Opinião

Pensamento e linguagem: traganãdia nacional
Charles Sandres Peirce e Ferdinand Saussure são considerados mentores e estudiosos do signo de comunicaça£o, tornando-as como ciências: Semia³tica e Lingua­stica respectivamente. Isto se deve ao...
Por Sahda Marta Ide - 10/03/2022


Cortesia

O ser humano busca diferentes formas para se comunicar, compreender o mundo, transmitir ideias, pensamentos. Para isto utiliza-se dos signos de comunicação. Charles Sandres Peirce e Ferdinand Saussure são considerados mentores e estudiosos do signo de comunicação, tornando-as como ciências: Semia³tica e Lingua­stica respectivamente. Isto se deve ao fato de que os indivíduos atribuem signos com significados a tudo o que estãoao seu redor. Sa£o extremamente amplos se constituindo em qualquer tipo de signo social, quer seja no a¢mbito das artes visuais, pintura, escultura, música, quer seja nas artes cinematogra¡ficas, fotogra¡ficas, gestos, religiosos entre muitos outros. Estas manifestações de comunicação foram denominadas por Peirce como semia³tica.

Portanto, a semia³tica pode ser entendida como a ciência de todas as linguagens possa­veis. Entretanto, ela édiferente da la­ngua, fena´meno abstrato que também possui um cara¡ter social e são se deixa analisar com a ajuda da ciência lingua­stica, ou seja, ciência que estuda a linguagem verbal, quer seja oral ou escrita. Saussure foi um dos seus primeiros estudiosos.

A lingua­stica, portanto, éuma realização de comunicação concreta da linguagem oral ou escrita, em qualquer registro, formal ou informal. Importantes para expressão, organização do pensamento, ideias e transmissão dos mesmos e entre os membros de uma mesma comunidade.

Estas duas ciências da linguagem, semia³tica e lingua­stica, não são tão simples de serem analisadas.

Neste artigo a preocupação serásomente com a lingua­stica, ou seja, a de analisar a linguagem verbal (oral e escrita), utilizada no cotidiano social, como os meios jornala­sticos (jornais, revistas), ma­dia, redes sociais, entre outras, principalmente com objetivos pola­ticos e religiosos.

A forma mais utilizada pelos meios de comunicação acima citados éo discurso, uma vez que ésempre um ato verbal para expor ideias e pensamentos. Pode ser proferido em paºblico, na forma oral, feito de forma improvisada ou antecipadamente escrito. a‰ uma situação que envolve a comunicação dentro de determinados contextos (acima citados) e diz respeito a quem fala, para quem se fala e sobre o que se fala.

Portanto, o discurso se utiliza da linguagem verbal, onde o que háde maior destaque éa palavra, fator dominante de poder, na comunicação humana. Ela éo modo mais puro esensívelde relação social em qualquer situação do cotidiano, por isso sua forma de transmissão não é“inocente” nem “natural”. a‰ um instrumento muito privilegiado de manifestação ideola³gica por excelaªncia. Usada para dominação de massa.

Para se entender a complexidade ou significado de um texto ou palavra, num discurso oral ou escrito, dito na TV, nos jornais, revistas e mesmo nas redes sociais, énecessa¡ria toda uma gama de conhecimentos filosãoficos, sociais, econa´micos, educacionais, pola­ticos, entre muitos outros, para se ter uma compreensão adequada do que estãosendo transmitido. a‰ necessa¡rio perceber, observar o que estãonas “entrelinhas” no discurso, com “lentes de aumento.”

Nenhum discurso é“inocente”. Nele se escondem preconceitos e intolera¢ncias que passam despercebidos e por isto muito usado pela classe dominante para manipular e se impor a  massa sem que este ato de dominação seja percebido, uma vez que o doma­nio ideola³gico éum fato que se esconde atrás dos sa­mbolos.

Na maioria das vezes, háideologias subjacentes, quer sejam políticas, sociais, culturais, religiosas, entre outras, as quais são aceitas de forma alarmante, que nada tem a ver com o real significado das palavras empregadas, naquele contexto oral ou escrito, ou seja, inadequadas, inconsequentes, com objetivos escusos. Utilizadas para manipulação.

Toda esta situação se deve ao fato de que a la­ngua éum fena´meno abstrato e necessa¡rio da fala, ou seja, o modelo que assegura a organização e formação do pensamento. Entretanto, nela, na maioria das vezes, se escondem “ideologias”, uma vez que tudo que éideola³gico éum signo, como já foi dito por Peirce e Saussure, mentores iniciais sobre o estudo das linguagens na comunicação humana.

Para não se cair nas armadilhas de discursos com ideologias subjacentes e escusas énecessa¡rio estar bem alfabetizado, ou seja, entender o que se laª e o que se escreve, ambos de forma clara, objetiva. Compreender, questionar, interpretar e discutir o que se ouve ou laª nos discursos orais ou escritos éter comunicação social.

Entretanto, a situação da educação brasileira, desde os prima³rdios da sua colonização, sempre foi efetuada de forma excludente e deficiente, com forte tendaªncia seletiva, sobretudo ao se falar no processo de alfabetização. Mesmo atualmente, uma grande parte da população brasileira apresenta problemas graves de alfabetização.

