Saúde

Terapia inanãdita na Amanãrica Latina devolve futuro a paciente com câncer terminal
Manãdicos da Universidade de Sa£o Paulo aplicaram pela primeira vez imunoterapia que usa células T do paciente para tratar linfoma grava­ssimo. A nova terapia levou a  remissão total da doena§a.
Por Silvana Salles - 11/10/2019

 Foto: Lidia Rossi Rocoffort / SNSF / CC-BY-NC-ND
O paciente foi diagnosticado com um linfoma não Hodgkins avana§ado. Os médicos do Hospital das Cla­nicas da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto conseguiram autorização para tentar uma nova terapia, que levou a  remissão total da doena§a. 

Um funciona¡rio paºblico aposentado de 63 anos, morador de Belo Horizonte, chegou ao Hospital das Cla­nicas da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto da USP, no interior de Sa£o Paulo, com um quadro de saúde grava­ssimo. Lutando contra o câncer desde 2017, ele já havia passado por radioterapia e quimioterapia, sem sucesso. A batalha parecia fadada a  derrota quando os médicos conseguiram autorização para tentar uma nova terapia, que levou a  remissão total da doena§a. Foi assim que o aposentado se tornou o primeiro paciente da Amanãrica Latina tratado com células CAR T.

“Esse paciente éportador de um linfoma não Hodgkins avana§ado, uma doença agressiva. Ele já foi submetido a quatro linhas de tratamento prévias, teve uma resposta muito ruim, inclusive refrata¡ria a algumas delas, e veio justamente para fazer o CAR T-cell”, conta Renato Cunha, médico que cuida do caso em Ribeira£o Preto. Cunha estãoa  frente da tarefa de desenvolver uma plataforma brasileira de terapia com células CAR T no a¢mbito do Centro de Terapia Celular (CTC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp) sediado na USP.

CAR T-cell, do inglês, significa “canãlula T com receptor de anta­geno quimanãrico”. O complicado nome indica que o tratamento usa células geneticamente modificadas. Trata-se de uma terapia recente para combater o ca¢ncer. Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration, um órgão de vigila¢ncia sanita¡ria semelhante a  nossa Anvisa) liberou a terapia para uso comercial em 2018. La¡, como em outrospaíses ricos, os resultados são tão promissores que renderam aos seus precursores o praªmio Nobel de Fisiologia e Medicina no ano passado.

“O ca¢ncer, todo mundo sabe, éum desafio. Os tratamentos tem melhorado muito e esse tratamento com as células CAR T éum dos mais promissores que existem no momento. a‰ um tratamento dispona­vel em poucospaíses”, afirma o médico hematologista Dimas Tadeu Covas, professor da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP e coordenador do CTC. “Na³s desenvolvemos uma tecnologia toda nossa, toda nacional, dentro de um instituto paºblico, dentro de um hospital paºblico, apoiado pela USP, pela Fapesp, pelo CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico] e pelo Ministanãrio da Saúde. Portanto, (anã) um tratamento que se destina aos nossos pacientes do Sistema ašnico de Saúde (SUS)”, completa o professor.

O principal problema da terapia com células CAR T éo custo. Segundo Covas, nos EUA, a produção das células e as despesas hospitalares, juntas, chegam a custar US$ 1 milha£o (mais de R$ 4 milhões). Covas calcula que a plataforma brasileira podera¡ baratear o tratamento em até20 vezes, na comparação com o custo de um produto comercial. Além disso, a ideia éque o CTC mantenha aberto o protocolo de produção de células CAR T, permitindo que outros laboratórios reproduzam as técnicas para cuidar de mais pacientes.

“Na³s desenvolvemos uma tecnologia toda nossa, toda nacional, dentro de um instituto paºblico, dentro de um hospital paºblico, apoiado pela USP, pela Fapesp, pelo CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico] e pelo Ministanãrio da Saúde. Portanto, (anã) um tratamento que se destina aos nossos pacientes do Sistema ašnico de Saúde (SUS)”

Renato Cunha

“Representa um grande avanço cienta­fico, porque éum tratamento muito recente, uma tecnologia protegida por segredos industriais. E, por outro lado, éum grande avanço em termos sociais. Vamos poder oferecer isso, daqui a algum tempo, para a nossa população“, comemora o coordenador do CTC.

Como funcionam as células CAR-T?


A terapia com células CAR T não ésimples. Exige uma estrutura laboratorial complexa, certificada pela Anvisa e com boas prática s de produção. Exige também hospitais com capacidade para fazer transplantes de medula a³ssea, bons laboratórios e bom suporte de tratamento intensivo. Uma vez que as condições permitam, tudo comea§a com uma amostra de sangue do paciente.

