Pesquisa inédita revela papel crucial do nervo simpático na resposta imunológica da sepse
Maior causa de mortes hospitalares, a sepse é uma inflamação que desafia os tratamentos tradicionais; estudo abre caminho para terapias personalizadas e mais eficazes

Alterações no nervo funcionam como um "potenciômetro", ajustando a resposta imune no local da infecção - Foto: Freepik
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, liderados pelo professor Alexandre Steiner, fizeram uma descoberta promissora que pode transformar o tratamento da sepse. O estudo revelou que o nervo simpático, em especial a ramificação conhecida como nervo esplâncnico maior, desempenha um papel fundamental na resposta imunológica. Essa ramificação regula seletivamente subgrupos de neutrófilos – células essenciais para a defesa do organismo, encarregadas de combater e eliminar patógenos durante infecções graves.
Experimentos com modelos animais demonstraram que o nervo esplâncnico maior regula de forma seletiva os neutrófilos. Essas células, a “primeira linha de defesa” do sistema imunológico, são responsáveis por atacar e destruir patógenos como bactérias e fungos.
Os testes mostraram que a interrupção na comunicação desse nervo aumentou significativamente a eficácia de um subgrupo de neutrófilos ativados, especialmente no peritônio e no baço. Além disso, sua remoção reduziu a presença de neutrófilos quiescentes, que possuem características imunossupressoras, sem interferir em outras funções do sistema imunológico, como as desempenhadas pelos macrófagos. Estes, conhecidos como “zeladores” do organismo, ajudam a controlar a inflamação ao remover detritos celulares, entre outras funções.
Utilizando tecnologias avançadas, como o sequenciamento de RNA de célula única, os pesquisadores identificaram as mudanças específicas nas subpopulações de neutrófilos associadas à modulação pelo nervo esplâncnico. Os achados ressaltam o potencial desse nervo como alvo para futuras terapias personalizadas no tratamento da sepse.
Impactos futuros
“Essa descoberta desafia o conceito tradicional de regulação generalizada do sistema nervoso. Mostramos que o nervo esplâncnico maior atua como um ‘potenciômetro’, ajustando de forma precisa a resposta imune no local da infecção. Isso pode abrir caminho para terapias personalizadas que maximizem a eficácia da resposta imune e minimizem danos colaterais”, explica o professor Alexandre Steiner, coordenador do Laboratório de Neuroimunologia da Sepse do Departamento de Imunologia do ICB.
Uma das implicações mais promissoras do estudo é o uso da bioeletrônica, para modular de forma localizada o nervo simpático e influenciar a resposta inflamatória. No entanto, desafios relevantes permanecem, como a necessidade de desenvolver ferramentas rápidas para identificar os fenótipos específicos dos pacientes, algo essencial para personalizar os tratamentos.
“Hoje, exames como análises ômicas e expressão gênica levam semanas para serem concluídos, o que é incompatível com a dinâmica da sepse, que pode mudar drasticamente em poucas horas. Precisamos de métodos que forneçam resultados em tempo real, utilizando biomarcadores rápidos e sistemas automatizados de análise”, reforça Steiner.
Complexidade da sepse
A sepse ocorre quando a resposta imune se torna excessiva ou persistente mediante sua ineficácia em eliminar um patógeno, levando a danos colaterais que podem comprometer órgãos vitais e causar falência múltipla. É uma condição complexa, com sintomas variados como febre alta, hipotermia, confusão mental e queda de pressão arterial. Embora considerada uma síndrome única, a sepse apresenta diferentes padrões de resposta (fenótipos), que reagem de forma distinta às terapias, o que torna seu tratamento um desafio clínico significativo.
Desde o início do projeto, a equipe da USP tem avançado na compreensão da sepse. Entre os destaques, está a descoberta de um eixo de comunicação entre o baço e o fígado, mediado pelo leucotrieno B4 (LTB4). A molécula age como um mensageiro químico, ajudando o baço a enviar sinais ao fígado para regular a intensidade da inflamação — um mecanismo essencial para coordenar a resposta inflamatória sistêmica. Esses avanços culminaram na identificação do papel seletivo do nervo esplâncnico maior na modulação de respostas imunológicas específicas.
“Entender como órgãos diferentes interagem para controlar a inflamação sistêmica amplia nosso conhecimento sobre a sepse e pode abrir novas perspectivas para o tratamento de outras condições inflamatórias graves”, conclui Steiner.
A descoberta faz parte de um projeto temático iniciado em 2018 financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O artigo The greater splanchnic nerve preferentially regulates neutrophils over macrophages in a rat model of septic peritonitis foi publicado na revista científica Brain, Behavior, and Immunity, de alto impacto na área interdisciplinar de neurociência, psicologia e imunologia.