Ford. Mercedes Benz. Sony. Roche. LG. Talvez Audi, Renault e Nissan. Na£o, não éuma propaganda de grandes empresas. a‰ uma lista de algumas importantes marcas que decidiram sair ou reduzir sua operaça£o nopaís, ou planejam fazaª-lo em breve.

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Ford. Mercedes Benz. Sony. Roche. LG. Walmart. Talvez Audi, Renault e Nissan. Na£o, não éuma propaganda de grandes empresas. a‰ uma lista de algumas oseu disse algumas, hávárias outras osimportantes marcas que decidiram sair ou reduzir sua operação nopaís, ou planejam fazaª-lo em breve. Nos últimos dois anos, esta lista tem aumentado e, se no inicio eram casos isolados, atualmente o coro tem engrossado e este movimento se consolidou como uma tendaªncia. A confirmação desse cena¡rio seria desastrosa para o Brasil, pois aprofundaria ainda mais o processo de desindustrialização. E quais seriam as consequaªncias?
Primeiro, precisamos lembrar que umpaís pode ter que se endividar externamente, e de modo crescente, se depender de importações de insumos ou produtos finais industrializados com maior conteaºdo tecnola³gico. Num momento seguinte, opaís tera¡ de exercer a opção por crescer menos para importar menos; éo voo de galinha que vivenciamos ao longo de nossa história nos últimos 100 anos. Além disso, o desmonte dos setores industriais acentua a desarticulação das cadeias produtivas, que já vão sendo fragmentadas hádécadas, e o acesso a tecnologia de ponta, ou pelo menos de algum esta¡gio de desenvolvimento tecnola³gico, éprejudicado. Por consequaªncia, o impacto sobre a produção e emprego não se resume a s empresas que deixam nossopaís. Por fim, a desindustrialização implica na perda de bons empregos.
A preocupação de todas as grandes economias neste momento éa reindustrialização e a recuperação de empregos que possibilitem fortalecer a classe média e minorar o processo de concentração de renda. Por que os empregos na indústria possuem essa característica? Porque eles pagam sala¡rios pra³ximos a média nacional e são ocupados por pessoas comnívelde escolaridade pra³ximo a média; portanto, são adequados a grande parte da força de trabalho. Estamos caminhando na direção exatamente oposta hámuito tempo. Para termos uma noção da dimensão do que estãoocorrendo, em 1940, quando esta¡vamos engatinhando no processo de industrialização, 11% da força de trabalho estava empregada na indústria de transformação; após a fase de crescimento da indaºstria, da renda, da classe média e da urbanização, chegamos a 20% em 1980; e, por sua vez, em 2020, voltamos praticamente a mesma participação registrada há80 anos, pois esse percentual recuou para 11,4%.
Ah, mas o carro chefe da economia atualmente são os servia§os, a indústria já não étão necessa¡ria...então, pergunte aos asia¡ticos por que eles se esforçaram em deslocar o eixo manufatureiro global para la¡ e por que EUA e Alemanha acabaram de elaborar planos estratanãgicos de recuperação de suas indaºstrias. Além disso, o grande demandante de servia§os mais sofisticados na economia anã....a própria indaºstria.
Se umpaís quiser crescer, não pode abdicar de sua indaºstria; certamente esse setor tera¡ caracteristicas distintas no futuro pra³ximo, serámais verde, sustenta¡vel, tecnola³gico. Mas não deixara¡ de exercer os efeitos positivos que sempre provocou.
Por que chegamos a esse cena¡rio? O que precisamos fazer para dele sair? Vamos por partes. A indústria sofre maior concorraªncia externa que os demais setores, seja porque alguns deles usufruem da abunda¢ncia de recursos naturais, como o agronega³cio no caso brasileiro, o que facilita seu posicionamento no comanãrcio internacional, ou seja porque, no caso da maioria dos servia§os, émuito menos custoso consumi-los aqui que no exterior osninguanãm vai ao Uruguai para cortar o cabelo ou fazer gina¡stica, por exemplo.
