Opinião

A pandemia, o PIB de 2021 e o impacto nas sanãries ajustadas sazonalmente
As previsaµes de crescimento do PIB este ano, fortemente influenciadas pelo resultado do primeiro trimestre, podem estar muito sobrestimadas. A base de comparaça£o ébaixa e os fatores sazonais podem estar prejudicados pela pandemia.
Por Claudio Considera, Juliana Trece e Roberto Olinto - 15/06/2021


Pixabay

A divulgação do PIB do primeiro trimestre de 2021 com crescimento de 1,2% comparado com o quarto trimestre de 2020 e de 1 % quando comparado a igual trimestre de 2020, ocasionou uma onda de otimismo avassaladora. Já se fala atéem crescimento de 6% para este ano.

Ha¡ vários cuidados que devemos tomar quanto a esse otimismo. Em primeiro lugar o primeiro trimestre de 2020 não era dos mais promissores como já mostrava o Monitor do PIB nos meses de janeiro e fevereiro, antes mesmo da chegada da pandemia; e, a partir da segunda quinzena de mara§o com o ini­cio da pandemia nopaís e o isolamento social que influenciou bastante a atividade econa´mica. O IBGE registrou no primeiro trimestre de 2020 queda de 0,3% comparada ao mesmo período de 2019 e -2,2 comparada ao quarto trimestre de 2019. Ou seja, trata-se de uma base de comparação deprimida.

Ao par disso, neste primeiro trimestre do ano a economia se organizou e enfrentou a pandemia de forma mais a¡gil. O setor de servia§os em particular, que depende da interação social, superou algumas de suas dificuldades como no caso do comanãrcio com a adoção de compras por internet e das entregas em casa; e o serviço de alimentação fora da residaªncia que foi internalizado por parte das fama­lias com entregas variadas. Educação resolveu em parte com a adoção do ensino a  distância e os atendimentos de saúde em que foram adotados cuidados necessa¡rios. Adicionalmente, parte da população aparentemente abandonou os cuidados necessa¡rios o que refletiu positivamente na economia, mas muito negativamente no espalhamento da doença e na média do número de mortos que chegou a ser superiores a 4 mil a³bitos dia¡rios, em alguns dias.

Mas o maior problema estãono a­ndice dessazonalizado.  Em geral, os fatores sazonais pouco mudam de um ano para outro e o efeito calenda¡rio com os maiores eventos não costumam ter um impacto tão grande quando se trata de sanãries de frequência trimestrais.  No entanto, como a pandemia alterou fortemente o padrãoecona´mico isso acabou tendo impacto na sazonalidade nos modelos de ajuste sazonal. A partir do segundo trimestre de 2020 atéo momento o movimento tradicional sazonal desapareceu, dias trabalhados, fanãrias, feriados, Natal, Ano-Novo, Turismo no Vera£o, etc. não se realizaram. Tivemos um ano “flat”. Sabemos que os fatores sazonais pouco mudam, em condições normais, e o efeito calenda¡rio com os maiores eventos não costumam mudar quando se trata de trimestres. No entanto, o padrãosazonal do último ano (2º tri 2020 - 1º tri 2021) estãofortemente alterado e, ainda, não se consegue observar claramente a precisão dos pacotes de ajuste sazonal

Por esta raza£o, foi realizado exerca­cio heroico na sanãrie trimestral considerando os fatores sazonais de 2019, por ser o período de um ano inteiro anterior a pandemia. A partir disso, os fatores sazonais trimestrais de 2019 foram aplicados aos números dos mesmos trimestres da sanãrie encadeada de 2020 e do primeiro trimestre de 2021. O resultado do exerca­cio realizado na sanãrie do PIB do Monitor do PIB-FGV  do primeiro trimestre, divulgado em 17 de maio mostrarammudanças significativas (de 1,7% para 1,2%, no resultado do exerca­cio). Repetimos agora o mesmo exerca­cio com os valores do PIB do primeiro trimestre do IBGE divulgados em 1º de junho, cujos resultados estãona tabela abaixo que  mostram as taxas divulgadas pelo IBGE (primeira coluna) e a estimada em nosso exerca­cio (segunda coluna), e no gra¡fico as respectivas linhas de evolução.


Feito o exerca­cio, repara-se que o PIB do primeiro trimestre de 2021 continua apontando crescimento (+0,4%), poranãm a uma taxa significativamente menor do que na sanãrie ajustada habitualmente (+1,2%). Esta grande variação dos resultados ao adotar apenas efeitos sazonais do ano imediatamente anterior, mostra o quanto éimportante, neste momento de alta instabilidade da economia, ter bastante cautela na análise dessas informações. Os resultados podem não estar refletindo apenas as oscilações econa´micas, mas também questões estata­sticas decorrentes das especificidades dos modelos de ajuste sazonal que podem distorcer a realidade.



Nãoháum consenso, neste momento, sobre qual a melhor forma de se ajustar sazonalmente essas sanãries, ainda mais que a pandemia continua impactando a economia. O que se sabe éque éimportante levar em consideração todas essas caracteri­sticas no momento de avaliar a real condição da economia.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Claudio Considera
Doutor em Economia (UFF), mestre em Economia (UnB), pa³s-graduado em Ana¡lise Econa´mica (CENDEC/IPEA) e graduado em Economia (UFF). Foi chefe das Contas Nacionais do IBGE (1986-1992), Diretor do IPEA (1992-1998) e Secreta¡rio de Acompanhamento Econa´mico do Ministanãrio da Fazenda (1999-2002). Atualmente coordena o Naºcleo de Contas Nacionais (NCN) da FGV IBRE, sendo um dos autores do Monitor do PIB-FGV e do IAE-FGV.

Juliana Trece
Economista do Naºcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE sendo a analista responsável pela elaboração mensal do Monitor da Atividade Econa´mica (Monitor do PIB-FGV e IAE-FGV) do qual éuma das autoras.

Roberto Olinto
Doutorado em Engenharia de Produção COPPE/UFRJ, Foi Presidente (2017-2019), Diretor de Pesquisas (2014-2017) e Coordenador de Contas Nacionais (1995-2014) do IBGE, Membro do Advisory Expert Group em Contas Nacionais das Nações Unidas (2002-2019), Consultor do Departamento de Estata­sticas do Fundo Moneta¡rio Internacional para contas nacionais, atualmente pesquisador associado do FGV IBRE.

 

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