Saneamento, moradia, renda, cor, regia£o dopaís, idade e acesso a programas sociais do governo são fatores que influenciam as chances de contrair ou não a doena§a
Agência Facto

Atualmente, mais de 28 mil pessoas são acometidas pela hansenaase no Brasil. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a doença atinge, ainda hoje, 200 mil pessoas a cada ano no mundo todo, sendo que a cada dez novos casos, um ocorre no Brasil. Opaís tem a maior incidaªncia proporcional da doença e perde em número total de casos apenas para a andia.Â
A suscetibilidade e as condições prima¡rias para contrair a doença eram desconhecidas atépouco tempo. Contudo, no último maªs, o artigo Socioeconomic determinants of leprosy new case detection in the 100 Million Brazilian Cohort: a population-based linkage study publicado no peria³dico The Lancet Global Health apontou que hápopulações e grupos sociais com maior probabilidade de contaminação.
A pesquisa confirmou que pessoas sem acesso aos direitos ba¡sicos constitucionais são mais suscetíveis a doena§a. As chances de adquirir a hansenaase são dobradas em pessoas em situação de pobreza e quando não háhabitação regularizada. Além disso, o estudo comprovou que famalias de baixa renda com acesso a programas sociais, como o Bolsa Famalia, tem chances reduzidas de contrair doena§as, como tuberculose e hansenaase. “Sofre mais com a doença e suas consequaªncias quem não recebeu auxalio do governoâ€, aponta Gerson Penna, professor e pesquisador do Programa de Medicina Tropical da UnB, e coordenador do estudo em Brasalia.Â
A pesquisa éuma parceria entre Universidade de Brasalia (UnB), Fiocruz Brasalia, Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Universidade Federal da Bahia (UFBA), London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e Universidade Federal Fluminense (UFF). "Este éum projeto que visa mostrar que as doenças negligenciadas precisam de um olhar além do médico", afirma Penna.
A doena§a osA hansenaase éuma doença cura¡vel, de baixo conta¡gio, mas carregada de preconceitos e estigmas desde a Antiguidade. a‰ infecciosa crônica e causada pela bactanãria Mycobacterium leprae (daa o nome lepra, pelo qual a enfermidade era conhecida). O indivaduo pode sofrer incapacidades físicas permanentes nas ma£os, nos panãs e olhos. O diagnóstico precoce ainda éo fator mais importante para a cura.
Apa³s 13 anos em queda, a hansenaase voltou a crescer no Brasil. Foram 28.657 pessoas diagnosticadas em 2018, segundo o Ministanãrio da Saúde. Em dois anos, houve crescimento de 14%. Para efeito de comparação, em 2016, foram 25.214 casos confirmados da enfermidade.Â
Populações atingidas osEm todopaís, 33 milhões de pessoas acessaram um dos 20 programas sociais do governo federal inscritos no Cadastro ašnico (Cadašnico), no período de 2007 a 2014. Entre elas, 24 mil indivíduos contraaram a hansenaase neste intervalo de tempo. Esta parcela da população corresponde a 0,02% dos quase 114 milhões de cadastrados no Cadašnico e que possuem renda familiar de atétrês sala¡rios manimos.
Com o cruzamento dos dados e a descoberta do número de doentes, a pesquisa passou a perseguir as caracteristicas socioecona´micas da parcela de contaminados. Neste recorte, os pesquisadores descobriram que pessoas autodeclaradas pretas ou pardas são mais suscetíveis a hansenaase do que as autodeclaradas brancas. Com relação a s faixas eta¡rias, pessoas de até15 anos e de cor preta possuem 92% mais risco de adoecer do que as de cor branca.Â
 Residentes das regiaµes Norte e Centro-Oeste tem de cinco a oito vezes mais chances de contrair a hansenaase. Pessoas em situação de pobreza (sem renda ou com renda per capita abaixo de R$ 250 por maªs) apresentam risco 40% maior em relação aos indivíduos que ganham acima de um sala¡rio. Em relação ao gaªnero, o sexo masculino émais propacio a contrair a doena§a.
Outros fatores considerados como de risco são a ausaªncia de saneamento, a aglomeração de pessoas na mesma casa, a falta de energia elanãtrica e as habitações de taipa ou madeira.
Cruzamento de dados osCriada pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), a plataforma Coorte tem cadastro de 114 milhões de brasileiros e foi utilizada para realizar a pesquisa. Ela cruza informações do banco de dados do Ministanãrio da Saúde com a base de dados dos programas sociais. Ela éuma base de dados integrada para avaliação de políticas públicas e conta com informações de brasileiros com renda familiar menor que três sala¡rios manimos.
Nesta pesquisa, além do cruzamento inicial com os programas sociais, foi realizada também a junção com uma das bases de informações do Ministanãrios da Saúde, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), de 2007 a 2014. Esta éa base responsável pelo registro de casos de hansenaase no Brasil. Usar essas bases de dados para pesquisar riscos de contrair doenças éuma iniciativa inanãdita no mundo e privilegiou a avaliação de determinantes sociais sobre a saúde pública nopaís.
A plataforma de dados vincula informações individuais dos programas sociais com outras bases de dados de sistemas de informação em saúde, como mortalidade, nascimento, doenças infecciosas transmissaveis e não transmissaveis, entre outros fatores. Ela acompanha as atualizações mensais da população inscrita nos programas e filtra as inconsistaªncias.
Assim, o grupo de pesquisadores realizou “a maior investigação prospectiva emnívelindividual sobre pobreza e hansenaase, fornecendo uma estimativa mais robusta do efeito da privação na hansenaase do que qualquer outra já realizadaâ€, segundo os pesquisadores descrevem no artigo.Â
Outras Publicações osA pesquisa faz parte de um conjunto de 11 trabalhos que sera£o assinados pelo mesmo grupo de pesquisadores. Além da hansenaase, o projeto fornece avaliação do efeito de caracteristicas sociais e o impacto de programas sociais na incidaªncia de outras doenças consideradas negligenciadas, como leishmaniose e esquistossomose.
Os estudos são fonte para aplicação e construção de novas políticas públicas, como o direcionamento para detecção precoce e tratamento nas populações vulnera¡veis. De acordo com Gerson Penna, o projeto concluiu que “quem tem acesso aos programas sociais do governo se beneficia no diagnóstico e tratamento da doena§a, além de ter mais chances de curaâ€.
Apoio no HUB osO Hospital Universita¡rio de Brasalia (HUB) éreferaªncia no tratamento da hansenaase e atende, por maªs, cerca de 160 pacientes com a doena§a, encaminhados por equipes e unidades de atenção ba¡sica, responsa¡veis pelo atendimento inicial. Além disso, há15 anos, o hospital abriga o Grupo de Apoio a s Mulheres Atingidas pela Hansenaase (Gamah). Com sede em Planaltina, o grupo (que atende também homens) vende produtos para ajudar financeiramente os associados. Tambanãm oferece cursos de artesanato e tem atuação social, polatica e pedaga³gica para amparar de diversas formas os pacientes.