Opinião

Um ano de pandemia: capital humano perdido com a Covid no Brasil, Rio e Sa£o Paulo
Muitas dessas pessoas poderiam continuar conosco caso tivessem sido mais bem informadas, se alertados atravanãs de campanhas sobre os cuidados a serem tomados e da virulência dessa doena§a.
Por Claudio Considera e Juliana Trece - 17/05/2021



Qual o valor de cada vida perdida na pandemia? Além do sofrimento das fama­lias, a economia perde em contribuição produtiva e transmissão de conhecimento. Nesse artigo, calculamos de forma preliminar o valor econa´mico dessas perdas no Brasil, Rio e Sa£o Paulo (estados).

No ano passado, publicamos no Blog do IBRE o artigo “Em busca do capital humano perdido”, com exerca­cios preliminares (ver abaixo a seção “Hipa³teses e Fontes dos Dados”), estimando o quanto as pessoas com até69 anos de idade falecidas em função do covid-19 ainda poderiam ser aºteis a sociedade brasileira produzindo e gerando renda. Para essas estimativas utilizamos a varia¡vel rendimento como proxy da renda e os seus anos de educação formal como proxy de capital humano. No começo deste ano, também no Blog do IBRE, no artigo “Capital humano perdido com a Covid: Brasil, Rio de Janeiro e Sa£o Paulo”, além das informações para o Brasil, também havia um recorte especa­fico do capital humano perdido no Estado do Rio de Janeiro e no Estado de Sa£o Paulo, em decorraªncia da pandemia. No presente artigo, atualizamos as informações para o Brasil, Rio e Sa£o Paulo, com pouco mais de um ano de pandemia (entre a segunda quinzena de mara§o de 2020 e meados de maio de 2021).[1]

Conforme ressaltado no primeiro post sobre este tema, “Diariamente somos informados do número de ocorraªncias associadas a  pandemia do COVID os19: o número de infectados e o número de mortos em decorraªncia do va­rus. A cada momento somos informados sobre parentes, colegas, conhecidos, que tragicamente não estara£o mais conosco nos dando carinho, alegrias, o prazer da convivaªncia. Essa traganãdia já alcana§a todos nossocial ou individualmente. Este éo lado humano dessa traganãdia. Mas háoutro lado: todas essas pessoas vitimadas tinham um certo conhecimento, certas habilidades adquiridas ao longo da vida, que utilizando e transmitindo para colegas poderiam, por muito tempo ainda, contribuir para gerar renda para si, para eventuais dependentes e, portanto, para o Paa­s. Eles fara£o falta. A esse conhecimento e habilidades acumulados se denomina CAPITAL HUMANO.

Os dados acumulados desde o começo da pandemia, em mara§o de 2020, atémeados de maio de 2021,[2] somaram 430 mil brasileiros mortos devido a  COVID-19.[3] Destes, 11,5% dos a³bitos ocorreram no Estado do Rio de Janeiro (49,5 mil) e 27,2% dos a³bitos brasileiros ocorreram no Estado de Sa£o Paulo (116,8 mil). Para realizar nossas estimativas, vamos considerar o rendimento-hora manãdio do Brasil, e os específicos do RJ e de SP.[4]

O primeiro resultado que podemos obter éo do rendimento dessas pessoas que se foram:

- A massa de rendimentos mensais totais das 216,6 mil pessoas falecidas no Brasil,[5] com idades entre 20 e 69 anos, era de R$ 492,0 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 5,9 bilhaµes.
- No RJ, a massa de rendimentos mensais total das 25,0 mil pessoas falecidas, com idades entre 20 e 69 anos, era de R$ 53,0 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 635,6 milhões.
- Em SP, a massa de rendimentos mensais total das 58,9 mil pessoas falecidas, com idades entre 20 e 69 anos, era de R$ 154,5 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 1,9 bilha£o.
- Ou seja, 43% da renda perdida pela morte de brasileiros entre 20 e 69 anos, foram devido a morte de 83,9 mil fluminenses e paulistas nessa faixa eta¡ria, correspondente a 40% dos brasileiros mortos pela COVID-19.
 
Por sua vez, praticamente metade do total de a³bitos no Brasil (211 mil, segundo dados do Portal de Transparaªncia do Registro Civil, até16/05/21, de um total de 430 mil) ocorreram no grupo de pessoas com mais de 70 anos.[6] Vamos considerar a hipa³tese de que para o RJ e SP, a proporção de a³bitos de idosos foi a mesma do Brasil. Aqui consideramos o rendimento manãdio mensal real de aposentadoria e pensão (prea§os de 2019, segundo a Pnad Conta­nua Anual de 2019) de R$ 1.963,00, para as pessoas com mais de 70 anos.

