Saúde

Estudo revela ligação genética entre TDAH e dor crônica propondo caminhos para tratamento
Pesquisa liderada por professor da USP sugere que a dor crônica pode ter origem neuropsiquiátrica, abrindo caminho para tratamentos integrados com foco no neurodesenvolvimento
Por USP - 10/06/2025


Predisposições genéticas para TDAH também estavam associadas a maior risco de dor – Foto: Wikimedia Commons


Pesquisadores identificaram uma ampla sobreposição genética entre o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a dor crônica de múltiplos sítios. Os resultados, publicados no periódico Biological Psychiatry Global Open Science, sugerem que as duas condições compartilham mecanismos biológicos relacionados ao neurodesenvolvimento, o que pode redefinir a forma como ambas são compreendidas e tratadas na prática clínica.

O trabalho foi liderado pelo professor Diego Rovaris, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e tem como primeiro autor o pesquisador Nicolas P. Ciochetti, doutorando do laboratório PhysioGen Lab, também do ICB. Colaboraram ainda pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no contexto da Rede TDAH Brasil — a maior iniciativa de pesquisa sobre TDAH em adultos da América Latina.

A partir de dados genéticos de larga escala, com amostras que somam até 766 mil indivíduos, os pesquisadores identificaram que a correlação genética entre TDAH e dor crônica é três vezes maior do que entre TDAH e enxaqueca (valores de correlação genética de 0,6 e 0,2, respectivamente). O estudo localizou 12 regiões do genoma compartilhadas entre TDAH e dor crônica, contra apenas uma região comum com a enxaqueca.

Além disso, mais de 80% das variantes genéticas compartilhadas entre TDAH e dor crônica apresentaram efeitos na mesma direção, ou seja, predisposições genéticas para TDAH também estavam associadas a maior risco de dor.

“Esses dados mostram que não se pode mais tratar a dor crônica apenas como uma condição somática. Há um componente ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso, que se conecta diretamente com a biologia do TDAH”, explica Rovaris. “Isso muda a forma como devemos abordar o diagnóstico e o tratamento de ambos.”

Conexão genética

O estudo aplicou diferentes abordagens de associação por varredura genômica (pós-GWAS), como Lava, MiXer, conjFDR e análise de Randomização Mendeliana, para investigar as relações causais e o compartilhamento de variantes genéticas e de vias biológicas. Também foi utilizada uma amostra independente de 1.660 indivíduos brasileiros, o que permitiu validar os achados genéticos e associá-los a características clínicas, como gravidade dos sintomas de TDAH e presença de comorbidades como transtorno bipolar e dependência de substâncias.

Essa amostra apontou que os escores genéticos de risco para dor crônica estavam associados à gravidade dos sintomas de TDAH, especialmente impulsividade e hiperatividade, além de alterações estruturais no cérebro — como áreas corticais e subcorticais — compatíveis com o que se observa em pessoas com TDAH.

Dois relatos de caso mencionados pelos pesquisadores ilustram o potencial impacto das descobertas: pacientes com dor crônica de longa data tiveram redução dos sintomas de dor após iniciarem tratamento para TDAH. Embora sejam apenas relatos iniciais, eles reforçam a hipótese de que medicamentos usados no tratamento do TDAH podem atuar também sobre os mecanismos que causam dor.

“Esse estudo abre possibilidades para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas integradas, que considerem simultaneamente a dor e os sintomas do TDAH”, afirma Ciochetti. “Ao investigar essas vias biológicas compartilhadas podemos chegar a estratégias de tratamento mais eficazes para uma população que sofre com múltiplas condições associadas.”

Novas implicações

O TDAH é uma condição de alta comorbidade, associando-se frequentemente a depressão, transtorno bipolar, ansiedade, transtornos de aprendizagem e uso de substâncias. Nos últimos anos, estudos também vêm indicando sua associação com doenças do sistema imune, obesidade, diabetes tipo 2 e outras condições somáticas. O novo estudo reforça a importância de uma visão integrada, ao demonstrar que a dor crônica compartilha bases genéticas com o TDAH tão fortes quanto a depressão, o que pode justificar a alta frequência dessa queixa em pacientes com o transtorno.

“Estamos propondo uma mudança de paradigma. A dor crônica pode e deve ser considerada também como uma condição de saúde mental em muitos casos”, conclui Rovaris.

O artigo Genetic Interplay Between ADHD and Pain Suggests Neurodevelopmental Pathways and Comorbidity Risk foi publicado na Biological Psychiatry Global Open Science.

 

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