Saúde

O trauma na infa¢ncia muda seu cérebro, mas não precisa ser permanente
Em um artigo recente , os pesquisadores descobriram que as ratas, em particular, desenvolveram conexões anormais entre duas áreas do cérebro em resposta a  negligaªncia.
Por Laura Castañó - 21/02/2020

No ini­cio dos anos 90, mais de 100.000 criana§as na Romaªnia viviam em orfanatos superlotados e com pouco dinheiro. Eles sofreram negligaªncia grave, tendo pouca interação com os cuidadores.

Essa falta de nutrição alterou a estrutura e a função de seus cérebros. Essas criana§as desenvolveram uma sanãrie de problemas comportamentais e emocionais com os quais muitos ainda estãolidando hoje.

Agora, os neurocientistas do Nordeste estãousando ratos para entender algumas dasmudanças físicas no cérebro causadas por uma negligaªncia tão severa.

Em um artigo recente , os pesquisadores descobriram que as ratas, em particular, desenvolveram conexões anormais entre duas áreas do cérebro em resposta a  negligaªncia. Essas são as mesmas áreas que mostram atividade anormal nas varreduras cerebrais de criana§as criadas em orfanatos, bem como naquelas que sofreram abuso infantil ou outras formas de maus-tratos graves. Criana§as com essa atividade anormal são mais propensas a desenvolver ansiedade mais tarde na infa¢ncia ou adolescaªncia.

"O trabalho inicial que analisou os fundamentos biola³gicos desse circuito especa­fico ocorreu principalmente em animais machos ", diz Jennifer Honeycutt, pesquisadora de pa³s-doutorado da Northeastern e principal autora do artigo. "Conseguimos não apenas expandir o que sabemos sobre como o circuito estãose desenvolvendo em ambos os sexos, mas agora podemos identificar um possí­vel locus de vulnerabilidade única para as mulheres".

Heather Brenhouse, professora associada de psicologia, a  direita,
observa como o estudante de doutorado Kelsea Gildawie limpa fatias de
cérebros de ratos. Crédito: Ruby Wallau / Northeastern University

Honeycutt e seus colegas estavam examinando as conexões entre a ama­gdala basolateral, parte de uma estrutura em forma de amaªndoa escondida perto da tempora e o cortex pré-frontal, logo atrás da testa.

Quando vocêvaª algo que pode ser uma ameaça (por exemplo, um tigre), sua ama­gdala dispara sinais para várias áreas do cérebro, incluindo o cortex pré-frontal, indicando que vocêdeve se assustar. O cortex pré-frontal responde integrando informações de outras áreas do cérebro, como pistas de contexto (o tigre não pode nos alcana§ar.) Ou memórias anteriores (este éum zoola³gico. Já estivemos em um zoola³gico antes) e sinaliza a ama­gdala essencialmente, acalme-se.

"A interrupção desse circuito levara¡ a comportamentos inadequados", diz Honeycutt. "a‰ aa­ que vocêcomea§a a ver comportamentos semelhantes a  ansiedade, mesmo na ausaªncia de algo que possa causar ansiedade".
 
As conexões entre a ama­gdala e o cortex pré-frontal se desenvolvem ao longo da infa¢ncia e adolescaªncia. Pesquisas demonstraram, no entanto, que essas conexões pareciam se desenvolver de maneira anormal em criana§as que sofreram negligaªncia grave e mais tarde desenvolveram distúrbios semelhantes a  ansiedade.

"Este circuito estava mostrando maturação acelerada", diz Heather Brenhouse, professora associada de psicologia no Nordeste. "Era como se o cérebro estivesse tentando se adaptar a  experiência de trauma precoce e talvez predizer ameaa§as posteriores, o que poderia se traduzir em hiper-responsivo".

Para descobrir o mecanismo exato por trás dessa mudança, os pesquisadores precisavam ser capazes de examinar o cérebro mais diretamente. Na pesquisa em neurociaªncia, isso significa que eles precisavam de ratos.

"O que um rato jovem, assim como um ser humano jovem, mais precisa para o seu bem-estar écuidar e cuidar adequadamente", diz Brenhouse. "Se vocêperturbar o relacionamento ma£e-bebaª de alguma forma, esse éo melhor caminho para modelar a adversidade no ini­cio da vida".