- O rendimento mensal total das 211 mil pessoas brasileiras falecidas, com idades acima de 70 anos, era de R$ 413,8 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 5,0 bilhaµes.
- No Rio de Janeiro, o rendimento mensal total das 24,4 mil pessoas falecidas, com idades acima de 70 anos, era de R$ 47,8 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 573,7 milhões.
- Em Sa£o Paulo, o rendimento mensal total das 57,4 mil pessoas falecidas, com idades acima de 70 anos, era de R$ 112,6 milhões. No ano, isso corresponde a R$ 1,4 bilha£o.
- No Brasil, ao se considerar o rendimento mensal do trabalho das pessoas até69 anos separado pornívelde instrução e sexo; mais a renda dos idosos a partir dos 70 anos, chega-se num valor de R$ 905,8 milhões que no ano perfaz R$ 10,9 bilhaµes (0,4% da massa de rendimentos do ano de 2019).
- Para o Rio de Janeiro, a soma do rendimento mensal do trabalho das pessoas até69 anos separado pornívelde instrução e sexo com a renda dos idosos a partir dos 70 anos, chega-se num valor de R$ 100,8 milhões que no ano perfaz R$ 1,2 bilha£o.
- Em Sa£o Paulo, a soma do rendimento mensal do trabalho das pessoas até69 anos separado pornívelde instrução e sexo com a renda dos idosos a partir dos 70 anos, chega-se num valor de R$ 267,1 milhões que no ano perfaz R$ 3,2 bilhaµes.
 
Um outro  exerca­cio possí­vel  écalcular o quanto que essas pessoas falecidas ainda poderiam produzir e gerar de rendimento dada as suas expectativas de vida.

- As 217mil [7] pessoas com idade entre 20 e 69 anos no Brasil teriam um rendimento total de R$ 182,6 bilhaµes atéo falecimento.
- As 25,0 mil pessoas com idade entre 20 e 69 anos no Rio de Janeiro teriam um rendimento total de R$ 18,0 bilhaµes atéo falecimento.
- As 58,9 mil pessoas com idade entre 20 e 69 anos em Sa£o Paulo teriam um rendimento total de R$ 57,1 bilhaµes atéo falecimento.
 
Muitas dessas pessoas poderiam continuar conosco caso tivessem sido mais bem informadas, se alertados atravanãs de campanhas sobre os cuidados a serem tomados e da virulência dessa doena§a. Felizmente, o processo de vacinação estãoem curso no Brasil e no mundo, apesar do atraso inicial por aqui e de todos os problemas que ocorreram sobre isso. Somente com o fim da pandemia éque a economia podera¡ ter uma recuperação completa.

Comenta¡rios adicionais e sugestaµes de pesquisas futuras:

Como no Brasil, antes da crise de 2020, a taxa de desemprego já era elevada (11,9% na média de 2019, de acordo com a Pnad Conta­nua do IBGE), fruto da forte recessão de 2014-16 e da recuperação lenta e gradual entre 2017 e 2019, situação essa se agravou no ano passado (13,5% na média de 2020) e provavelmente permanecera¡ alto em 2021 (15%, segundo as projeções do IBRE), muitas destas pessoas falecidas estariam provavelmente sem ocupação durante este período.

Vele frisar que para se ter uma dimensão melhor do mercado de trabalho, não devemos olhar somente para as pessoas desocupadas, mas também para as pessoas desalentadas, subocupadas e trabalhadores informais. Ha¡ no Brasil algo como 65 milhões de brasileiros numa situação mais vulnera¡vel do mercado de trabalho.[8] Em termos de magnitude, o número épra³ximo dos beneficia¡rios do auxa­lio emergencial em 2020.[9]

Ou seja, assumindo que essas pessoas falecidas tinham um perfil semelhante a  média da economia, muitas delas estariam numa situação mais vulnera¡vel do mercado de trabalho por um bom tempo. O mesmo vale para os sobreviventes.

Outro ponto éque algumas dessas mortes levara£o a pagamento de pensão, compensando parte das perdas da economia pelo lado da demanda. Do lado fiscal, se de um lado, temos os aposentados que deixara£o de pesar no INSS; do outro, mais pensaµes em alguns casos. Pesquisas futuras para quantificar esse efeito fiscal ficam como sugestaµes.

Hipa³teses, Fontes dos Dados

1. Rendimento das pessoas entre 20 e 69 anos:

O Portal de Transparaªncia do Registro Civil fornece as informações de a³bitos (número de a³bitos com suspeita ou confirmação de COVID-19 na data do a³bito), separado por sexo e intervalos de idade.[10] Utilizou-se o estoque de a³bitos entre 16 de mara§o de 2020 até16 de maio de 2021.

