Opinião

Como obter vacinas COVID-19 parapaíses pobres - e ainda manter os benefa­cios da patente para os fabricantes de medicamentos
O mundo tem um problema de acesso a  vacina COVID-19: quase metade de todas as doses administradas atéagora foram na Europa e na Amanãrica do Norte, enquanto muitospaíses mais pobres vacinaram menos de 1% de suas populaa§aµes.
Por Dalindyebo Shabalala - 15/04/2021


A equipe do hospital em Lagos, Niganãria, administra a vacina AstraZeneca. AP Photo / Domingo Alamba

O mundo tem um problema de acesso a  vacina COVID-19: quase metade de todas as doses administradas atéagora foram na Europa e na Amanãrica do Norte, enquanto muitospaíses mais pobres vacinaram menos de 1% de suas populações.

Com as novas variantes do coronava­rus aumentando o risco a  saúde, a áfrica do Sul e a andia propuseram que a Organização Mundial do Comanãrcio renunciasse temporariamente aos direitos de propriedade intelectual das vacinas COVID-19 para ajudar a aumentar a produção.

Os EUA, a Gra£-Bretanha e a Unia£o Europeia rejeitaram a ideia , argumentando que os direitos de propriedade intelectual - que da£o aos criadores de vacinas o poder de impedir que outras empresas reproduzam seus produtos - são necessa¡rios para garantir a inovação e renunciar a eles não resultaria em aumento de produção. Eles agora estãosob pressão para mudar de idanãia.

Então, existem apenas dois caminhos aqui? As patentes permanecem inviola¡veis ​​ou as patentes são desconsideradas?

Trabalho com questões jura­dicas relacionadas ao acesso a medicamentos desde 2004 e estive envolvido nesses debates na OMC e na Organização Mundial de Propriedade Intelectual, trabalhando com grupos da sociedade civil epaíses em desenvolvimento. Acredito que haja um meio-termo: o licenciamento compulsãorio.

Os governos já podem contornar patentes

Quando umpaís aprova uma patente, da¡ ao detentor da patente um monopa³lio por um período limitado, geralmente 20 anos, para ideias novas e altamente inventivas.

A promessa de ter um monopa³lio da¡ ao detentor da patente mais incentivo para assumir o risco de pesquisa e desenvolvimento e colocar um produto no mercado. A empresa pode cobrar um prea§o alto por um tempo limitado para recuperar esse investimento.

A frase-chave é“tempo limitado”. Isso garante que, uma vez que uma patente expire, outros possam fabricar o produto. Os medicamentos genanãricos são um exemplo. A concorraªncia normalmente reduz os prea§os e garante maior acesso para aqueles que desejam ou precisam do produto.

Para emergaªncias, o sistema de patentes possui uma sanãrie de va¡lvulas de segurança que permitem aos governos intervir antes que esse tempo limitado se esgote. A va¡lvula de segurança mais importante para a produção da vacina COVID-19 éa licena§a compulsãoria. Com base nas necessidades públicas - incluindo emergaªncias de saúde - um governo pode permitir que outros fazm o produto, geralmente com um royalty razoa¡vel, ou taxa, paga ao proprieta¡rio da patente.

Hoje, qualquerpaís que tenha emitido uma patente para um fabricante de vacinas COVID-19 pode usar essa patente simplesmente emitindo uma licena§a compulsãoria para permitir a produção por suas próprias empresas.

Então, por que isso não resolve o problema de acesso a  vacina COVID-19?

Patentes de vacinas terminam na fronteira

A mesma questãosurgiu no contexto do acesso a medicamentos para HIV no final da década de 1990.

Assim como com os medicamentos para o HIV naquela anãpoca, a capacidade de fabricar vacinas hoje édistribua­da de maneira desigual. A verdadeira questãonão ése umpaís como Botswana pode emitir uma licena§a compulsãoria permitindo que suas empresas nacionais fabriquem as vacinas - muitospaíses não tem esse tipo de unidade de produção e, em muitos casos, os medicamentos nem sequer são patenteados la¡ .

A verdadeira questãoése a andia, a China ou as Filipinas -países com indaºstrias farmacaªuticas pra³speras e onde os medicamentos tem muito mais probabilidade de serem patenteados - podem emitir uma licena§a compulsãoria que permitiria a s suas empresas exportar para o Botswana.

Duas pessoas em jalecos seguram uma caixa mostrando o ra³tulo
Tanãcnicos em Naira³bi, Quaªnia, seguram uma caixa da vacina AstraZeneca
COVID-19 fabricada na andia. AP Photo / Ben Curtis

Por que isso não estãoacontecendo de acordo com as regras existentes?