Os pesquisadores removeram filhotes de ratos machos e faªmeas de suas ma£es por três a quatro horas por dia durante a infa¢ncia. Os filhotes foram separados em áreas quentes com roupas de cama que cheiravam a ma£e e companheiros de ninhada, mas sem nenhum contato fa­sico ou cuidado.

"Ele imita muito a situação das criana§as institucionalizadas, onde estavam em pequenos bera§os individuais, deixadas em paz e não sendo cuidadas por um longo período de tempo", diz Brenhouse. "Isso induz muitas das mesmasmudanças na resposta ao estresse, no comportamento e no cérebro, que se relacionam razoavelmente bem com o que vemos nos seres humanos".

Para ver como as conexões no cérebro dos ratos estavam se desenvolvendo, os pesquisadores injetaram um corante na ama­gdala basolateral de cada animal . Amedida que esses neura´nios se estendiam da ama­gdala ao cortex pré-frontal, eles ficavam manchados com o corante, permitindo que os pesquisadores os identificassem.

Os pesquisadores examinaram o cérebro dos ratos em diferentes pontos do desenvolvimento. Eles encontraram diferenças marcantes entre homens e mulheres. Em ratos faªmeas separadas da ma£e, um excesso de novas conexões cresceu rapidamente entre a ama­gdala e o cortex pré-frontal no ini­cio do desenvolvimento. Os machos viram parte desse mesmo crescimento nervoso (conhecido como inervação), mas não atémuito mais tarde.

Os pesquisadores também usaram uma fMRI para examinar os padraµes de atividade dos cérebros dos animais quando estavam em repouso. Os animais com esse excesso de inervação apresentaram comunicação anormal entre a ama­gdala e o cortex pré-frontal.

"Essas conexões neurais excessivas estavam atrapalhando a eficiência desse circuito", diz Brenhouse. "Basicamente, o circuito não funcionou tão bem e também não amadureceu."

Os animais cujos cérebros se desenvolveram anormalmente também se comportaram de maneira diferente. Os pesquisadores os testaram para comportamentos semelhantes a  ansiedade, colocando os ratos em uma plataforma elevada em forma de mais. Dois dos braa§os da plataforma tinham paredes, criando um espaço mais seguro, enquanto os outros braa§os estavam abertos. Ratos com excesso de conexões entre a ama­gdala e o cortex pré-frontal passaram mais tempo se amontoando nas áreas com paredes protetoras.

O desenvolvimento inicial desse circuito parecia estar criando uma sensação de hiper-vigila¢ncia nesses animais.

Os pesquisadores injetaram um corante no cérebro de cada rato
para que pudessem rastrear os neura´nios que conectam a ama­gdala
ao cortex pré-frontal. Crédito: Ruby Wallau / Northeastern University

"a‰ a primeira vez que vimos um circuito especa­fico do sexo mudar ao longo do desenvolvimento após o estresse na vida", diz Brenhouse. "O trauma na primeira infa¢ncia estãoconfigurando o circuito para se desenvolver de maneira diferente".

Quanto ao motivo pelo qual as mulheres são mais vulnera¡veis ​​a essasmudanças, os pesquisadores dizem que ainda não tem certeza. Os cérebros masculino e feminino amadurecem de maneira diferente, portanto esse tipo de estresse pode atingir as mulheres em um ponto crítico de seu desenvolvimento. Diferena§as nos horma´nios ou no sistema imunológico também podem desempenhar um papel, ou talvez homens e mulheres simplesmente experimentem o estresse de maneiras diferentes.

"Ha¡ uma longa lista de teorias que queremos acompanhar", diz Brenhouse. "Sabemos que os homens são impactados pelo estresse da primeira infa¢ncia de outras maneiras, mas o circuito que testamos parece ter mais impacto nas mulheres".

O importante, poranãm, éque essasmudanças não precisam ser permanentes.

Compreender as diferenças em como os cérebros masculinos e femininos se desenvolvem, e o impacto da negligaªncia nesse processo, pode ajudar a melhorar os tratamentos e intervenções para as criana§as antes que as doenças mentais comecem a se manifestar.

"Sempre me preocupo quando falamos sobre trauma no ini­cio da vida, que parece que depois que vocêo experimenta, estãoquebrado", diz Brenhouse. "Mas a verdade éque nosso cérebro continua sendo pla¡stico por toda a vida. Os circuitos desadaptativos podem certamente ser moldados por enriquecimento, intervenções e tratamentos posteriores".

 

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