Que fique claro, 'reduzir ao manimo' e não 'totalmente', dado que uma das premissas fundamentais da ciência éa complexidade do real, que sempre deixa margem para o inusitado e o impondera¡vel!

Cortesia
"Amigos leitores, classificar qualquer presidente ou primeiro-ministro dos diversospaíses que enfrentam a pandemia do Covid-19 como 'genocida' éagir consciente (como militante) ou ingenuamente (por ignora¢ncia) no a¢mbito dessa tradição polatica que não respeita o significado sema¢ntico original das palavras e das realidades fatuais constitutivas dos contextos hista³ricos, propositadamente as distorcendo, sem nenhum pudor anãtico-moral, para que atendam aos seus planos de conquista do poder. Empiricamente, desafio: apontem um chefe de estado ou chefe de governo cujas ações, no enfrentamento deste varus, se enquadrem nas definições de 'genocida' constantes dos diciona¡rios citados!"
Geraldo FilhoÂ
Observando os acontecimentos no Brasil que envolvem a pandemia do Covid-19, chama atenção o uso fa¡cil por parte de polaticos, jornalistas e professores universita¡rios (que por dever de ofacio deveriam ser mais criteriosos no uso dos conceitos) do substantivo feminino “narrativasâ€!
A aplicação descuidada do substantivo citado a tudo que tem a pretensão de explicar alguma coisa, seja um fato social ocorrido (polatico, econa´mico, religioso ou estanãtico) ou um fena´meno natural, obedece a uma motivação ideola³gica (em regra de natureza polatica) que desloca o significado das palavras segundo os interesses de uma visão uta³pica de mundo; ou, por outro lado, decorre da ignora¢ncia em epistemologia das ciências, que se baseia em evidaªncias emparicas, cujas premissas devem gerar conhecimento que procura reduzir ao manimo possível incertezas ante ao fato ou fena´meno que se deseja investigar! Que fique claro, estou dizendo “reduzir ao manimo†e não “totalmenteâ€, dado que uma das premissas fundamentais da ciência éa complexidade do real, que sempre deixa margem para o inusitado e o impondera¡vel!
No entanto, deixar margem para o que não foi previsto em um estudo cientifico não significa ser condescendente para com a validade de “qualquer discurso†proferido por alguém , ou por um grupo, sobre qualquer dimensão integrante do mundo ao redor! Ora, exatamente contra isto que a ciência ocidental se construiu a partir do começo da Idade Moderna, para tanto consolidando alguns procedimentos que se tornaram cla¡ssicos e que estãonas origens de cada “disciplina†cientifica que existe hoje, que são: observação, descrição, explicação (experimento: para os cientistas da natureza, os laboratórios; para os cientistas sociais, o “laboratório†da história, por isto éinconcebavel um socia³logo que não conhea§a profundamente historia da evolução humana e das sociedades) e, se possível, generalização (comparação).
Poranãm, as consequaªncias da 1ª e 2ª Guerras para a Alemanha e a Frana§a, dentre as quais o desencanto coletivo com as promessas de paz e prosperidade acalentadas pela rápida industrialização de seuspaíses e modernização das cidades (sentimento consagrado pela expressão “Bela a‰pocaâ€; vale a pena assistir a sanãrie alema£ “Babylon Berlinâ€!) atingiu as universidades alema£s e francesas, levando os professores de filosofia e ciências sociais a abraçarem uma espiral de irracionalidade cognitiva que ainda não se dissipou, fazendo com que renunciassem a procura do conhecimento cientifico com o ma¡ximo de objetividade possível e comea§assem a propagar o sofisma (uma verdade aparente, como: o canãu éazul ou o mar termina na linha do horizonte!) de que qualquer discurso proferido sobre algo teria sua validade referendada por um suposto “regime de verdadeâ€, que momentaneamente vigorasse em determinado contexto social. Marcava-se, assim, a ruptura com a tradição do esparito cientafico da Modernidade e dos seus critanãrios de legitimação!
Os protagonistas desse movimento ficaram conhecidos como “pa³s-modernosâ€, que elegeram como missão destruir a ciência tradicional do Ocidente, que segundo eles era burguesa e servia ao capitalismo, usando como estratanãgia relativizar e desqualificar suas teorias e manãtodos estabelecidos (ao contrario de aperfeia§oa-los), considerando que ela ésomente uma (atenção agora!) “narrativa†possível sobre alguma coisa, tal qual uma “narrativa†religiosa (teola³gica), uma “narrativa†mitola³gica ou mesmo uma crendice popular (lendas e superstições)!
