Saúde

Pesquisa sobre sono de adolescentes revela dados preocupantes
A redua§a£o do tempo de sono pode trazer problemas como a diminuia§a£o do estado de alerta, aumentando a sonolaªncia diurna excessiva, consequentemente, podendo prejudicar o rendimento acadêmico dos jovens
Por Síria Mapurunga - 12/09/2019

Pixabay divulgação
Estudo éo maior desse tipo já realizado no Brasil e envolveu mais de 11 mil estudantes da rede pública, abordando questões como sono insuficiente e sonolaªncia

A canção de Beto Guedes e Ronaldo Bastos quer nos lembrar “que o sono ésagrado/ E alimenta de horizontes/ O tempo acordado de viver”. Esquecer essa mensagem, que pode atéparecer ida­lica, anã, na verdade, descuidar da própria saúde e da qualidade de vida. E isso se agrava na adolescaªncia, quandomudanças biológicas próprias da idade se associam a outras, de natureza comportamental e ambiental, alterando o padrãode sono dos jovens. Uma pesquisa desenvolvida no Laborata³rio de Sono e Ritmos Biola³gicos da Universidade Federal do Ceara¡, vinculado ao Programa de Pa³s-Graduação em Ciências Manãdicas, investigou as alterações na duração do sono e a sonolaªncia diurna excessiva (SDE) em adolescentes de Fortaleza.

O estudo integra a dissertação de mestrado defendida por Felipe Rocha Alves, sob orientação do Prof. Pedro Felipe de Bruin. O artigo referente a  pesquisa foi aceito para publicação na Sleep Medicine, peria³dico cienta­fico oficial da Sociedade Mundial de Sono (World Sleep Society) e da Associação Pedia¡trica Internacional de Sono (International Pediatric Sleep Association), devendo ser publicado em breve.

Os resultados são preocupantes. Quase 55% dos adolescentes tem sono insuficiente, e em torno de 48% relataram sonolaªncia diurna excessiva. A análise mostrou que os estudantes do período da manha£, da noite e do tempo integral tendem a dormir menos do que os da tarde. De acordo com o autor da dissertação, Felipe Alves, a redução da duração do sono pode trazer problemas para os adolescentes. “Diminui o estado de alerta, aumentando a sonolaªncia diurna excessiva, consequentemente, podendo prejudicar o rendimento acadêmico dos jovens e ainda contribuir para o desenvolvimento de diversos problemas de saúde”, enumera o pesquisador, que atualmente segue no desenvolvimento da pesquisa no doutorado em Ciências Manãdicas, também na UFC.

Uma das explicações para esse cena¡rio éum fena´meno fisiola³gico que acontece na puberdade: o atraso normal da fase sono. “O adolescente tende a dormir um pouco mais tarde e a acordar um pouco mais tarde do que a criana§a”, explica Bruin. Além disso, segundo o professor, o tempo de sono considerado normal em indivíduos na faixa eta¡ria de 14 a 17 anos varia de oito a 10 horas. Acontece que, em geral, no Brasil o ini­cio das aulas no período da manha£ comea§a cedo, por volta das 7h, 7h30min. “a‰ muito relevante essa discussão sobre o hora¡rio de ini­cio das aulas, principalmente para essa população. a‰ importante dizer isso, porque envolve outros grupos de pesquisa da instituição e outros profissionais, particularmente da área de educação. O hora¡rio de ini­cio das aulas no Brasil estãona contrama£o do resto do mundo”, alerta.

Segundo Bruin, háções e estudos recentes pelo mundo comprovando a necessidade de se fazermudanças no hora¡rio escolar. “Tem um estudo realizado em Cingapura, publicado recentemente, em que eles atrasaram 45 minutos o ini­cio das aulas, de 7h30min pra 8h15min, e se verificou uma redução da sonolaªncia, uma melhora do bem-estar e do rendimento dos estudantes”, cita. O professor mostra-se ainda preocupado com a escola de tempo integral, pois, além de os alunos acordarem cedo, não encontram espaço para um pequeno cochilo após o almoa§o, por conta atémesmo da falta de estrutura física dos colanãgios. Esse grupo, inclusive, relatou maior SDE (57,6%). Soma-se a esse quadro a situação ainda mais vulnera¡vel dos jovens que trabalham (emprego propriamente dito e esta¡gios), grupo no qual o sono de baixa duração foi mais frequente em relação aos que não trabalhavam: 63% contra 53,1%.

Imagem: Felipe Rocha Alves

O grau de sonolaªncia diurna dos adolescentes
foi avaliado pela Escala de Sonolaªncia de Epworth

O professor observa também o menor tempo de sono dos jovens do terceiro ano do ensino manãdio em relação aos estudantes do primeiro ano. “Existem várias hipa³teses para isso. Uma delas pode ser a pressão para os exames de ingresso na universidade. Isso merece um estudo futuro”, pondera.

Outros fatores ligados tanto a  baixa duração do sono quanto a  sonolaªncia incluem uma sanãrie de hábitos que potencialmente podem contribuir para um sono de ma¡ qualidade, como o chamado tempo de tela: o uso excessivo de ma­dias eletra´nicas, a exemplo de TV e celular. A pesquisa mostrou tempo insuficiente de sono mais reportado entre aqueles jovens que usavam telefone celular antes de dormir em comparação aos que negaram essa prática (56,3% contra 49,7%).