Além de estar mais exposta a concorraªncia externa, a indústria foi desestimulada a fazaª-lo nas últimas décadas pelas decisaµes de políticas governamentais. Taxa de juros alta, taxa de ca¢mbio apreciada por muito tempo, carga tributa¡ria onerando proporcionalmente mais o setor, ausaªncia de infraestrutura logastica, inexistaªncia de uma polatica de apoio a s exportações e estratanãgias ineficientes de desenvolvimento cientafico, tecnola³gico e produtivo (lembremos que a Embrapa, empresa pública, se dedica ao desenvolvimento de soluções para o agronega³cio). Soma-se a isso a recente redução de tarifas de importação e renaºncia unilateral da preferaªncia por produtos locais nas compras governamentais, sem contrapartida ou justificativa razoa¡vel. Os asia¡ticos devem estar dando risada.
Nãoéa toa que as empresas de eletra´nicos, e mesmo as automobilasticas, que usam a chamada tecnologia embarcada, estãosaindo dopaís; os incentivos para importar tanto insumos como produtos finais tornam essa decisão muito mais acertada, do ponto de vista da empresa multinacional, que optar pela produção local. Poranãm, para o conjunto da economia e da sociedade, essa decisão éum desastre.
Nossos governos optaram, desde os anos 90, por uma abertura comercial que são considera um fator osas importações. Nãohouve uma polatica clara, consistente (e essencial) de estamulo a s exportações. Soma-se a esse cena¡rio a polatica econa´mica dos últimos anos, que desestimula o crescimento e a demanda, e a falta de uma estratanãgia clara de desenvolvimento para opaís. Os gestores das empresas sabem que outrospaíses apresentam políticas e performances melhores.
Assim, para mudar esse cena¡rio, uma sanãrie de ações são necessa¡rias. Primeiro, o governo necessita delinear um projeto de desenvolvimento claro para opaís, indicando as políticas e instrumentos que utilizara¡ para apoiar o setor produtivo, e quais são os objetivos e metas de longo prazo deste projeto. Uma necessa¡ria polatica de desenvolvimento produtivo deveria possuir como uma das metas principais exportar, e de forma anexa a ela, uma estrutura de incentivos para as empresas conseguirem viabilizar esse objetivo; o investimento paºblico deve ser o propulsor do crescimento na saada da pandemia, porque o setor privado não vaª atratividade em investir neste cena¡rio e enfrenta elevada restrição financeira para se endividar; as taxas de juros deveriam ser mantidas em um patamar baixo, para evitar uma retração maior ainda donívelde atividade e do investimento (não hárisco de uma alta da inflação permanente com a demanda tão desaquecida que justifique a elevação do custo do dinheiro);Â a taxa de ca¢mbio deveria flutuar ligeiramente em torno de seu patamar competitivo; deve ser adotada uma estratanãgia para estabilizar a relação davida pública / PIB a manãdio prazo, o que requer uma combinação de aumento de impostos sobre a renda dos mais ricos e corte de isenções tributa¡rias e um pente fino sobre as despesas correntes. Por último, a reforma tributa¡ria deve resultar em tributação proporcionalmente menor sobre a produção e maior sobre a renda, e énecessa¡ria uma estabilidade polatica e institucional que estãose esvaindo, além de um enfrentamento adequado a pandemia e a devastação ambiental.
Enfim, parece que o caminho élongo, estamos um pouco distantes de tudo isso, mas não éum cena¡rio irrecupera¡vel. Dada a quantidade de tarefas a serem realizadas e de acordos necessa¡rios para que todas essasmudanças ocorram, éfundamental que a sociedade se una e reaºna forças para alterar esse cena¡rio e evitar que opaís perca uma estrutura produtiva montada a duras penas ao longo de décadas. Â
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com
Nelson Marconi
Professor da Escola de Administração de Empresas de Sa£o Paulo (FGV EAESP) e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo. Doutor e Mestre em Economia pela FGV, tendo realizado bolsa sanduache no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Graduado em Economia pela PUC-SP. Coordenador do Forum de Economia da FGV.