O Artigo 31 do Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comanãrcio , ou TRIPS, da OMC limita as licena§as compulsãorias principalmente a  produção e uso domanãstico. Nãopermite que umpaís emita uma licena§a compulsãoria para uma empresa fora de seu territa³rio. Ospaíses também não podem emitir licena§as compulsãorias para empresas em seus territa³rios para produzir produtos principalmente para exportação.

Houve várias tentativas de resolver esse problema, incluindo uma mudança no Acordo TRIPS aprovado em 2005. Mas apenas umpaís - Ruanda - usou esse sistema para acessar medicamentos. Apa³s um processo de quase dois anos, Ruanda conseguiu importar 7 milhões de doses do Canada¡. No entanto, o produtor de genanãricos canadense, Apotex, declarou que o sistema era economicamente insustenta¡vel para uma empresa privada . Durante uma revisão do sistema em 2010, muitospaíses em desenvolvimento notaram como era difa­cil de usar, com vários produtores de genanãricos desistindo no meio do processo.

O processo requer um acordo entre os doispaíses que emitem licena§as compulsãorias. Tambanãm vem com uma sanãrie de requisitos legais, incluindo produzir apenas a quantidade solicitada pelopaís importador; usar embalagens, cores ou formatos totalmente diferentes para distinguir o medicamento da produção regular; e seguindo processos especiais nopaís importador para evitar que o produto seja desviado para outro lugar. Uma licena§a obrigata³ria e uma linha de produção diferentes seriam necessa¡rias para cadapaís adicional.

Para COVID-19, hátambém outro problema: as tecnologias nas vacinas COVID-19 são complexas e envolvem maºltiplas patentes, segredos comerciais e know-how. Um sistema de licenciamento compulsãorio precisaria abordar não apenas as patentes, mas toda a propriedade intelectual relacionada.

O que fazer sobre isso

Um consãorcio internacional chamado COVAX estãotentando expandir as entregas da vacina COVID-19 apaíses de baixa renda por meio de acordos com produtores de vacinas, mas estãolutando para atingir sua meta de fornecer 2 bilhaµes de doses atéo final de 2021.

Para expandir com sucesso a produção de vacinas, ospaíses precisam de um sistema relativamente uniforme que permita a umpaís como a andia conceder uma licena§a única e abrangente permitindo que suas empresas produzam vacinas desenvolvidas por empresas americanas ou europeias para exportar para todos ospaíses que não tem capacidade de fabricação própria.

Idealmente, éisso que um sistema de licenciamento compulsãorio global em funcionamento adequado permitiria, na minha opinia£o. O licenciamento obrigata³rio não éuma violação de patente ou propriedade intelectual. O detentor dos direitos ainda éindenizado e o acesso égarantido quando for mais necessa¡rio.

A renaºncia de direitos de propriedade intelectual proposta pela OMC busca atender a essa necessidade, mas pode ser mais ampla do que o necessa¡rio. A melhor solução, a meu ver, seria facilitar o uso do licenciamento compulsãorio em todas as propriedades intelectuais relevantes necessa¡rias para expandir a fabricação de vacinas.

A remoção das limitações do TRIPS sobre a produção para exportação permitiria a umpaís como a andia, a pedido de umpaís qualificado, emitir licena§as compulsãorias gerais cobrindo todas as tecnologias de vacinas COVID-19, definir os prea§os de compensação e permitir que as vacinas sejam exportadas para váriospaíses simultaneamente.

A empresa faria a vacina em suas instalações existentes e teria permissão para estoca¡-la para pedidos futuros. Solicitações adicionais de outrospaíses poderiam ser atendidas na mesma linha de produção na mesma base, garantindo um modelo de nega³cio sustenta¡vel. O titular da patente - a Moderna, por exemplo - pode perder o controle do mercado, mas mantanãm o direito de ser indenizado, como énormal em qualquer licena§a compulsãoria.

Isso faz parte da barganha que a Moderna e a Pfizer fizeram quando receberam a proteção de patente.

O resultado pode ser um rápido aumento na fabricação de vacinas que atingepaíses que ficaram de fora. Sem vacinações globais, édifa­cil ver o fim desta pandemia. a‰ exatamente para essa emergaªncia que se destina o sistema de patentes, se for permitido que funcione adequadamente para o detentor da patente e para o paºblico.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Dalindyebo Shabalala
Professor Associado, University of Dayton

 

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