a‰ fundamental um sistema de governana§a regional, pois a preservaa§a£o da floresta tem que ser feita de modo integrado pelospaíses que compartilham o ecossistema. No fa³rum internacional, evidentemente o Brasil vai ser pressionado para dar resulta

Monitoramento de desmatamento e queimadas na Amaza´nia em 9 de julho de 2020 osFoto: Christian Braga/Greenpeace
Muito se fala que a Amaza´nia échave na preservação da biodiversidade e na regulação do clima. Tambanãm éessencial no processamento de vapor de águapara o Brasil central e sul, tem a maior diversidade do planeta, o ciclo hidrola³gico mais intenso, além de ser o maior reposita³rio de carbono de qualquer regia£o continental. Mas, mesmo sendo estratanãgica, suas caracteristicas e importa¢ncia mundial levam a questões complexas:
1. Como desenvolver essa riqueza imensa sem destrua-la?
2. Como preservar a cultura de centenas de etnias indagenas?
3. Como explorar a biodiversidade e implantar uma bioeconomia na regia£o de maneira a preserva¡-la?
A Amaza´nia temDimensões continentais, com cerca de 7.58 milhões de km², sendo que a Amaza´nia Legal brasileira tem 5.03 milhões de km² (58.9% do territa³rio nacional). Sua área édividida por novepaíses (Brasil, Cola´mbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolavia, Guiana Inglesa, Guiana Francesa e Suriname). Representa 67% das florestas tropicais remanescentes no planeta. Com um clima peculiar, solos com poucos nutrientes, abriga 20% das a¡guas doces.
Na Amaza´nia, ocorrem 17% da fotossantese do planeta, a floresta tem mais de 10% da biodiversidade do planeta e contanãm cerca de 120 bilhaµes de toneladas de carbono, ou o equivalente a cerca de dez anos de toda a queima de combustaveis fa³sseis mundiais. Esses números superlativos da£o uma ideia do desafio que éentender o funcionamento e a dina¢mica desse fanta¡stico sistema, e de desenvolver estratanãgias sustenta¡veis.
O problema éque a floresta amaza´nica estãosendo destruada, e rapidamente. Em 2020, foram 11.088 km² de florestas que desapareceram em um ano. E a área que foi afetada por degradação florestal pode ser duas vezes maior. Nos últimos 30 anos, a regia£o perdeu pelo menos 19% de sua cobertura florestal. Asmudanças climáticas também podem estar impactando o funcionamento do ecossistema, já que a regia£o se aqueceu cerca de 2 graus centagrados e o ciclo hidrola³gico estãomudando. O fluxo de águado Rio Amazonas em a“bidos aumentou 30% e a evapotranspiração da floresta se reduziu em mais da metade de sua área. Os eventos clima¡ticos extremos como secas e cheias intensas se intensificaram, e a estação seca aumentou em 18 dias nos últimos 30 anos no sul da Amaza´nia.
A floresta absorvia grandes quantidades de CO2 atmosfanãrico atédez anos atrás, mas hoje ébasicamente neutra em carbono devido ao aumento da mortalidade das a¡rvores. As emissaµes das queimadas produzem oza´nio, a³xidos de nitrogaªnio epartículas de aerossãois que afetam a saúde das pessoas e impactam negativamente no ecossistema. Os naveis de vários poluentes atmosfanãricos durante 3-4 meses da estação seca ultrapassam em muito os padraµes de qualidade do ar, e afetam a saúde da população amaza´nica significativamente.
O Brasil já mostrou que épossível, fa¡cil e rápido conter a destruição da Amaza´nia, pois reduziu a taxa de desmatamento de 27.772 km, em 2004, para 4.571 km² em 2012. Essa forte redução de 84% foi obtida mediante políticas públicas transversais consistentes, baseadas na ciência e no fortalecimento dos órgãos de vigila¢ncia e fiscalização. Houve a demarcação de áreas protegidas, implantados sistemas de monitoramento, feitas ações de repressão a crimes ambientais, promoveu-se morata³rias da soja e da carne e implantou-se mecanismos de restrição de cranãdito para propriedades que desmataram ilegalmente, entre outras medidas. Em suma: cumpriu-se a lei, e o desmatamento diminuiu.
Entretanto, após 2014, o desmatamento voltou a subir rapidamente osde 5.012 km² por ano, em 2014, para 11.088 km², em 2020, um aumento de 121% no período. A taxa de desmatamento subiu 34%, em 2019, e 10%, em 2020. Evidentemente, háuma polatica em vigor, com o desmantelamento da fiscalização e repressão ao crime na Amaza´nia. Uma grande parte destes crimes envolve invasaµes ilegais em Unidades de Conservação e Terras Indagenas, além de ocupação ilegal de terras da Unia£o.