Como consequaªncia, feria-se de morte a ciência que viabilizou todas as transformações tecnologiicas que, tendo como ponto de partida as Revoluções Industriais na Inglaterra (sanãcs. XVIII/XIX), desenharam o mundo no qual se vive (da roupa que se veste a s enormes cadeias empresariais de produção e distribuição que integram os mercados mundiais, garantindo a sobrevivaªncia dia¡ria da população do planeta), pela simples razãode ela ter se forjado no contexto hista³rico da ascensão do empresariado capitalista industrial e financeiro (sendo ao mesmo tempo causa e efeito dele), que segundo eles, estabeleceu como resultado o seu “pra³prio regime de verdadeâ€.
Ora, se isso fosse uma realidade factual, como “imaginavam e desejavam†esses professores (“filosofersâ€) alema£es e franceses, a ciência que elevou a qualidade e a expectativa de vida de bilhaµes de humanos, que nasceram e morreram desde o século XIX, se veria reduzida e condicionada a um jogo de correlação de forças políticas que a depender do resultado provisãorio de quem vencesse definiria, a seu interesse ou prazer, o que deveria ser considerado “verdadeiro ou falsoâ€, de acordo com o que fosse estipulado como o “regime de verdade†do vencedor. Mandava-se a s favas os ca¢nones dos procedimentos metodola³gicos da boa ciência e celebrava-se o reino das “narrativas†sem pénem cabea§a, no qual todo discurso sobre o mundo seria va¡lido, pois que quem o profere (“narraâ€) éum sujeito a partir do seu pra³prio ponto de vista subjetivo! Contestar sua veracidade seria querer impor o “seu†ponto de vista ou do “seu†grupo com pretensaµes de dominação! Quanto a referencia aos fatos reais constituintes do mundo concreto, como base para a validação do conhecimento consistente, sai envergonhada e enxotada pelos portaµes das universidades!
Nas universidades brasileiras, por onde passam jornalistas e polaticos, e onde o Complexo de Vira-Latas (Nelson Rodrigues) se manifesta pela bajulação jeca de tudo o que éfeito na Alemanha e na Frana§a, sobretudo quando os autores tem nomes cuja pronuncia da¡ um ar de “descolado†ou “intelectual†a quem o faz, esse festival de tolices encontrou solo fanãrtil para se propagar e hoje se assiste ou se laª nos telejornais, revistas ou sites o emprego de “narrativas†para se classificar qualquer coisa dita por alguém .
Como me filio a tradição da ciência sociola³gica pautada pelas evidaªncias da empiria (por isso mesmo o domanio e o exercacio de uma ciência éuma “disciplinaâ€, exige, portanto, subordinação a um conjunto de regras, para se chegar a bom termo em um empreendimento de pesquisa), fui atrás do contexto hista³rico e sema¢ntico no qual se originou a ideia de que tudo se reduz a s “narrativas†e “regimes de verdadeâ€. Logo descobri que a banalização do uso do substantivo “narrativasâ€, que tem como objetivo relativizar as conquistas da ciência (um dos pilares da civilização ocidental, que nasceu no mundo greco-romano cla¡ssico) obedece a uma estratanãgia de poder polatica, forjada nas décadas posteriores a Revolução Comunista Russa de 1917, levada adiante pelos partidos comunistas e partidos aliados que se espalharam pelo mundo desde então.Â
Se hoje não existe mais a Pa¡tria Ma£e do socialismo/comunismo como um dia foi a URRS, nada impede que os saudosos comunistas da atualidade (como os partidos de esquerda no Brasil) continuem a destilar o veneno de suas ideias criminosas, inspirados no passado stalinista ou maoista, mesmo que, quando interpelados sobre os mais de 20 milhões de mortos em tempos de paz de Stalin e os 70 milhões de Mao (resultado da implantação, a força das armas, do socialismo na Unia£o Sovianãtica e na China) jurem, candidamente, que estas experiências de engenharia social uta³picas ficaram enterradas no passado, como um velho professor universita¡rio comunista teve a coragem hipa³crita de jurar para mim, como se eu, depois de anos de combate intelectual contra eles, não soubesse que uma das principais armas do militante esquerdista édissimular suas intenções e mentir desavergonhadamente! Por isso os movimentos comunistas são um celeiro de psicopatas, examios mestres na arte da manipulação!
