Saúde

Genes que formam vasos podem ajudar a prever evolução do câncer de mama
Comportamento de 11 genes, esta¡gio do tumor e idade do paciente tem potencial para prever evolua§a£o de alguns subtipos da doena§a
Por Valéria Dias - 28/11/2019



A formação de novos vasos sangua­neos a partir dos já existentes, conhecida como angiogaªnese, éum processo fisiola³gico bastante complexo que, em humanos, ocorre na formação embriona¡ria, na cicatrização e no ciclo reprodutor feminino. Mas várias doena§as, como câncer e retinopatia (lesão inflamata³ria da retina), tem como caracterí­stica uma forma patola³gica de angiogaªnese. Quanto mais agressivo um tumor, mais angiogaªnico ele anã. Ao mesmo tempo, se um câncer não conseguir induzir a formação de vasos sangua­neos, ele não ira¡ crescer.

Pesquisadores do Instituto de Quí­mica da USP utilizaram um modelo animal de retinopatia e informações de um banco de dados com a expressão gaªnica (comportamento) de quatro subtipos de tumor de mama e encontraram 11 genes que podem ser considerados como uma “assinatura gaªnica” da angiogaªnese desses tumores.

A aplicação cla­nica da descoberta ainda éuma realidade distante. Mas os cientistas acreditam que a pesquisa abre uma possibilidade para que, no futuro, essa assinatura gaªnica, associada a  idade do paciente e ao esta¡gio do ca¢ncer, possa prever a progressão da doença e, portanto, qual a terapia mais adequada para alguns subtipos de câncer de mama. 

“Trata-se de uma pesquisa ba¡sica que descobriu um cata¡logo de genes mais importantes na angiogaªnese de camundongos com retinopatia e os correlacionou, com a ajuda de bioinforma¡tica e aprendizado de ma¡quina, ao comportamento dos genes de tumores humanos. Mas muitos outros estudos ainda são necessa¡rios para a assinatura gaªnica ser usada, na prática cla­nica, como um indicador de prognóstico”, pondera o professor Joa£o Carlos Setubal, do Laborata³rio de Bioinforma¡tica do IQ e orientador do estudo.

A pesquisa foi realizada durante o doutorado em bioinforma¡tica do aluno Rodrigo Guarischi-Sousa. O co-orientador foi o professor Ricardo JoséGiordano, do Laborata³rio de Bioquímica Combinatorial do IQ e pesquisador dos processos de angiogaªnese. Parte do estudo foi feita no Ontario Institute for Cancer Research, no Canada¡, dentro da modalidade doutorado-sandua­che, sob a supervisão do professor Paul C. Boutros (atualmente docente da Universidade da Califa³rnia, nos Estados Unidos) e especialista em estudos sobre ca¢ncer. Um artigo descrevendo a pesquisa acaba de ser publicado hoje, 27 de novembro, no peria³dico PLoS Genetics.

O projeto contou com apoio da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), da Coordenação de Aperfeia§oamento de Pessoal de Na­vel Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico (CNPq)..c

Retinopatia de prematuridade e angiogaªnese

Para chegar a  assinatura gaªnica, os pesquisadores começam investigando quais genes estãoenvolvidos na angiogaªnese fisiola³gica e na patola³gica. Eles usaram um modelo animal de retinopatia de prematuridade desenvolvido na década de 1990 pela pesquisadora Lois Smith, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo os pesquisadores, esse modelo ébom porque a retina étransparente, o que facilita a visualização e quantificação dos vasos sangua­neos.

Camundongos recanãm-nascidos foram colocados em uma incubadora com oxigaªnio a 75% (em condições normais éa 20%). Essa condição leva a  chamada retinopatia de prematuridade. Depois de sete dias, eles analisaram a retina dos animais com e sem retinopatia e fizeram uma comparação entre os dois transcriptomas (que mostra como os genes estãose comportando) nas duas condições. Os cientistas chegaram a um número de 3.800 genes com alguma variação entre as condições fisiola³gica e patola³gica.

“Mas nosta­nhamos uma daºvida, que era saber se esse conjunto de 3.800 genes estava associado especificamente com a angiogaªnese ou se era relacionado com algum outro processo ligado a  retina. E como podera­amos provar isso? Indo pesquisar uma outra doença também dependente de angiogaªnese. E éaa­ que entra o câncer de mama”, conta o professor Ricardo JoséGiordano.

Modelo humano

Usando bioinforma¡tica, o pesquisador Rodrigo Guarischi-Sousa analisou os 3.800 genes para identificar aqueles que estavam com uma expressão muito aumentada, tanto para mais como para menos. Eles encontraram 153 genes nesta condição. No Canada¡, o professor Paul Boutros sugeriu aos pesquisadores que utilizassem essa lista de 153 genes para obter uma assinatura gaªnica para a angiogaªnese em humanos.

Para relacionar ao câncer de mama, o primeiro passo foi determinar quais dos 153 genes de camundongo também ocorrem em seres humanos. Este passo gerou uma lista de 149 genes. Em seguida, os pesquisadores usaram um algoritmo de aprendizado de ma¡quinas e as informações do banco de dados METABRIC, de pacientes de câncer de mama de hospitais do Reino Unido e do Canada¡, e que fornece a expressão gaªnica de quatro subtipos de tumores de mama (Luminal A, Luminal B, Basal e HER2), além de alguns dados dos pacientes, bem como a sobrevida deles. Eles trabalharam com os dados de mil pacientes. Este passo gerou uma lista com 54 genes, além de idade do paciente e esta¡gio tumoral.

Depois, os pesquisadores “perguntaram” ao programa se cada um dos 54 genes conseguia separar os pacientes que apresentavam um bom prognóstico daqueles que tinham um prognóstico ruim. Se não separava, o programa descartava o gene. Se conseguia separar, o gene era selecionado. O programa também foi fazendo combinações de dois ou mais genes, o que aumentava o valor preditivo. 

O resultado desta etapa foi uma lista de apenas 11 genes, mais a idade do paciente e o esta¡gio tumoral. Essas 13 caracteri­sticas se constitua­ram na assinatura angiogaªnica proposta..

Teste da Assinatura

De posse da assinatura, os pesquisadores a testaram em dados de outros mil pacientes. Esses dados são chamados de conjunto de validação, pois o teste da assinatura tem que mostrar que ela, de fato, écapaz de prever a evolução da doença nesses pacientes para os quais o prognóstico já éconhecido.

Os resultados mostraram que a assinatura se revelou muito boa para fazer o prognóstico desses mil pacientes de acordo com a sobrevida maior, menor ou intermedia¡ria, para os subtipos Luminal A, Luminal B e Basal. Para o subtipo HER2 os resultados não foram tão bons.



 

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