Nosso sistema imunológico écomposto majoritariamente de dois tipos de células especializadas. Um deles éo linfa³cito B, responsável por produzir anticorpos. O outro éo linfa³cito T, que funciona como um guarda do nosso organismo oséele que ataca as bactanãrias invasoras, por exemplo. No caso do tratamento realizado em Ribeira£o Preto, o câncer do paciente era causado por linfa³citos B doentes. E o que os pesquisadores fizeram foi extrair os linfa³citos T da amostra de sangue do paciente para modifica¡-los geneticamente.

No laboratório, eles introduziram nessas células um vetor osuma espanãcie de va­rus sintanãtico que carrega no DNA a habilidade de reconhecer determinadas substâncias de interesse. Os linfa³citos T modificados ganharam, então, um receptor que lhes permite reconhecer o alvo terapaªutico. Foi assim que os linfa³citos T se tornaram células CAR T.

Posteriormente, as células CAR T foram reintroduzidas no paciente. Aqui, o alvo era uma protea­na chamada CD-19. Como a protea­na CD-19 estãopresente na membrana dos linfa³citos B doentes, agora as células modificadas conseguiam reconhecer e destruir as células cancerosas.

Uso compassivo


Como os estudos clínicos do CTC com células CAR T ainda não estãoabertos, o paciente mineiro conseguiu o tratamento na modalidade de uso compassivo. “No tratamento compassivo o paciente te procura e pede para ser tratado como última alternativa, porque ele não tem mais nenhuma opção. Geralmente, para fazer uso compassivo, éaquele paciente que poderia entrar em algum estudo cla­nico, mas ele não preenche critanãrios. Isso surgiu para ele não ficar sem tratamento”, explica Renato Cunha.

Foi justamente este o caso. A familia do paciente havia entrado em contato com hospitais no exterior que fazem essa terapia, mas a burocracia envolvida e o alto custo do tratamento tornavam a viagem proibitiva. Eles descobriram o nome de Cunha por acaso, ao encontrar uma reportagem do final do ano passado que contava que o médico da USP havia ganho um praªmio da Sociedade Americana de Hematologia (ASH, em inglês) para desenvolver o processo de produção de células CAR T no Brasil.

“Ele escreveu para mim e eu respondi, falei para ele que a gente não estava com o protocolo (de estudo cla­nico) aberto. Mas ele falou, ‘olha eu gostaria muito de ir a Ribeira£o conversar; mesmo que a gente não consiga fazer, eu gostaria de ter a sua opinia£o sobre o meu tratamento'”, relata o médico.

O aposentado e o filho foram a Ribeira£o Preto conversar com Cunha e seguiram em contato com o médico depois. Eles tentaram o tratamento com uso compassivo de um medicamento chamado Polatuzumab, poranãm, quando o câncer se espalhou ainda mais, decidiram insistir na possibilidade do CAR compassivo. Por sorte, a equipe de Cunha havia recanãm-finalizado as etapas de validação laboratorial do processo de produção das células.

O paciente deu entrada no Hospital das Cla­nicas da FMRP no começo de setembro. Estava muito magro, tinha suor noturno, dor nos ossos e estava usando a dose máxima de morfina. Ele foi submetido a uma aplicação de células CAR T, teve uma reação inflamata³ria conhecida pelos médicos como “tempestade de citocinas” e ficou semanas em observação. A tempestade de citocinas foi um importante indicador de que as células CAR T haviam encontrado seu alvo. Mais de 30 dias depois, ele não apresenta mais sintomas clínicos nem laboratoriais da doença e deve receber alta no pra³ximo sa¡bado (12). “Ele tirou a morfina, não tem mais suor noturno, voltou a ganhar peso e a dor que ele sente édecorrente de uma fratura que ele teve nas costas por causa do linfoma”, conta o médico do CTC.

Cunha destaca que, dos testes feitos em laboratório com as células CAR T ao atendimento do paciente, tudo foi feito na cidade do interior de Sa£o Paulo, o que demonstra que os pesquisadores conseguiram dominar o processo. Agora, podera£o se dedicar a testar outros vetores, outros alvos terapaªuticos e criar um produto que possa ser adotado pelo SUS.

“a‰ como, por exemplo, produzir uma aspirina. Vocaª aprende a produzir um comprimido. Naquele momento aspirina, mas depois pode ser um anador, pode ser um tilenol. O importante évocêter essa tecnologia feita e bem adaptada ao nosso cena¡rio. a‰ importante dizer isso, porque a gente agora tem uma independaªncia, a gente tem a tecnologia que a gente precisa”, diz o médico.

 

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