Com efeito, o substantivo “narrativas†sofreu um deslocamento do significado original para poder ser aplicado a qualquer discurso e assim desqualificar a honesta busca objetiva da verdade dos fatos, por mais a¡rduo e difacil que seja este exercacio heurastico (pesquisa). Consultando um dos diciona¡rios afamados da langua portuguesa falada no Brasil, o Auranãlio Buarque de Holanda, o substantivo “narrativa†significa: “Exposição oral ou escrita de um fato; conto, história.†Note-se que não hárelação com o tipo de discurso mediante o qual se faz um comunicado cientafico de base emparica, que necessariamente deve ser orientado e enquadrado pelo vinculo rigoroso aos fatos constatados que o produziram.Â
Por conseguinte, o discurso cientafico não pode ser considerado uma “narrativaâ€, se o for não éciência (e esse éo objetivo dos seus detratores “pa³s-modernosâ€, ao classifica¡-la como ciência burguesa a serviço do capitalismo), pois esta obriga a sustentação do discurso na realidade fa¡tica.
Prosseguindo na procura do contexto sema¢ntico no qual o significante “narrativas†sofreu uma torção no significado original, descobri como Josef Stalin (1878-1953) e Mao Tse-tung (1893-1976), os dois maiores lideres da história comunista (pois por décadas comandarampaíses importantes, com impacto geopolatico no sanãc. XX), lidavam com a verdade dos fatos e sua implicação anãtica-moral.
De acordo com a grande historiadora chinesa Jung Chang (p 26, 2020), no livro “Mao: a história desconhecidaâ€, em escritos da juventude sobre filosofia, por volta dos 24 anos, em 1917, Mao deixou transparecer traa§os constitutivos do seu pra³prio cara¡ter, que segundo ela, permaneceram consistentes pelas seis décadas de sua vida e inspiraram seu modo de governar: “Nãoconcordo com a ideia de que, para ser moral, o motivo de nossa ação deve ser beneficiar os outros. A moralidade não tem de ser definida em relação aos outros [...] As pessoas como eu querem [...] satisfazer plenamente o pra³prio coração, e, ao fazer isso, temos automaticamente o mais valioso dos ca³digos morais. Claro que existem pessoas e objetos no mundo, mas eles estãotodos la¡ apenas para mimâ€. (...) “Sou responsável somente pela realidade que conhea§o e absolutamente não responsável por qualquer outra coisa. Nãosei do passado, não sei do futuro. Eles não tem nada a ver com a realidade do meu pra³prio euâ€. (...) “Alguns dizem que temos responsabilidade perante a Hista³ria. Nãocreio nisso. Estou preocupado apenas com meu desenvolvimento [...] Tenho meu desejo e ajo de acordo com ele. Nãosou responsável perante ninguanãmâ€. (p. 26-27, 2020)
Para Jung Chang, como consciência sempre implica alguma preocupação com as outras pessoas Mao simplesmente rejeitou o conceito: “Nãopenso que esses mandamentos [como ‘não matara¡s’, ‘não roubara¡s’ e ‘não caluniara¡s’] tem a ver com consciência. Penso que eles são produtos apenas do interesse pra³prio e da autopreservação. Todas as considerações devem ser puro ca¡lculo para si mesmo e de forma alguma deve obedecer a ca³digos anãticos externos, ou para os assim chamados sentimentos de responsabilidadeâ€. (p. 27, 2020)
A historiadora chinesa resumiu o cara¡ter de Mao, o que permite inferir que para ele e seus adeptos anãtica e verdade dependem, sobretudo, dos objetivos pessoais que se almeja alcana§ar em qualquer quadra da vida. Segundo ela: “A atitude de Mao em relação a moralidade tinha um centro, o eu acima de tudoâ€. (...) “Mao evitava todas as restrições que provinham da responsabilidade e do dever [...] Ele rejeitava explicitamente qualquer responsabilidade em relação a gerações futurasâ€. (...) “Egoasmo absoluto e irresponsabilidade estavam no cerne da visão de Maoâ€. (p. 26-27, 2020)
Para Josef Stalin e seus camaradas bolcheviques, cuja biografia definitiva, creio, foi escrita pelo historiador inglês Simon Sebag Montefiore, após anos de pesquisa nos arquivos abertos da antiga URSS após sua dissolução em 1991, que resultou em “Stalin: a corte do Czar Vermelho†(2017), o trato com a verdade e a anãtica-moral também deveria se pautar por interesses estritamente ideola³gicos, que se encontravam coligidos na tradição litera¡ria polatica inaugurada por Marx, Engels e depois Wladimir Laªnin. Stalin e seguidores eram seus fieis deposita¡rios.Â