O Jornal da USP, no dia 13/11/2020, relata, pelas estata­sticas do Inaf (instituto que estuda analfabetismo funcional), que, no ano de 2018, 45% do povo brasileiro era analfabeto funcional (entre eles universita¡rios). Isto quer dizer que não entendem o que leem e não conseguem, por meio da escrita ou da oral passar em seus discursos suas ideias e pensamentos de forma clara, objetiva, significativa e cra­tica.

O Jornal Nacional, do dia 15/07/2020, noticiou que o IBGE registrou que, dos 50 milhões de pessoas com idade entre 14 e 29 anos, 25% delas não tinham terminado alguma etapa da formação educacional, sendo na sua maioria negros e pardos. Os homens, por necessidade de trabalho e desinteresse e entre as mulheres, a gravidez e as tarefas domésticas.

As escolas, principalmente as públicas, atendem criana§as e adolescentes que apresentam as mais diferentes necessidades que o ensino-aprendizagem oferecido não atende. Isto as leva ao fracasso, desinteresse e abandono escolar, consequentemente, ao analfabetismo.

Criana§as e adolescentes em “situação de risco” (pobreza, abandono, abuso e violência familiar, social, entre outras) são levados a ter baixa autoestima, resultando em evasão. Esta situação éprópria de umpaís que não da¡ a devida importa¢ncia a  educação. Forma de dominação da massa populacional.

Ha¡, na sociedade brasileira, uma sensação de impotaªncia, liderada por uma minoria de seres humanos, cujos objetivos são sempre o de manipulação pola­tico-religiosa, para manter o doma­nio pola­tico, econa´mico, cultural, social, ou seja, o poder.

A falta de cra­tica, nos discursos orais e/ou escritos, juntamente com a ignora¢ncia cognitiva na formação do povo brasileiro, o faz va­tima de suas próprias ações.

Entre os discursos mais alarmantes (além , claro, dos pola­ticos) estãoos religiosos, na sua maioria. Chegam ao limite ma¡ximo da exploração da ignora¢ncia, bem como do sofrimento humano. Nos canais televisivos, vemos “pastores” utilizando discursos, quer orais ou escritos, numa conversação com “Deus” e, ao lado deles, háuma conta banca¡ria, com o número do Pix, cujo valor moneta¡rio (o tal da­zimo) seráencaminhado a esta divindade. Usam da palavra com o intuito de resolver problemas econa´micos, sociais e atépara curar doenças incura¡veis de seus fianãis.

Linguagem épensamento, portanto, époder e dominação daqueles que não tiveram oportunidades de receberem educação adequada e suficiente para aprender a pensar e compreendaª-la de forma clara, precisa e cra­tica.

Para pensar épreciso ter formação cognitiva, pois este processo ajuda na associação, na organização do pensamento, transmitido pela linguagem verbal, tanto na memorização como na argumentação. Raciocinar ésaber induzir, ou seja, chegar a uma conclusão a partir de elementos presentes como:

• deduzir, racioca­nio que parte de uma interpretação de dados ou fatos;
• abduzir, que éo efeito de afastar fatos, dados manipuladores.

Ambos são atos de racioca­nio que levam a estabelecer a probabilidade de uma conclusão sem interferaªncias. Sa£o elementos essenciais para saber pensar, entender e consequentemente apresentar e entender a linguagem verbal de forma clara, cra­tica e reflexiva.

Num mundo com tantos avanços tecnola³gicos (como a Inteligaªncia Artificial), os seres humanos estão, cada dia mais, sendo dominados tanto para o bem (avanços cienta­ficos), como para o mal (controle e manipulação pola­tico-religiosa).

Em umpaís onde a maioria da população émanipulada por “discursos” escusos e pelo que estão“atrás deles”, ha¡, de forma muito eficiente, as chamadas “fake news”. Em uma sociedade onde impera a ma¡ formação educacional, principalmente o analfabetismo e analfabetismo funcional, que leva a não se perceber o que estão“atrás” do discurso, torna a situação pola­tico-social tra¡gica e perigosa.

Esta situação catastra³fica éutilizada pela minoria da população brasileira governamental, quer seja pola­tico-religiosa, quer seja pelas classes sociais moneta¡rias privilegiadas, para evitar que o brasileiro pense e consequentemente entenda o que laª de forma cra­tica, a manipulação, ou que consiga passar para o papel seu pensamento, ou seja, que tenha comunicação social.

A manutenção da ignora¢ncia, a falta de racioca­nio, analfabetismo e a luta pela sobrevivaªncia são os fatores utilizados pela classe dominante destepaís, para o doma­nio da maioria desprivilegiada.

Para terminar este discurso, aqui escrito, éimportante perceber que ele esconde, também “entrelinhas”, a chamada “consciência social”.

Desta forma, poder-se-a¡ sugerir, neste momento, a troca do slogan “Pa¡tria Amada Brasil”, utilizado pelos governos, tanto federal como estadual, quando noticiam algum de seus feitos ou ações, por: “Triste Pa¡tria Amada Brasil: linda, rica, explorada e vendida”.

Linguagem époder, pois toda ação, todo pensamento se da¡ por meio dela, principalmente na pola­tica que rege umpaís justo, democra¡tico. Entretanto, nestepaís, Brasil, linguagem e pensamento são uma traganãdia nacional, pois são usados para manipular e dominar, de forma cruel, sua população.


Sahda Marta Ide
Professora aposentada da Faculdade de Educação (FE) da USP

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

 

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