa­grados e o ciclo hidrola³gico estãomudando. O fluxo de águado Rio Amazonas em a“bidos aumentou 30% e a evapotranspiração da floresta se reduziu em mais da metade de sua área. Os eventos clima¡ticos extremos como secas e cheias intensas se intensificaram, e a estação seca aumentou em 18 dias nos últimos 30 anos no sul da Amaza´nia.

A floresta absorvia grandes quantidades de CO2 atmosfanãrico atédez anos atrás, mas hoje ébasicamente neutra em carbono devido ao aumento da mortalidade das a¡rvores. As emissaµes das queimadas produzem oza´nio, a³xidos de nitrogaªnio epartículas de aerossãois que afetam a saúde das pessoas e impactam negativamente no ecossistema. Os na­veis de vários poluentes atmosfanãricos durante 3-4 meses da estação seca ultrapassam em muito os padraµes de qualidade do ar, e afetam a saúde da população amaza´nica significativamente.

O Brasil já mostrou que épossí­vel, fa¡cil e rápido conter a destruição da Amaza´nia, pois reduziu a taxa de desmatamento de 27.772 km, em 2004, para 4.571 km² em 2012. Essa forte redução de 84% foi obtida mediante políticas públicas transversais consistentes, baseadas na ciência e no fortalecimento dos órgãos de vigila¢ncia e fiscalização. Houve a demarcação de áreas protegidas, implantados sistemas de monitoramento, feitas ações de repressão a crimes ambientais, promoveu-se morata³rias da soja e da carne e implantou-se mecanismos de restrição de cranãdito para propriedades que desmataram ilegalmente, entre outras medidas. Em suma: cumpriu-se a lei, e o desmatamento diminuiu.

Entretanto, após 2014, o desmatamento voltou a subir rapidamente osde 5.012 km² por ano, em 2014, para 11.088 km², em 2020, um aumento de 121% no período. A taxa de desmatamento subiu 34%, em 2019, e 10%, em 2020. Evidentemente, háuma pola­tica em vigor, com o desmantelamento da fiscalização e repressão ao crime na Amaza´nia. Uma grande parte destes crimes envolve invasaµes ilegais em Unidades de Conservação e Terras Inda­genas, além de ocupação ilegal de terras da Unia£o.

Amaza´nia osFoto: Wikimedia Commons
 
O processo de destruição da floresta amaza´nica estãodiretamente relacionado a  percepção de impunidade por grileiros de terras, envolvidos em atividades como mineração e extração de madeira, resultado dos discursos governamentais, dos ataques aos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da fragilização da fiscalização pelo Ibama, Pola­cia Federal e outros órgãos. Importante salientar que o aumento do desmatamento vem sendo potencializado pelo sistema¡tico desmonte das políticas ambientais no Brasil, além de um falso discurso de incompatibilidade entre desenvolvimento econa´mico da regia£o amaza´nica e preservação ambiental. Esse quadro, inclusive, provocou forte deterioração da imagem internacional do Brasil.

O Sistema de Estimativas de Emissaµes e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) estima que a mudança do uso do solo no Brasil emitiu 968 milhões de toneladas de CO2 em 2019. Dos quatro munica­pios que mais emitem gases de efeito estufa (GEE) no Paa­s, três estãona Amaza´nia: Sa£o Fanãlix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Porto Velho (RO); Sa£o Paulo éo quarto. A atividade agropecua¡ria éresponsável pela emissão de 598 milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera, ou cerca de 72% das emissaµes brasileiras. Globalmente, a produção de alimentos éresponsável por 37% das emissaµes de GEE, também uma proporção muito alta. Portanto, encontrar maneiras de produzir alimentos com menores emissaµes échave para nossopaís e para o planeta como um todo.

Além do desmatamento em si, a floresta também corre outros riscos. O aumento da temperatura e de eventos clima¡ticos extremos causados pelo aquecimento global já estãoafetando o balana§o de carbono da floresta. A continuar a queima de combusta­veis fa³sseis que são responsa¡veis por 87% das emissaµes globais de GEE, podemos ter um chamado tipping point no funcionamento ba¡sico da floresta, fazendo com que a parte não desmatada da Amaza´nia não tenha mais condições de sustentar o ecossistema. Em que ponto estãoeste tipping point? Se considerarmos em termos do desmatamento ostalvez 40% da área? Ou de aumento de temperatura, quem sabe quatro graus? Na verdade, ninguanãm sabe, e éuma questãode debate na academia.

Importante salientar que, se todos ospaíses cumprirem suas metas do Acordo de Paris, a temperatura média do planeta pode subir cerca de 3.3 graus ao longo deste século. O aumento de temperatura na Amaza´nia, nesse cena¡rio, pode ser de 4.0 a 4.3 graus. Já desmatamos 19% da floresta e estamos com um aquecimento na Amaza´nia de cerca de 2 graus, portanto, podemos estar a meio caminho de um perigoso tipping point.

Além da questãoclima¡tica, o uso sustenta¡vel da biodiversidade também éum enorme desafio. a‰ preciso identificar novas cadeias produtivas e melhorar as existentes e, mais importante, que isso se faz com distribuição de renda, já que a regia£o tem os mais baixos andices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. A chamada terceira via amaza´nica, ou Amaza´nia 4.0, compreende ideias que precisam ser desenvolvidas e implementadas. O que seria, por exemplo, uma bioeconomia amaza´nica capaz de produzir cadeia produtivas usando os recursos genanãticos? Quais políticas públicas precisam ser implementadas para viabilizar uma bioeconomia na Amaza´nia 4.0?

Certamente, o modelo de desenvolvimento com agropecua¡ria intensiva parece ter chegado ao limite, e o Paa­s precisa construir alternativas para adicionar valor ao coração da floresta. Essas alternativas precisam levar em conta as dificuldades da regia£o como fornecimento de energia, comunicação e aspectos educacionais e culturais locais. Precisamos também desenvolver a ciência necessa¡ria para pensar uma economia baseada na floresta e em bioindaºstrias locais.

Um desafio importante éa integração das estratanãgias para preservação da Amaza´nia pelos novepaíses responsa¡veis por esse bioma. a‰ fundamental um sistema de governana§a regional, pois a preservação da floresta tem que ser feita de modo integrado pelospaíses que compartilham o ecossistema. No fa³rum internacional, evidentemente o Brasil vai ser pressionado para dar resultados concretos.

Milhares de va­rus desconhecidos da ciência estãoem equila­brio na fauna e flora da Amaza´nia. Conforme avana§a o desmatamento, o contato de coronava­rus como o Sars-Cov-2 com nossa civilização fica facilitado, e ésomente questãode tempo para que outras pandemias como a covid-19 venham a surgir. Florestas tropicais da áfrica geraram a pandemia do ebola, e da asia vários outros va­rus impactaram nossa sociedade. Fundamental diminuir a possibilidade de novas pandemias, reduzindo a destruição de florestas tropicais.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Paulo Artaxo
Professor do Instituto de Fa­sica da USP e do Research Center of Greenhouse Gas Inovation da Poli-USP

 

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