Saúde

Pesquisa indica que SUS usa mais exames de imagem do que deveria
Pesquisa avalia custos dos procedimentos e servia§os realizados na rede pública de saúde e questiona alta indicaça£o para descobrir origem da dor
Por Marcela D'Alessandro - 26/09/2019

Em 2016, o sistema paºblico de saúde do Brasil (SUS) gastou US$ 71,4 milhões (cerca de R$ 298 milhões) com o diagnóstico e o tratamento de desordens da coluna. O dado, oriundo do Departamento de Informa¡tica do Sistema ašnico de Saúde (DATASUS), foi analisado em artigo publicado na International Journal of Public Health pelos professores de Fisioterapia e de Saúde Coletiva da UnB Rodrigo Luiz Carregaro e Everton Nunes da Silva, respectivamente, em conjunto com o docente Maurits van Tulder, da Universidade Livre de Amsterda£ (Vrije Universiteit Amsterdam) considerado um dos maiores especialistas do mundo em dor lombar.

O estudo levou em consideração os custos diretos, que são relacionados a  verba dispensada em hospitais e ambulata³rios com medicamentos, profissionais envolvidos (médicos e fisioterapeutas, por exemplo), exames de imagem, dentre outros. “Gastamos uma quantia considera¡vel no Brasil todo em 2016”, avalia Rodrigo Carregaro, que passou um ano em pa³s-doutoramento na Universidade Livre de Amsterda£ e hoje lidera o Naºcleo de Evidaªncias e Tecnologias em Saúde na Faculdade UnB Ceila¢ndia. “O que impressionou nos dados éque usamos muitos exames de imagem”, completa.

Foto: Luis Gustavo Prado
Professor Rodrigo Carregaro e estudantes da FCE desenvolvem pesquisa no Naºcleo de Evidaªncias e Tecnologias em Saúde

De acordo com o estudo, no ano analisado, foram registradas mais de 114 mil ressona¢ncias magnanãticas e 107 mil tomografias computadorizadas para auxiliar o diagnóstico de problemas na coluna. “Isso émuito alto e hávários guidelines internacionais que dizem que este não éo melhor caminho, principalmente no caso de dor lombar não especa­fica”, aponta o professor.

Carregaro explica que, no caso da dor lombar crônica não especa­fica, o exame de imagem não contribui significativamente para o diagnóstico, justamente por se tratar de um quadro sem causa conhecida. “Usar exames de imagem no caso da dor lombar crônica não especa­fica éum gasto que pode ser evita¡vel, por que não agrega muito ao diagnóstico, já que éum quadro inespeca­fico, e ainda pode trazer outros problemas, como fragilizar um paciente”, alerta. Nestes casos, segundo ele, o mais recomendado éo exame cla­nico com acompanhamento do paciente e a recomendação de tratamentos conservadores, que geralmente envolvem exerca­cios fa­sicos aplicados em sessaµes de fisioterapia.

“Sa³ porque tenho uma daºvida diagnóstica neste quadro não significa que necessariamente devo usar exame de imagem. O que vimos éque estãousando muito e isso traz custo”, ressalta Carregaro. Sa³ em 2016, mais de US$ 13 milhões (cerca de R$ 54 milhões) foram gastos com este procedimento. Nopaís, as regiaµes sudeste e sul apresentaram mais casos de uso de exame de imagem para diagnosticar problemas de dor nas costas. Entre os distúrbios mais frequentes, ou que mais demandaram gastos do Estado, estãoas chamadas desordens do disco intervertebral, como hanãrnia de disco, com 38%, e a dorsalgia, que inclui a cervicalgia e a dor lombar crônica não especa­fica, com 28%.

“Os dados impressionam: foram feitas 42 mil ressona¢ncias magnanãticas e 36 mil tomografias computadorizadas para o quadro de dor lombar com ou sem cia¡tica. Esta éaquela não especa­fica, em que não se recomenda tanto o exame de imagem e émelhor uma exploração cla­nica e acompanhamento do paciente. Caso haja alguma mudança no quadro ou haja justificativa para cirurgia, por exemplo, aa­ sim se faz o exame de imagem. Essa quantidade observada éalta em relação a outrospaíses também”, afirma o professor.

No artigo, hácomparações do Brasil com Sua­a§a, Holanda, Austra¡lia, Inglaterra e Alemanha, que já tem consolidados estudos de avaliação econa´mica como este de Carregaro, Nunes e van Tulder. A pesquisa contabilizou ainda as sessaµes de fisioterapia realizadas em todos os estados no SUS: foram quase 10 milhões em 2016. “Isso ébom, mostra que o fisioterapeuta tem se estabelecido bem na rede”, analisa.

O docente tem a expectativa de apresentar o estudo ao Ministanãrio da Saúde, mas destaca que a publicação já teve bom retorno em um congresso europeu e nas redes sociais. “Queremos mostrar que a área carece de mais investimentos, de prática s baseadas em evidaªncias, para selecionar mais adequadamente as estratanãgias de intervenção, saber indicar bem os exames de imagem”, explica Carregaro. Segundo ele, o objetivo desse estudo de custo da doença foi mostrar o cena¡rio, apontar caminhos e trazer um ambiente fanãrtil para futuros estudos. “Ficamos bem felizes com o resultado", avalia o professor. 

