Opinião

O ano novo e o pessimismo da raza£o
não étarefa fa¡cil avaliar se em 2022 o sistema pola­tico conseguira¡ ser mais esta¡vel do que o triste espeta¡culo do confronto na base do a³dio vem dando a entender.
Por José Eduardo Faria - 01/01/2022


Cortesia

Ano velho, angaºstias passadas. Ano novo, incertezas futuras. O que esperar de 2022, em que havera¡ uma eleição presidencial? Na economia, 2022 dependera¡ da avaliação de como o governo lidou com as crises causadas pela pandemia, a comea§ar pela estagnação econa´mica e pelo desemprego. Tambanãm dependera¡ de saber se o governo caira¡ na armadilha que criou ao ameaa§ar romper o teto de gastos e dar calote nos precata³rios, o que elevou as taxas de risco, aumentou os prea§os e desarranjou o ca¢mbio. Como o crescimento dos gastos fragilizou as contas públicas, a tendaªncia do governo éde apelar para o populismo, gastando ainda mais, o que gerara¡ mais tensaµes fiscais, inflação e recessão.

Na pola­tica, o cena¡rio também não éanimador. Eleito num período anormal, de polarização ideola³gica, o que lhe permitiu investir no discurso da antipola­tica, Bolsonaro revelou-se o que dele se esperava: um governante ignaro, torpe e autocrata, cuja identidade pola­tica se deve mais ao que nega do que ao que propaµe. Em três anos, dizimou seu capital simba³lico ao neutralizar instituições de controle, ao afrontar o STF e ao investir contra a liberdade de imprensa. Contrariando o ethos de sua corporação de origem, que sempre viu a ciência como instrumento de desenvolvimento e poder, Bolsonaro desprezou o ensino e a pesquisa. Nãocompreendeu que o desprezo pela produção do conhecimento impede a formação de uma pola­tica cienta­fica capaz de embasar um projeto depaís. Com isso, levou o Brasil a ser figurante na geopola­tica mundial.

Já o campo social foi afetado por sua pola­tica econa´mica ultraliberal. Ao privilegiar o capital e suprimir direitos laborais sob pretexto de reduzir o custo do trabalho, ela corroeu as bases da sociedade. Desumanizante e darwinista, essa pola­tica responsabilizou os cidada£os por sua condição social, agravando as já profundas desigualdades do Paa­s. Ainda que seu eleitorado fiel não possa ser subestimado, Bolsonaro perdeu grande parte dos votos que o levaram ao poder. Por isso, estãona dependaªncia do Auxa­lio Brasil e do discurso de defesa de valores para tentar chegar ao 2º turno, quando certamente enfrentara¡ Lula. O problema ésaber quem seráesse Lula.

Aquele Lula que governou o Paa­s nos anos 2000 foi favorecido pela fortuna e agiu com virtaº. Exerceu com eficiência o presidencialismo de coaliza£o. Compreendeu o alcance do Plano Real, que impa´s o princa­pio da responsabilidade fiscal, controlou a inflação e privatizou estatais. Consciente dos custos pola­ticos da implementação do Real, percebeu que FHC ficou com o a´nus e que ele poderia assegurar o ba´nus caso mantivesse as bases daquele plano. Foi o que lhe possibilitou o aªxito de ver o Brasil atingir a categoria de investiment grade, em 2008.

Esse mesmo Lula, poranãm, enredou-se em esquemas de corrupção com a Petrobras e empreiteiras e elegeu uma sucessora inepta que adotou uma nova matriz econa´mica, com resultados desastrosos. Ela sofreu impeachment e Lula foi condenado pela Lava Jato a passar 580 dias preso em Curitiba. Favorecido pelas pesquisas, continua carisma¡tico e ha¡bil. Maior do que o partido que criou, impediu o aparecimento de lideres que o ofuscassem. Mas agora, idoso, continua com a mesma reta³rica da anãpoca em que foi presidente. O mundo mudou e não se sabe como ele o vaª. Seus assessores envelheceram e as ideias econa´micas que apresentara¡ na campanha tem sido formuladas por um professor da Unicamp jovem e desconhecido nos mercados. Além disso, háo estigma de que, na Amanãrica Latina, o retorno ao poder de pola­ticos envelhecidos tende a gerar graves crises institucionais, como ocorreu com Vargas, no Brasil, Rafael Caldera, na Venezuela, e Pera³n, na Argentina. Eles haviam perdido o ela£, estavam desatualizados e não compreendiam o novo cena¡rio econa´mico.

Se em 2018 foi o antilulismo que catapultou o bolsonarismo, em 2022 a situação pode se inverter, com Lula devolvendo o bolsonarismo a  sua real dimensão osa dos cercadinhos. Lula, poranãm, também precisa de Bolsonaro como rival para tentar ganhar no 1º turno. Daa­ o receio de ambos com o surgimento de um candidato de centro que consiga chegar ao 2º turno. O pré-candidato que desponta éjustamente o juiz que encarcerou Lula, Sanãrgio Moro. Pola­tico por acidente, Moro évazio. Faz do moralismo sua bandeira, apesar de filiado a um partido de aluguel. Meda­ocre no diagnóstico e obscuro no prognóstico, éincapaz de sinalizar um projeto de nação e de expressar sua percepção das questões estruturais do Paa­s.

Neste cena¡rio em que a falta de confianção no arcabouço fiscal e institucional éa questãomais relevante para os mercados e perda de trabalho e fome são as maiores queixas do eleitorado de baixa renda, tendera£o a ganhar pontos os candidatos que: (a) souberem formular uma estratanãgia plebiscita¡ria antibolsonarista; (b) converterem a frustração do eleitor com a combinação de recessão e inflação em base de um programa de governo com objetivos, metas e estratanãgias; e (c) estiverem preparados para o risco de Bolsonaro deflagrar uma crise institucional para tentar uma intervenção militar, se perceber que não ira¡ para o 2º turno.

Assim, não étarefa fa¡cil avaliar se em 2022 o sistema pola­tico conseguira¡ ser mais esta¡vel do que o triste espeta¡culo do confronto na base do a³dio vem dando a entender. Acima de tudo, essa avaliação depende do que N. Bobbio chamava de pessimismo da raza£o, deixando o otimismo para os fana¡ticos, que querem o caos, e para os insensatos, que imaginam que tudo se acomoda. “Sa³ um pessimismo radical da razãodesperta aqueles que, de um lado ou de outro, não se deram conta de que o sono da razãogera monstros”, dizia ele em 1977, quando a democracia italiana, como no Brasil de hoje, estava ameaa§ada pela radicalização pola­tica


JoséEduardo Faria
Professor da Faculdade de Direito da USP


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