Amaza´nia osFoto: Wikimedia Commons
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O processo de destruição da floresta amaza´nica estãodiretamente relacionado a percepção de impunidade por grileiros de terras, envolvidos em atividades como mineração e extração de madeira, resultado dos discursos governamentais, dos ataques aos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da fragilização da fiscalização pelo Ibama, Polacia Federal e outros órgãos. Importante salientar que o aumento do desmatamento vem sendo potencializado pelo sistema¡tico desmonte das políticas ambientais no Brasil, além de um falso discurso de incompatibilidade entre desenvolvimento econa´mico da regia£o amaza´nica e preservação ambiental. Esse quadro, inclusive, provocou forte deterioração da imagem internacional do Brasil.
O Sistema de Estimativas de Emissaµes e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) estima que a mudança do uso do solo no Brasil emitiu 968 milhões de toneladas de CO2 em 2019. Dos quatro municapios que mais emitem gases de efeito estufa (GEE) no Paas, três estãona Amaza´nia: Sa£o Fanãlix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Porto Velho (RO); Sa£o Paulo éo quarto. A atividade agropecua¡ria éresponsável pela emissão de 598 milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera, ou cerca de 72% das emissaµes brasileiras. Globalmente, a produção de alimentos éresponsável por 37% das emissaµes de GEE, também uma proporção muito alta. Portanto, encontrar maneiras de produzir alimentos com menores emissaµes échave para nossopaís e para o planeta como um todo.
Além do desmatamento em si, a floresta também corre outros riscos. O aumento da temperatura e de eventos clima¡ticos extremos causados pelo aquecimento global já estãoafetando o balana§o de carbono da floresta. A continuar a queima de combustaveis fa³sseis que são responsa¡veis por 87% das emissaµes globais de GEE, podemos ter um chamado tipping point no funcionamento ba¡sico da floresta, fazendo com que a parte não desmatada da Amaza´nia não tenha mais condições de sustentar o ecossistema. Em que ponto estãoeste tipping point? Se considerarmos em termos do desmatamento ostalvez 40% da área? Ou de aumento de temperatura, quem sabe quatro graus? Na verdade, ninguanãm sabe, e éuma questãode debate na academia.
Importante salientar que, se todos ospaíses cumprirem suas metas do Acordo de Paris, a temperatura média do planeta pode subir cerca de 3.3 graus ao longo deste século. O aumento de temperatura na Amaza´nia, nesse cena¡rio, pode ser de 4.0 a 4.3 graus. Já desmatamos 19% da floresta e estamos com um aquecimento na Amaza´nia de cerca de 2 graus, portanto, podemos estar a meio caminho de um perigoso tipping point.
Além da questãoclima¡tica, o uso sustenta¡vel da biodiversidade também éum enorme desafio. a‰ preciso identificar novas cadeias produtivas e melhorar as existentes e, mais importante, que isso se faz com distribuição de renda, já que a regia£o tem os mais baixos andices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. A chamada terceira via amaza´nica, ou Amaza´nia 4.0, compreende ideias que precisam ser desenvolvidas e implementadas. O que seria, por exemplo, uma bioeconomia amaza´nica capaz de produzir cadeia produtivas usando os recursos genanãticos? Quais políticas públicas precisam ser implementadas para viabilizar uma bioeconomia na Amaza´nia 4.0?
Certamente, o modelo de desenvolvimento com agropecua¡ria intensiva parece ter chegado ao limite, e o Paas precisa construir alternativas para adicionar valor ao coração da floresta. Essas alternativas precisam levar em conta as dificuldades da regia£o como fornecimento de energia, comunicação e aspectos educacionais e culturais locais. Precisamos também desenvolver a ciência necessa¡ria para pensar uma economia baseada na floresta e em bioindaºstrias locais.
Um desafio importante éa integração das estratanãgias para preservação da Amaza´nia pelos novepaíses responsa¡veis por esse bioma. a‰ fundamental um sistema de governana§a regional, pois a preservação da floresta tem que ser feita de modo integrado pelospaíses que compartilham o ecossistema. No fa³rum internacional, evidentemente o Brasil vai ser pressionado para dar resultados concretos.
Milhares de varus desconhecidos da ciência estãoem equilabrio na fauna e flora da Amaza´nia. Conforme avana§a o desmatamento, o contato de coronavarus como o Sars-Cov-2 com nossa civilização fica facilitado, e ésomente questãode tempo para que outras pandemias como a covid-19 venham a surgir. Florestas tropicais da áfrica geraram a pandemia do ebola, e da asia vários outros varus impactaram nossa sociedade. Fundamental diminuir a possibilidade de novas pandemias, reduzindo a destruição de florestas tropicais.
As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com
Paulo Artaxo
Professor do Instituto de Fasica da USP e do Research Center of Greenhouse Gas Inovation da Poli-USP