Opinião

Por que celebrar o centena¡rio de Paulo Freire?
Nãohádaºvida de que Paulo Freire deu uma grande contribuia§a£o a  educação para a justia§a social e a  concepa§a£o dialanãtica da educação.
Por Marcio Gadotti - 17/09/2021



Paulo Freire dedicou sua vida e obra na construção de uma educação libertadora para os povos oprimidos. Foto: Divulgação web

Desde o ano passado, celebrações em torno dos cem anos de Paulo Freire estãosendo realizadas em diferentes partes do mundo. Alguns poderiam perguntar: por que celebrar o centena¡rio de Paulo Freire? A pergunta procede, pois ele não gostava de homenagens. Costumava dizer, quando recebia homenagens, e foram muitas, que as recebia porque tinha certeza de que elas são aconteciam em função das causas que defendia.
Ele deixou marcas profundas em muitas pessoas e profissionais de diferentes áreas. Nãoapenas pelas suas ideias, mas, sobretudo, pelo seu compromisso anãtico-pola­tico. Entretanto, não deixou disca­pulos como seguidores de ideias. Deixou mais do que isso. Deixou um espa­rito. “Para me seguir não devem me seguir”, dizia ele. Pedagogia do Oprimido teve grande repercussão porque expressava o que muita gente já tinha em mente em seus sonhos e utopias, um mundo de iguais e diferentes, e ressoou nos mais diversos ambientes. Sua filosofia educacional cruzou as fronteiras das disciplinas, das ciências e das artes para além da Amanãrica Latina, criando raa­zes nos mais variados solos.

Para nós, do Instituto Paulo Freire, ele continua sendo a grande referaªncia de uma educação como prática da liberdade e de uma educação popular. Muitas das mensagens recebidas no Instituto Paulo Freire, em Sa£o Paulo, logo depois do dia 2 de maio de 1997, data de seu falecimento, dizem textualmente: “Minha vida não seria a mesma se eu não tivesse lido a obra de Paulo Freire”; “O que ele escreveu ficara¡ no meu coração e na minha mente”. Essas mensagens revelaram o impacto na vida de tantas pessoas de muitas partes do mundo.

Nãohádaºvida de que Paulo Freire deu uma grande contribuição a  educação para a justia§a social e a  concepção dialanãtica da educação. A pedagogia autorita¡ria e seus teóricos combatem suas ideias justamente pelo seu cara¡ter emancipata³rio e dialanãtico. Seja como for, aceitemos ou não as suas contribuições pedaga³gicas, ele constitui um marco decisivo na história do pensamento pedaga³gico mundial.

As ideias de Paulo Freire continuam va¡lidas não são porque precisamos ainda de mais democracia, mais cidadania e de mais justia§a social, mas porque a escola e os sistemas educacionais encontram-se, hoje, frente a novos e grandes desafios. E ele tem muito a contribuir para a reinvenção da educação atual. Essa reinvenção da educação passa pela recuperação dos educadores como agentes e sujeitos do processo de ensino-aprendizagem e da prática educativa. A reinvenção da educação são pode ser obra de um esfora§o coletivo, colaborativo, plural, não secta¡rio, pensando numa transição gradual para outras formas de conceber os sistemas educacionais, seu planejamento, sua gestãoe monitoramento, seus parametros curriculares, se quisermos dar uma contribuição significativa para a construção de novas políticas públicas de educação.

Moacir Gadotti e Paulo Freire, na década de 1990 osFoto: Reprodução
 
Paulo Freire defendia o saber cienta­fico sem desprezar a validade do saber popular, do saber primeiro. Dizia que não podemos mudar a história sem conhecimentos, mas que ta­nhamos que educar o conhecimento para coloca¡-lo a serviço da transformação social. Educar o conhecimento pelo entendimento da politicidade do conhecimento; entender o sentido hista³rico e pola­tico do conhecimento.

A utopia éuma categoria central do pensamento de Paulo Freire. Por isso, ele se opa´s diametralmente a  educação neoliberal, pois o neoliberalismo “recusa o sonho e a utopia”, como afirma na sua Pedagogia da Autonomia. O neoliberalismo não são recusa o sonho e a utopia. Ele também recusa o saber dos docentes, reduzindo-os a meros repassadores de informações como ma¡quinas de reprodução social, excluindo-os de qualquer participação no debate sobre os fins da educação. A educação neoliberal não se pergunta sobre as finalidades da educação, investindo toda a energia nos meios e, particularmente, na eficácia e na rentabilidade, quantificadas milimetricamente por um certo tipo de avaliação. Sabemos avaliar com perfeição, sem nos perguntar sobre o que estamos avaliando.

Para essa concepção de educação, os docentes não tem conhecimento cienta­fico; seu saber éinútil. Por isso, não precisam ser consultados. Eles são precisam conhecer receitas sem se perguntar por que ensinam isto e não aquilo. Eles são servem para aplicar novas tecnologias: a sala de aula perde sua centralidade e a relação professor-aluno entra em decla­nio em favor da relação aluno-computador.

Portanto, hárazões para celebrar o centena¡rio de Paulo Freire.

E, como nossa celebração não éuma pura homenagem, nossa proposta de celebração do centena¡rio de Paulo Freire anã, também, um convite para um compromisso com uma causa. Nossas celebrações tem um sentido estruturante, um sentido propositivo e prospectivo. Para nós, celebrar não éesperar que o amanha£ chegue a nós. a‰ fazer, desde já, o amanha£ que desejamos ver realizado. Nãoépura espera. a‰ esperana§ar. Entendemos o centena¡rio de Paulo Freire como um Espaço-tempo de articulações, como um processo formativo e de mobilização com vistas a  transformação da realidade.

A pra¡xis de Paulo Freire opa´s-se ao neoliberalismo e hoje, ao celebrar o centena¡rio, estamos também nos contrapondo a  ofensiva ideola³gica neoconservadora e fortalecendo o pensamento crítico freiriano, promovendo ações e projetos alternativos a  mercantilização da educação.

Para nós, celebrar Paulo Freire élutar para democratizar a escola e educar para e pela cidadania. Trata-se, portanto, de lutar por uma escola que forme o povo soberano, o povo que pode mudar o rumo da história, uma escola transformadora, uma escola que emancipa. Paulo Freire nos dizia que essa escola, a escola cidada£, era uma escola de companheiro, de comunidade, que vive a experiência tensa da democracia.

Por isso, saudamos com muito entusiasmo essas celebrações em torno do centena¡rio de Freire. O que se destaca nelas éa defesa da educação pública e popular e a luta contra o neoliberalismo e a mercantilização da educação.

Em tempos como o que estamos vivendo hoje, de retrocessos sociais e pola­ticos e de um neoconservadorismo crescente, precisamos de referenciais como os de Paulo Freire, para nos ajudar a encontrar o melhor caminho de resistência e luta nessa travessia.

Nossa resposta a esses tempos obscuros écelebrar Freire.


Moacir Gadotti
Professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e presidente de honra do Instituto Paulo Freire

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