NOVOS PROJETOS osHa¡ um outro estudo dos mesmos professores, inanãdito e já em fase de finalização, que pretende ser também bastante significativo, embora focado apenas em dor lombar: analisa custos diretos e indiretos (quando háperda de produtividade) ao longo de cinco anos na rede pública de saúde brasileira.

Outro desdobramento éa tese, ainda em construção, da doutoranda da Faculdade de Educação Fa­sica Caroline Tottoli. A estudante fara¡ uma avaliação econa´mica completa, por meio de ensaio cla­nico aleata³rio em que sera£o realizadas análises de efeito de duas intervenções, associadas ao diagnóstico dos gastos com elas.

No caso, em seu trabalho, Caroline quer verificar a efetividade do pilates comparada aos tradicionais exerca­cios domiciliares para dor lombar crônica não especa­fica, e os custos associados ao tratamento. Para isso, vai acompanhar pelo menos 150 pessoas que estejam sofrendo desse problema hámais de três meses consecutivos. A primeira etapa acompanhou o processo com 35 pacientes.

“Esse éo quadro que mais acomete a população”, ressalta o orientador Rodrigo Carregaro. “Estima-se que de 60 a 70% das pessoas, em algum momento da vida, tera£o dor lombar crônica não especa­fica”, acrescenta a doutoranda, que também fez o mestrado na Faculdade UnB Ceila¢ndia, no Programa de Pa³s-Graduação em Ciências da Reabilitação.

“Sempre gostei de estudar as patologias de coluna, e a dor lombar crônica éuma das que mais causam incapacidade funcional e absentea­smo no trabalho”, afirma a doutoranda, que também éprofessora com formação em pilates. “Conseguimos casar as duas coisas na pesquisa, então para mim éum prazer muito grande". Ela e outra estudante mestranda dividem o atendimento aos pacientes que dara¡ subsa­dio para as análises posteriores. Uma atende o grupo de pilates e a outra, o de exerca­cio domiciliar.

“Ajudamos muita gente, essa éa verdade. Sa£o nota³rios os benefa­cios que conseguimos por meio de exerca­cios, porque esses pacientes tendem a usar medicamentos por muitos e muitos anos e não resolve. Ajudamos quem realmente precisa e não teria condições de pagar um tratamento, ou estãona fila do SUS hámuito tempo”, detalha a doutoranda, que recentemente conseguiu bolsa da Coordenação de Aperfeia§oamento de Pessoal de Na­vel Superior (Capes).

Em 2020, Caroline pretende ir a  Holanda para doutorado sandua­che com o “papa da lombalgia” Maurits van Tulder. “A ideia écoletar os dados atémaio ou junho do ano que vem. Eu faria a análise dos custos e dos dados na Holanda”, projeta.

INICIAa‡aƒO CIENTaFICA osA graduanda Taa­s Dias Ribeiro também participa do projeto como uma das responsa¡veis pelas avaliações econa´micas e fa­sico-funcionais feitas com os pacientes imediatamente antes e após o tratamento com pilates ou exerca­cios domiciliares. Ela conta que, quando viu a vaga, logo se identificou. “A área da Ortopedia sempre me chamou atenção, especificamente dor lombar, porque eu já tive muita. Antes de entrar na graduação, fui diagnosticada com hanãrnia de disco e sofri muito com isso. Foi um dos motivos pelos quais comecei a graduação em Fisioterapia”, relembra.

Ela acredita que esta éuma experiência muito va¡lida. “Para mim, estãosendo muito bacana colocar em prática , antes mesmo do esta¡gio, algo que já estou vendo na graduação e também pelo contato com os pacientes. a‰ uma boa vivaªncia para a prática que vamos ter futuramente". A estudante, que iniciou esta¡gio neste semestre, conseguiu bolsa de iniciação cienta­fica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gicoe (CNPQ) e agora se lana§a em atividades de pesquisa. “Vou analisar os efeitos nos indivíduos que fizeram exerca­cio domiciliar e pilates, em relação a  amplitude de movimentos e flexibilidade. Para isso, vou usar o teste ‘dedos ao cha£o’ e goniometria, e também vou analisar a avaliação antes e após a intervenção”, explica Taa­s. “Esse projeto me da¡ novos horizontes. Agora estou entendendo mais sobre esse assunto e vendo as coisas com outros olhos”, conclui.

PARA PARTICIPAR osInteressados em participar do projeto desenvolvido pelo grupo da FCE podem entrar em contato por meio do e-mail fisiounb.lombalgia@gmail.com ou pelos telefones (61) 98100-0590 e (61) 98563-2048. Para ser paciente volunta¡rio, épreciso atender aos seguintes critanãrios: ter entre 18 e 50 anos, estar sentindo dor lombar por mais de três meses e não ter feito pilates nem fisioterapia nos últimos 6 meses. Aqueles que não se encaixarem nesses critanãrios ainda assim tem a possibilidade de ser encaminhados a outras iniciativas gratuitas da UnB.

 

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