Em 1952, Stalin deflagrou mais uma onda de terror contra a elite comunista atrás de traidores, dessa vez contra os médicos, o que ficou conhecido como o Compla´ dos Manãdicos. O real objetivo era eliminar os médicos da alta cúpula sovianãtica que por décadas cuidaram dos “magnatas†do partido (como eram chamados!) e, que, portanto, sabiam demais sobre crimes cometidos, alguns, inclusive, com participação ativa deles como executores ou como acobertamento de laudos. Questionado por um dos chefes da Polacia Secreta sobre a validade das acusações, Stalin respondeu: “Na³s mesmos seremos capazes de determinar o que ée o que não éverdadeâ€. (p. 690, 2017)
Sebag Motefiore se interroga se Stalin acreditava mesmo nisso, e responde: “Sim, de forma apaixonada, porque era uma necessidade polatica, o que era melhor do que a mera verdadeâ€. (p. 690, 2017)Â
A aplicação literal da completa amoralidade de Stalin ficou cristalizada na fala de um dos principais assessores, Lauvrenti Banãria: “Quando nós, bolcheviques, queremos fazer algo, fechamos os olhos para todo o restoâ€. (p. 72, 2017) Nãoháespaço para considerações anãtico-morais que possam engendrar duvidas e hesitações.Â
Nãosurpreende o remorso devastador revelado pelas memórias de um militante que participou das campanhas violentas de coletivização forçada dos campos da Raºssia e da Ucra¢nia: “Participei pessoalmente disso, percorrendo o campo, procurando os gra£os escondidos [...]. Esvaziei os baaºs de armazenagem dos velhos, fechei meus ouvidos ao choro das criana§as e aos gemidos das mulheres [...]. Estava convencido de que realizava a grande e necessa¡ria transformação do campoâ€. (p. 72. 2017)
Bem, parece que fica claro o contexto hista³rico no qual se originou a prática de deslocamento do significado verdadeiro das palavras de acordo com interesses ideola³gicos: a ascensão do comunismo mundial, com a Revolução Russa (1917) e Chinesa (1949).Â
Portanto, não éde estranhar quando, no Brasil de agora, palavras como “genocida†sofram um deslocamento proposital de significado para ser utilizada como arma polatica de partidos de esquerda, cujas raazes são stalinistas e maoistas! Socorrendo-me, mais uma vez, do bom e velho “Auranãlioâ€, tem-se que “genocida†significa: “Aquele que tenta, ou destra³i, total ou parcialmente, um grupo nacional, anãtnico, ou religioso; cometendo crime contra a humanidadeâ€. Busquei ainda o reforço do Google, e no Diciona¡rio Online de Portuguaªs, “genocida†anã: “Pessoa que cometeu genocadio; quem deliberadamente ordenou o extermanio de um grande número de pessoas, de todo um grupo anãtnico ou religioso, de um povo, uma cultura ou uma civilizaçãoâ€.
Portanto, amigos leitores, classificar qualquer presidente ou primeiro-ministro dos diversospaíses que enfrentam a pandemia do Covid-19 como “genocida†éagir consciente (como militante) ou ingenuamente (por ignora¢ncia) no a¢mbito dessa tradição polatica que não respeita o significado sema¢ntico original das palavras e das realidades fatuais constitutivas dos contextos hista³ricos, propositadamente as distorcendo, sem nenhum pudor anãtico-moral, para que atendam aos seus planos de conquista do poder. Empiricamente, desafio: apontem um chefe de estado ou chefe de governo cujas ações, no enfrentamento deste varus, se enquadrem nas definições de “genocida†constantes dos diciona¡rios citados!
a‰ evidente que o número de vitimas da pandemia assusta! Mas, infelizmente, éisto que também caracteriza uma pandemia. Aqui, a ciência da linguastica nos auxilia a combater a demagogia polatica e a manipulação ideola³gica, ao esclarecer a confusão intencional do uso das palavras.
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Prof. Dr. Geraldo FilhoÂ
Universidade Federal do Delta do Parnaaba (UFDPar)