A duração do sono foi avaliada por autorrelato. Fatores sociodemogra¡ficos (como sexo, idade, sanãrie, turno escolar e trabalho) e comportamentais (como atividade física, uso do celular antes de dormir e tempo assistindo a  TV) foram investigados por questiona¡rio especa­fico. O grau de sonolaªncia diurna foi avaliado pela Escala de Sonolaªncia de Epworth. “a‰ interessante, nesse estudo, que os fatores estatisticamente relacionados com baixa duração do sono são praticamente os mesmos dos relacionados a  sonolaªncia. Como foi uma pesquisa transversal, e não longitudinal, a gente não pode falar de causa e efeito. Mas érelevante essa relação”, explica Bruin.

Ampla pesquisa

Segundo os pesquisadores, trata-se de uma análise inanãdita do ponto de vista do tamanho da amostragem: 11.525 estudantes, entre 14 e 17 anos, do ensino manãdio da rede pública. “No Brasil, não hánenhum estudo com amostra desse tamanho. Existe um estudo europeu multicaªntrico, publicado hálguns anos, que também envolveu 11 mil adolescentes, mas de toda a comunidade europeia. No ano que o nosso estudo aconteceu, em 2015, estima-se que em torno de 70 mil estudantes estavam matriculados nas escolas secunda¡rias de Fortaleza. Onze mil representa um percentual bastante significativo”, afirma Bruin.

Intervenções

No momento, a equipe do Laborata³rio de Sono e Ritmos Biola³gicos da UFC se dedica a  análise dos dados para avaliar tipos de intervenção, como a educação em saúde para essa faixa eta¡ria da população. “Estamos terminando a coleta. Sa£o estudos prospectivos. Que tipo de intervenção a gente pode fazer nessa população sobre esses fatores de risco identificados para melhorar esse quadro?”, descreve Bruin.

Outro objeto de estudo do laboratório ligado a s questões do sono nessa idade éo chamado Jet Lag Social, quando os hora¡rios de deitar e levantar variam bastante durante a semana e os fins de semana. “a‰ como se vocêviajasse três fusos hora¡rios, indo e voltando de Fortaleza para Lisboa toda semana. Isso tem repercussaµes importantes”, explica. De acordo com Pedro de Bruin, o Jet Lag em si éconsiderado um Distaºrbio do Ritmo Circadiano do Sono, associado com uma sanãrie de problemas, como alterações gastrointestinais, enda³crino-metaba³licas e cognitivas, por exemplo.

Sonolaªncia

A Sonolaªncia Diurna Excessiva éuma manifestação de sono inadequado ou insuficiente que pode se dever a uma sanãrie de situações cla­nicas. O sono éum estado biola³gico, dividido em duas etapas: o sono de movimentos oculares rápidos ou REM e o sono que não éde movimentos oculares rápidos. O sono REM éassociado aos sonhos e também a  memória de longo prazo, portanto, tradicionalmente mais ligado ao aprendizado. “Um sono de qualidade tem de ter essa proporcionalidade entre sono REM e sono não REM. E énecessa¡rio também dormir com continuidade”, explica o professor.

De acordo com o médico, um sono fragmentado (com muitos despertares) estãomuito ligado a  sonolaªncia diurna. Uma das causas pode ser a chamada Apneia Obstrutiva do Sono, no qual o indiva­duo faz pausas inspirata³rias repetidas durante a noite. “a‰ uma doença muito comum, afeta 30% da população adulta, mais comum em homens. Esses pacientes são roncadores e tem fechamento da via aanãrea superior durante o sono, levando a  queda de oxigenação e ainda a pequenos despertares. O sono não evolui, não progride, não tem essa continuidade. a€s vezes, dormem nove, 10 horas, mas acordam exaustos e sonolentos”. Esse distaºrbio pode ser verificado atravanãs de exames, como a Polissonografia, equipamento utilizado no laboratório.

Saiba mais

O Laborata³rio de Sono e Ritmos Biola³gicos da UFC foi criado para estudar o sono em diversas situações cla­nicas e ainda investigar intervenções farmacola³gicas e não farmacola³gicas para melhorar a qualidade do sono. Segundo Pedro de Bruin, estãobem claro hoje que o sono de curta duração e/ou de ma¡ qualidade estãoassociado a doenças como diabetes, obesidade, sa­ndrome metaba³lica, problemas cardiovasculares, acidentes, alterações e transtornos de humor, etc. “O sono éum aspecto fundamental, um pré-requisito para a saúde física e mental e para o bem-estar dos indiva­duos. Tem uma interface importante com todas as áreas médicas”.

A Medicina do Sono, segundo o pesquisador, éum tema relativamente novo com pouco espaço no curra­culo das escolas médicas, apesar de sua releva¢ncia. Existem mais de 80 doenças do sono catalogadas, como Insa´nias (as mais frequentes), Distaºrbios Respirata³rios do Sono (nos quais a Apneia do Sono éa mais comum), Transtornos do Movimento durante o sono (como a Sa­ndrome das Pernas Inquietas e o Bruxismo); Transtornos de Sonolaªncia Central (como a Narcolepsia); e os Transtornos do Ritmo Circadiano (como o Jet Lag Social e o atraso da fase do sono patola³gica). “O sono éum tema fascinante, mas sobre o qual se fala pouco. Como nosestamos numa sociedade em que o importante éconsumir e/ou produzir, produzir para consumir, consumir para produzir, como durante o sono a gente não produz e não consome, então se acredita que não éimportante dormir. Os profissionais de saúde e a academia tem de chegar a s pessoas para dizer que dormir éfundamental, éessencial”, defende.

 

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