O relatório Sa­ntese de Indicadores Sociais do IBGE de 2019[11] foi a fonte para o rendimento real[12] das pessoas, separado por sexo enívelde instrução, sendo estes últimos assim classificados: sem instrução ou fundamental incompleto; ensino fundamental completo ou manãdio incompleto; ensino manãdio completo ou superior incompleto; e ensino superior completo.

A renda de cada pessoa pornívelde instrução e por regia£o (Brasil, RJ e SP) éinformada por hora. Logo, torna-se necessa¡rio “mensalizar” o valor. O mesmo relatório do IBGE mostra que o rendimento manãdio real habitual mensal total do trabalho principal das pessoas ocupadas era de R$ 2229, e que o rendimento-hora manãdio real do trabalho principal das pessoas ocupadas era de R$ 13,8 no Brasil. Logo, ao se dividir o rendimento manãdio mensal pelo rendimento-hora manãdio (2229 / 13,8), chega-se no número manãdio de horas trabalhadas no maªs (161,5 horas) no Brasil.[13]

O relatório do IBGE também foi a fonte das informações sobre onívelde instrução por idade. Como os intervalos de idade são diferentes para os dados de a³bito[14] e donívelde instrução[15] (20-29 e 25-34, respectivamente, e assim por diante), fizemos uma média simples, quando necessa¡rio, para compatibilizar os dados. Sendo assim, para as pessoas entre 20-29 anos, foi utilizado onívelde instrução entre 25-34 anos. Para as pessoas entre 30-39, foi utilizado a média nonívelde instrução de 25-34 e 35-44 anos. E assim por diante.

Ha¡ dez “grupos diferentes”, estratificados por sexo e idade: homens, 20-29 anos; mulheres, 20-29 anos: homens, 30-39 anos; mulheres, 30-39 anos; homens, 40-49 anos; mulheres, 40-49 anos; homens, 50-59 anos; mulheres, 50-59 anos; homens, 60-69 anos; mulheres, 60-69 anos.

Para cada um destes grupo, háinformação sobre a quantidade de a³bitos, e a partir daa­, pelonívelde escolaridade, épossí­vel estimar a quantidade de pessoas pertencentes a esse grupo. Tambanãm temos o rendimento-hora manãdio (separado pornívelde instrução, sexo e regia£o osBrasil, RJ e SP). Para se calcular o rendimento mensal, multiplica-se o rendimento-hora pelas horas médias trabalhadas no maªs. Apa³s isso, multiplica-se o rendimento mensal pela quantidade de pessoas. Por fim, soma-se os dez grupos, para achar o valor mensal total, e multiplica-se por 12 para se obter o dado anual. Adicionalmente, se calcula esse valor em proporção da massa de rendimento (do ano de 2019).

2. As pessoas falecidas (20-69 anos) ainda poderiam produzir, e gerar de rendimento, em média:

Para isso, énecessa¡rio anualizar o rendimento mensal e depois multiplicar pelos anos que a pessoa ainda iria viver, em média. Segundo dados do IBGE de Expectativas de vida em idades exatas,[16] os anos de expectativa de vida ao nascer estãoseparados por sexo e idade, e mudam conforme os anos va£o passando. Por exemplo, a expectativa de vida, ao nascer, de um homem éde 72,8 anos, e das mulheres, de 79,9. Com 50 anos, a expectativa dos homens aumenta para 78,4 anos, e 82,9 anos para as mulheres.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Claudio Considera
Doutor em Economia (UFF), mestre em Economia (UnB), pa³s-graduado em Ana¡lise Econa´mica (CENDEC/IPEA) e graduado em Economia (UFF). Foi chefe das Contas Nacionais do IBGE (1986-1992), Diretor do IPEA (1992-1998) e Secreta¡rio de Acompanhamento Econa´mico do Ministanãrio da Fazenda (1999-2002). Atualmente coordena o Naºcleo de Contas Nacionais (NCN) da FGV IBRE, sendo um dos autores do Monitor do PIB-FGV e do IAE-FGV.

Juliana Trece
Doutoranda em População, Territa³rio e Estata­sticas Paºblicas pela Escola Nacional de Ciências Estata­sticas (ENCE IBGE), Mestre em Economia Empresarial pela Escola Brasileira de Economia e Finana§as (FGV EPGE) e bacharel em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). a‰ economista do Naºcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE sendo a analista responsável pela elaboração mensal do Monitor da Atividade Econa´mica (Monitor do PIB-FGV e IAE-FGV) do qual éuma das autoras.

 

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